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Para médicos, lockdown de fim de semana ajuda, mas é pouco para frear covid

21.02.2021 - Pacientes aguardam atendimento na UPA da Vila Xavier em Araraquara, interior de São Paulo - Igor do Vale/Estadão Conteúdo
21.02.2021 - Pacientes aguardam atendimento na UPA da Vila Xavier em Araraquara, interior de São Paulo Imagem: Igor do Vale/Estadão Conteúdo

Leonardo Martins

Colaboração para o UOL, em São Paulo

02/03/2021 04h00

No momento mais crítico da pandemia de covid-19 no Brasil, hospitais de diversos estados e capitais estão lotados de pacientes, enquanto as taxas de transmissão da doença não param de subir. Para frear a disseminação, governadores, como o de Santa Catarina, decretaram lockdown aos fins de semana.

Mas, na opinião dos infectologistas ouvidos pelo UOL, a medida ajuda pouco. O caminho, dizem os médicos, é que as ações restritivas durem mais tempo.

Os especialistas afirmam que dois dias de reclusão total da população não são suficientes para conter o colapso no sistema de saúde. O que acontece na Bahia é considerado um bom exemplo dessa situação. O governador Rui Costa (PT) decretou lockdown no final de semana, mas, diante dos dados ainda alarmantes, decidiu estender a medida por mais dois dias.

Não é eficaz [manter lockdown apenas nos sábados e domingos]. Evidentemente que ajuda a reduzir a transmissão a partir de eventos sociais, mas é pouco quando estamos em situações extremas de elevada ocupação de leitos associada a altas taxas de transmissão viral.
Evaldo Stanislau, infectologista do Hospital das Clínicas-SP

A pesquisadora Ana Maria de Brito, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) de Pernambuco, afirma que as aglomerações de fim de ano e Carnaval contribuíram para uma situação da pandemia em que não resta alternativa a não ser interromper totalmente a mobilidade do país.

"Precisamos de um lockdown. O Brasil precisa parar de ter mobilidade da população. Dois fenômenos se sobrepõem: uma sucessão de aglomerações marcadas por eleições municipais no mês de novembro, seguido de festas de final de ano e Carnaval. Aliado a isso, um retorno às aulas presenciais. Nós temos essas condições favoráveis à proliferação do vírus e, paralelamente, à circulação de uma nova variante, a P.1", disse.

Estudos já apontam que a P.1, conhecida como variante brasileira, que surgiu em Manaus, é duas vezes mais transmissível e aumenta em 10 vezes a carga viral no corpo.

O vírus não é vampiro. Ele não aparece só à noite. Fora a velha e falsa balela de que tem de salvar a economia. Não existe salvação de economia sem que a vida seja prioridade.
Ana Maria de Brito, pesquisadora da Fiocruz-PE

Já o diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações, Renato Kfouri, é mais cauteloso. Ele diz que a pandemia se manifesta de diferentes formas em cada estado, e que cabe à chefia local analisar os dados e traças as estratégias.

"Não existe receita de bolo pronta. É difícil saber se as medidas são úteis precipitadamente. Há quem defenda uma universalização no país. Acho que não é o momento. Temos pandemia em diferentes momentos. O que acontece em Manaus não é o mesmo que o Rio Grande do Sul, nem em São Paulo", disse.

Medidas de restrição locais

Ontem, secretários estaduais da Saúde divulgaram uma carta aberta pedindo um "'Pacto Nacional pela Vida', que reúna todos os poderes, a sociedade civil, representantes da indústria e do comércio". Eles sugeriram medidas como um toque de recolher nacional para "evitar o iminente colapso nacional das redes pública e privada de saúde".

A equipe do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou ontem que o estado bateu um novo recorde de internações em UTI por causa da covid —74,3% destes leitos estão ocupados. Mais de 7.100 pessoas estão internadas no estado.

Ao comentar este cenário, Evaldo Stanislau diz que as métricas do Plano São Paulo, de retomada econnômia, devem ser revistas.

"Onde o Rt [taxa de transmissão] for maior que 1 [quando uma pessoa infectada contamina mais de uma pessoa] e as taxas de ocupação de UTI superiores a 90%, eu faria lockdown. Onde a taxa de ocupação for menor, medidas restritivas à noite e em atividades não essenciais. Com Rt menor que 1 e taxas de ocupação ok [menos de 60%], seguiria o Plano São Paulo", avalia.

Segundo o InfoTracker, ferramenta desenvolvida pela USP e Unesp para monitorar a disseminação do novo coronavírus, a taxa de transmissão na Região Sudeste do país está em 0,89 (isso significa que 10 pessoas contaminadas passam para quase nove pessoas).

Pressão por restrições

A Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo assiste preocupada ao colapso no sistema de saúde de outros estados. Nas últimas semanas, o Centro de Contingência do Coronavírus insiste em medidas mais severas, como um lockdown.

Doria, no entanto, tem optado por flexibilizar as propostas dos epidemiologistas e infectologistas que integram o comitê, o que gerou, inclusive, um desgaste.

É considerado "muito provável", segundo autoridades do governo, que Doria anuncie a instauração da "fase roxa", mais severa, no Plano São Paulo nos próximos dias.

No nível roxo, o comércio essencial, como supermercados, teria o horário reduzido —os setores de delivery também. A ideia é colocar medidas mais restritivas e mais próximas de um lockdown "sem causar pânico", incorporando a ideia como parte do programa.

O governador deve bater o martelo em reunião com o comitê na manhã desta terça-feira (2).