SP: Lua cheia e lanterna ajudam famílias a enterrar mortos noite adentro
Já passava das 22h quando os familiares de Silvério Rocha, 51, sepultaram seu corpo no cemitério São Luís, no jardim que atende pelo mesmo nome, na zona sul de São Paulo.
A lua cheia e a lanterna do coveiro eram as únicas luzes a clarear o cortejo da família Rocha.
O número de enterros cresceu 30% em São Paulo no último mês. Os sepultamentos noturnos fazem parte do Plano de Contingência do Serviço Funerário. A mudança de horário foi implantada nos cemitérios São Luís, na zona sul, Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte, Vila Alpina e Vila Formosa, na zona leste.
No São Luís estão trabalhando duas equipes de sepultadores, com oito membros cada. A primeira fica das 8h às 17h e a segunda equipe, das 13h às 22h.
Só na sexta-feira foram 34 enterros no local, 11 deles de vítimas do covid-19. Segundo José Araújo, agente de apoio do cemitério, a média tem sido entre 12 e 15 mortos da doença por dia. São Paulo registrou a pior semana de mortes por covid-19 no estado, com 4.333 óbitos entre o domingo passado e ontem.
Vítima de um câncer, Silvério foi o último a ser enterrado na sexta-feira, quando começou a valer o novo decreto da prefeitura, com sepultamentos até as 22h.
"A família acha ruim né, tem medo de enterrar à noite", afirmou um coveiro.
A filha caçula de Silvério, de apenas nove anos, não quis acompanhar o funeral do pai. Abalada e com medo, ficou esperando no local onde acontecem os velórios, aos cuidados de uma tia.
Entre sons de corvos e morcegos, os familiares de Silvério deixaram suas flores no túmulo quase às 23h e voltaram caminhando no breu, guiados apenas pelas lanternas dos celulares.
Enquanto isso, funcionários desmontavam o gerador e o trator que estão sendo usados para fazer os enterros noturnos.
"Gerador não clareia nada"
"Colocaram um gerador lá embaixo, mas não clareia nada. A família desce no escuro para enterrar", afirmou José Araújo.
Até quinta-feira desta semana, os sepultamentos ocorriam entre as 7h e as 19h. Só na noite de ontem, cinco pessoas foram enterrados no horário estendido. Três deles eram "D3", código usado pelos trabalhadores funerários para o protocolo em casos confirmados ou suspeitos de covid-19.
Jaime Rezende, velorista do São Luís, afirma que o volume de corpos que estão chegando de madrugada é cada vez maior. Os que chegam após as 22h são colocados na sala de velório e sepultados no dia seguinte.
"No final do ano passado parecia que estava melhorando. Chegava a ficar um dia, dois dias sem aparecer nenhum [morto de covid]. Agora, não para de aumentar", lamenta Araújo.
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