Topo

Covid: Sem dados integrados, Saúde dificulta análise de impacto da vacina

Vacinação contra a Covid-19 na UBS Santa Cecília, no centro de São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress
Vacinação contra a Covid-19 na UBS Santa Cecília, no centro de São Paulo Imagem: Danilo Verpa/Folhapress

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

29/01/2022 04h00

Pouco mais de um ano após o início da imunização contra a covid-19, o Brasil sofre com a dificuldade em obter dados sobre a efetividade das vacinas. O Ministério da Saúde, responsável pelos dados no país, ainda não publicou nenhum estudo que relacione a vacinação às internações e mortes provocadas pela doença.

Segundo especialistas da área, além de não demonstrar "interesse" em aferir essa efetividade, o modelo de gestão de dados usado pela pasta dificulta que projetos façam esse levantamento.

O UOL conversou com alguns dos principais pesquisadores de projetos de dados sobre covid-19 no país. Os especialistas relatam que a dificuldade ocorre porque há um problema tecnológico para chegar a percentuais de pessoas internadas ou mortas com vacinação completa, atrasada ou mesmo não imunizada —e estratificar isso em grupos etários, por exemplo.

O maior problema, alegam, é que o país tem dois sistemas de dados separados que são diferentes e não se comunicam entre si: o da vacinação (o SI-PNI, Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações) e o de informações de internações e óbitos (o Sivep-Gripe, Sistema de Vigilância Epidemiológica da Gripe).

Segundo Isaac Schrarstzhaupt, coordenador na Rede Análise Covid-19, um levantamento de efetividade em âmbito nacional só poderia ser feito cruzando dados do SI-PNI com o do Sivep-Gripe. Mas isso não é possível porque os dois sistemas públicos geram identidades (anônimas) diferentes em cada base de dados.

"Quando anonimizaram o SI-PNI, criaram um ID de paciente. Quando anonimizaram o Sivep, criaram outro. Então é impossível pegar a informação de internação ou óbito no Sivep e ir ao SI-PNI para ver quando e quantas doses a pessoa tomou", explica.

Sem um ID (sigla que vem da redução da palavra identity) único para realizar esse cruzamento, é necessário ter acesso aos chamados dados fechados, que reúnem informações pessoais de pacientes e pessoas vacinadas. Isso, para garantir a privacidade, tem acesso altamente restrito.

No caso, estados e municípios têm acesso a essas bases fechadas e poderiam fazer esse cruzamento local usando dados como nome e data de nascimento. Mas seria muito trabalhoso, poucos acabam fazendo".
Isaac Schrarstzhaupt, Rede Análise Covid-19

Frascos com etiquetas de vacinas contra a covid-19 - Dado Ruvic/Reuters - Dado Ruvic/Reuters
Frascos com etiquetas de vacinas contra a covid-19
Imagem: Dado Ruvic/Reuters

Falta de integração exige mais esforço

Mesmo para quem tem acesso aos dados completos, como centros federais de pesquisa, cruzar informações de bancos de dados se torna mais complicado sem um identificador único.

"Com um número único a gente ia poder cruzar a base de dados do Sivep com outras, em particular do PNI. Mas isso acabou sendo mal feito", afirma Leonardo Bastos, pesquisador de saúde pública da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e integrante do Observatório Covid-19 BR.

Segundo ele, sem um identificador em comum, o cruzamento de informações acaba exigindo mais esforço de quem se propõe a executar a tarefa.

"Fazer isso é difícil em vários níveis. São bases de dados enormes."
Leonardo Bastos, Fiocruz

A Fiocruz possui alguns grupos de pesquisa que têm acesso aos dados fechados. Um deles é o projeto Vigivac, um dos poucos grupos que publicou um estudo de efetividade das vacinas administradas no país até outubro de 2021. Segundo a avaliação, elas tiveram uma efetividade entre 83% a 99% para casos graves e óbitos entre as faixas etárias de 20 e 80 anos.

Bastos está preparando esse cruzamento de dados para um estudo amplo sobre efetividade vacinal no país, mas que não sairá nos próximos dias. "Estamos fazendo em ritmo de pesquisa, não no ritmo que seria ideal para divulgação agora para mostrar a efetividade", explica.

Recentemente, diz Bastos, o Sivep-Gripe passou por uma atualização, Agora, quando se preenche um dado de internação ou óbito, automaticamente é indexado o status vacinal. "Mas com o apagão isso não funcionou bem. Se você pegar hoje os dados do Sivep vai ver que tem um buraco. Tem alguns dados que você ainda consegue estimar, mas para a maioria, não", completa.

04.12.2021 -- Campanha de vacinação em 4 de dezembro, em Salvador - Mauro Akiin Nassor/Estadão Conteúdo - Mauro Akiin Nassor/Estadão Conteúdo
04.12.2021 -- Campanha de vacinação em 4 de dezembro, em Salvador
Imagem: Mauro Akiin Nassor/Estadão Conteúdo

Sem população, só com estimativa

Outro ponto problemático que ele cita é a base de dados populacional do país —no caso do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas). Como último Censo foi feito em 2010, há imprecisões na quantidade da população, assim como na estratificação por raça, gênero ou faixa etária, por exemplo.

"Nossa estimativa populacional é pobre. Primeiro, porque o último Censo tem 12 anos, Ou seja: toda população de 2011 para cá é uma estimativa. A gente usa o melhor dado que ainda temos, mas ele não é preciso. Por isso, volta e meia temos percentuais de vacinados acima de 100%", conta.

Um exemplo disso ocorreu com o estado de São Paulo, que divulgou no último dia 22 ter vacinado com a primeira dose 102% da população elegível. O desconhecimento sobre como é feito o cálculo gerou até críticas de bolsonaristas anti-vacina, que acusaram o governador João Dória (PSDB) de suposta fraude.

Em meio a esse cenário, o coordenador do Laboratório de Estatística e Ciência de Dados da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) e membro do Observatório Covid BR, Krerley Oliveira, diz que a falha na gestão de dados da saúde ficou clara no apagão de informações (entre dezembro e janeiro) —o que gerou uma série de desconfianças por parte dos pesquisadores.

"Acho que as pessoas estão bem decepcionadas com o cuidado que os governos estão tendo com essas informações. E isso não ocorre por falta de ferramentas ou iniciativas", diz, citando que o cruzamento de dados dos dois sistemas é algo possível de ser feito em um ambiente interno do Ministério da Saúde.

O ministério tem todas essas bases, basta eles quererem. O que não temos é vontade de fazer as coisas".
Krerley Oliveira, Ufal

O UOL questionou o Ministério da Saúde sobre o motivos de não haver um estudo cruzando os dados SI-PNI com o Sivep-Gripe para mostrar a efetividade vacinal no país, mas não obteve retorno.

Dados locais mostram efetividade

Por conta da dificuldade, poucas prefeituras ou governos estaduais fazem estudos de efetividade da vacina de pacientes internados com covid-19.

Um dos estados que fez isso foi o Rio Grande do Sul. No último dado apresentado, em dezembro de 2021, eles apontam que o esquema vacinal completo reduziu em 87% o risco de morte nas pessoas com 20 anos ou mais entre agosto e novembro de 2021. Entre os idosos, a vacinação de reforço diminuiu em 95% a incidência de óbito no período.

Outros estados informam o percentual de pacientes internados vacinados e não vacinados. No Amazonas, na quinta-feira havia 581 pacientes hospitalizados em Manaus divididos em:

  • 266 não vacinados
  • 154 tem esquema vacinal incompleto
  • 148 têm esquema vacinal completo

Já Pernambuco, que chegou a divulgar o dado, parou. A Secretaria Estadual de Saúde informou ao UOL que "informações sobre a situação vacinal de alguns pacientes não constavam mais no banco de informação do Ministério da Saúde". "O fato já foi relatado ao órgão federal para averiguação", diz a pasta.

No Rio de Janeiro, 88% dos internados não tomaram nenhuma ou estão com doses incompletas da vacina.

Esses dados não são exclusividade do Brasil; vemos isso em todo o mundo! Na prática, quando a gente vê quem hospitalizou, vê uma diferença gigante entre vacinados e não vacinados ou com vacinação incompleta. Quem está com uma dose ou com duas --e tiver em tempo da terceira-- não está protegido adequadamente".
Vice-presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), Isabella Ballalai

A infectologista e professora da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) Vera Magalhães diz que todos os países que fizeram estudos de efetividade vacinal chegaram à conclusão de grande redução de internações e mortes.

"Nos Estados Unidos, 80% dos internados não são vacinados. Na Inglaterra se vê a mesma coisa. Então a gente pode dizer que a vacina, apesar de não impedir a infecção, é capaz de prevenir os casos de hospitalização e óbito. Isso já era visto com as outras ondas, mas agora está muito mais evidente com a transmissão da absurda variante ômicron", finaliza.