Topo

Irlanda pede ao papa 'justiça' às vítimas de abusos

25.ago.2018 - Papa Francisco e o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar - Stefano Rellandini/Reuters
25.ago.2018 - Papa Francisco e o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar Imagem: Stefano Rellandini/Reuters

Em Dublin, Irlanda

25/08/2018 17h25

O primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, pediu neste sábado (25) ao papa Francisco que se faça "justiça" às vítimas de abusos cometidos por membros do clero, enquanto o pontífice reconheceu sua "vergonha" por esses crimes.

O papa chegou na manhã deste sábado a Dublin para o encerramento do Encontro Mundial das Famílias. Sua 24ª viagem ao exterior ocorre em um momento muito sensível para a Igreja Católica, abalada na semana passada pelas revelações de abusos sexuais cometidos no passado nos Estados Unidos e por uma série sem precedentes de recentes renúncias de hierarcas suspeitos de fazer cumprir a lei do silêncio no Chile, na Austrália e nos Estados Unidos.

Leia também:


Varadkar, que é abertamente homossexual e símbolo de uma nova Irlanda liberal, fez um apelo para que as "vítimas e os sobreviventes obtenham justiça, verdade e cura".

"Santo Padre, peço que use sua posição e influência para conseguir este feito aqui na Irlanda e em todo o mundo", clamou ao lado do pontífice.

"Devemos garantir que as palavras sejam seguidas de ações", insistiu em seu discurso no Castelo de Dublin.

Desde 2002, mais de 14.500 pessoas se declararam vítimas de abusos sexuais cometidos por padres na Irlanda.

"É uma história triste e vergonhosa, uma mancha em nosso Estado, nossa sociedade e na Igreja Católica", estimou Varadkar.

Papa Francisco deixa castelo após discurso

AFP

"O papa Francisco se reuniu na noite deste sábado durante uma hora e meia com oito sobreviventes de abusos cometidos por clérigos, religiosos ou em instituições" da Igreja, explicou o porta-voz do Vaticano, Greg Kerry.

O encontro muito aguardado com os "sobreviventes", em parte identificados em um comunicado do Vaticano, foi celebrado ao final do primeiro dia da visita papal.

Entre as oito pessoas se encontrava uma vítima, que quis permanecer anônima, do padre católico Tony Walsh, que abusou de crianças durante duas décadas antes de ser preso. O papa também recebeu a porta-voz dos "sobreviventes": Marie Collins, uma septuagenária irlandesa, que foi vítima aos 13 anos de um sacerdote quando estava em um hospital.

"Sofrimento e vergonha" 

Após escutar seu interlocutor, o papa Francisco reconheceu sua "vergonha" diante do fracasso da Igreja por não ter enfrentado adequadamente os "crimes ignóbeis" do clero na Irlanda.

"O fracasso das autoridades eclesiásticas -- bispos, religiosos superiores, sacerdotes e outros -- para tratar adequadamente estes crimes repugnantes provoca indignação e continua a causar sofrimento e constrangimento à comunidade católica. Eu mesmo compartilho esses sentimentos", declarou o papa numa intervenção sobre esta questão.

O pontífice direcionou um pensamento particular às "mulheres que no passado sofreram situações de particular dificuldade". "Eu não posso deixar de reconhecer o grave escândalo causado na Irlanda pelos abusos de menores por parte de membros da Igreja encarregados de protegê-los e educá-los".

O papa argentino se referiu ao seu predecessor, Bento 16, que em 2010 havia escrito uma carta a todos os católicos irlandeses.

"Sua intervenção franca e decisiva serve ainda hoje de incentivo aos esforços das autoridades eclesiais para remediar os erros do passado e adotar padrões rigorosos para garantir que não voltem a acontecer", disse Francisco.

"A Igreja na Irlanda teve, no passado e no presente, um papel de promoção do bem que não pode ser ocultado", ressaltou em seu discurso, acrescentando: "Espero que a gravidade dos escândalos dos abusos, que revelaram as falhas de muitos, sirva para enfatizar a importância da proteção dos menores e dos adultos vulneráveis por toda a sociedade."

Francisco presidirá neste sábado o Encontro das Famílias no estádio Croke Park de Dublin, onde mais de 80 mil pessoas são esperadas, e vai celebrar no domingo a missa de encerramento do evento no Parque Phoenix em Dublin, onde são esperados meio milhão de fiéis.

Além disso, vai se reunir discretamente com vítimas de abusos sexuais.

Na semana passada, o enorme escândalo de pedofilia no Estado americano da Pensilvânia levou o papa Francisco a divulgar uma carta sem precedentes aos 1,3 bilhão de católicos do planeta. A carta reconhece que a Igreja esteve à altura e que "descuidou e abandonou as crianças", e "o que pode ser feito para pedir perdão nunca será suficiente".

"Não ao papa" 

À margem da visita do papa, estão previstas manifestações. Milhares de internautas irlandeses pediram no Facebook um boicote em massa ao papa e à missa de Phoenix Park.

Paralelamente, uma marcha acontecerá nas ruas de Dublin até o "Jardim da Recordação".

Em Thuam (oeste), uma vigília será realizada em memória dos 796 bebês mortos entre 1925 e 1961 no albergue católico das Irmãs do Bom Socorro e que foram enterrados em uma vala comum.

"A visita do Papa é muito dolorosa para muitos sobreviventes [de abusos]. Desperta velhas emoções. Vergonha, humilhação, desespero, raiva", declarou Maeve Lewis, diretora da associação One in Four, que ajuda vítimas.

"É um fim de semana de emoções mistas", resumiu o ministro da Saúde da Irlanda, Simon Harris, no Twitter. "Para muitos, o entusiasmo [por ver o papa], para outros, um sentimento de dor", escreveu ele.

A Igreja perdeu influência na sociedade irlandesa nos últimos anos.

A missa do papa Francisco também deve atrair três vezes menos fiéis do que durante a visita de João Paulo 2º em 1979, a última visita pontifícia ao país.

Desde então, a proporção de católicos em uma população de cerca de 5 milhões passou de mais de 90% para menos de 80%.

Na frente política, a Irlanda legalizou o casamento gay em 2015, elegeu um primeiro-ministro gay, Leo Varadkar, em 2017, e autorizou o aborto em maio.