Topo

Esse conteúdo é antigo

Historicamente pobre, Nordeste enfrenta caos com o coronavírus

29.abr.2020 - Fila é formada em frente a uma das agências da Caixa em Recife para o recebimento do auxílio emergencial - Bruno Campos/JC Imagem/Estadão Conteúdo
29.abr.2020 - Fila é formada em frente a uma das agências da Caixa em Recife para o recebimento do auxílio emergencial Imagem: Bruno Campos/JC Imagem/Estadão Conteúdo

Rio de Janeiro

29/05/2020 09h36

A região Nordeste, que historicamente sofre com a seca e a pobreza extrema, emerge como a próxima zona de crise da pandemia do novo coronavírus no Brasil.

À medida que o vírus se expande pelo território brasileiro, que agora é o segundo país com o maior número de casos no mundo, a região mais pobre do Brasil é fortemente atingida pela covid-19, tanto pelo avanço da doença quanto pelas medidas drásticas para tentar contê-la.

O Nordeste tem o segundo maior número de casos e mortes do Brasil, depois do rico Sudeste, onde o surto começou.

Para as 7,7 milhões de pessoas da região que vivem com menos de R$ 10 por dia, lidar com uma pandemia já seria muito difícil até no melhor dos momentos.

Acrescenta-se a esse cenário a alteração no cotidiano por causa do confinamento, como a interrupção da merenda escolar para crianças em situação de fome e do abastecimento de água para os que não têm o que beber.

"Eu nunca vi, em 26 anos, tantas pessoas com medo, tantas pessoas passando fome, porque parou tudo. Só que a fome não para", diz Alcione Albanesi, fundadora da ONG Amigos do Bem.

A organização é responsável por distribuir comida, água e artigos de higiene para famílias que vivem no sertão.

Medidas preventivas como o enxágue das mãos são teóricas em um local em que, na prática, a maioria das pessoas nem sequer têm água para matar a sede.

Os que adoecem geralmente conseguem ir de charrete à cidade mais próxima ou passam várias horas em transportes públicos até conseguir chegar ao hospital.

No hospital, é comum a falta de materiais básicos para atendê-los, até mesmo cobertores para os leitos, segundo o relato de Albanesi.

Migrantes se tornaram vetores

A pandemia tem avançado rapidamente na região, se espalhando das capitais para o interior. No início de abril, o Nordeste tinha 17,6% dos casos de coronavírus do país e atualmente reúne 33,7% deles.

Até o momento, os nove estados da região registraram mais de 147 mil casos e quase 8.000 mortes da covid-19, entre os mais de 26 mil contabilizados no país.

Isso possivelmente foi ocasionado pelo retorno de migrantes que antes tinham deixado a região para trabalhar no Sudeste e, com a pandemia, perderam os empregos no setor do comércio e indústria na região mais rica e populosa do país.

Ao voltarem para casa devido ao desemprego, muitos desses trabalhadores acabam trazendo o vírus com eles.

"Daqui de São Paulo mesmo sai todo dia ônibus, van, carro particular. Quem controla quando essas pessoas chegam lá no interior? Ninguém. Elas não são nem vistas, saem e chegam de madrugada", contou um motorista em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.

Pobreza e política

No Nordeste vivem 57 milhões dos 210 milhões de habitantes do país, e a região tem o maior número de pessoas vivendo em condições de extrema pobreza.

É considerado um reduto da esquerda. É a única região do país que não teve votação expressiva para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nas últimas eleições.

À medida que o coronavírus começou a se espalhar pelo Brasil, os governadores do Nordeste criaram um comitê de resposta à crise na saúde, presidido por um dos cientistas mais famosos do país, o neurocientista Miguel Nicolelis.

"O Nordeste não conseguiu muita ajuda do governo federal por causa do seu posicionamento político", afirmou Nicolelis à AFP.

O comitê, então, criou estratégias próprias para combater o vírus, como equipes de emergência de saúde e canais telefônicos para identificar casos suspeitos.

O cientista compara esse trabalho a "estar no meio da tempestade sem uma capa de chuva", já que muitos hospitais da região estão à beira do colapso.

De acordo com o secretário de Saúde do Recife, Jailson Correia, sete hospitais de campanha seriam abertos no estado de Pernambuco. No entanto, há dificuldade para conseguir profissionais da saúde, já que no momento 471 dos médicos e enfermeiros estão afastados se tratando da doença.

Com o colapso se aproximando a cada dia, "o nível de estresse é altíssimo", afirmou.