Ex-guerrilheiros das Farc são mortos mesmo cinco anos após acordo de paz
Cinco anos após a assinatura da paz, eles vivem aterrorizados nas mesmas montanhas da Colômbia onde lutaram. Em casas pré-fabricadas, ex-guerrilheiros confessam que se sentem caçados como "coelhos" indefesos.
No início de 2017, cerca de 300 guerrilheiros das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) se reuniram em uma pequena propriedade rural no município de Miranda, no departamento de Cauca (sudoeste), para entregar as armas.
Naquela época, tudo era festa. Depois, a maioria fugiu. Uma onda de assassinatos seletivos e a falta de terras para projetos agrícolas - "uma violação do que foi acordado", alegam eles - rompeu a vida coletiva.
"A mesma dor que causou a tantas pessoas se transformou em ódio", disse à AFP Luz Dary Guarnizo, viúva de um ex-guerrilheiro que foi assassinado na região.
Restaram apenas cerca de 35 homens e mulheres que não tiveram para onde ir. Às vezes, dizem, ouvem tiros dos grupos que chegaram antes do Estado para preencher o vazio deixado pelas Farc.
Paradoxalmente, a paz foi letal: 293 ex-guerrilheiros foram mortos desde o desarmamento monitorado pela ONU.
"É a vingança de um passado", explica Guarnizo, uma camponesa de 52 anos.
Em 27 de dezembro de 2020, o marido dela foi esquartejado. Manuel Alonso era um ex-guerrilheiro de 54 anos que esteve na prisão.
"Eu me sinto impotente. O acordo era que cuidariam de suas vidas. Ele, que era um dos que queria que esse processo continuasse, perdeu a vida", lamenta a viúva com a voz embargada.
Conhecido como Romel, Alonso foi libertado da prisão em 2018 graças ao acordo de paz. Ele se dedicou à marcenaria e serigrafia, conta Luz Dary na oficina agora abandonada.
Os ex-guerrilheiros limpam estradas, consertam escolas ou plantam árvores, esperando que as ações sejam reconhecidas por um tribunal de paz que oferece penas alternativas para quem contribuir com a verdade e reparar as vítimas.
'Alvos'
Mas "muitos dos homens e mulheres que hoje são signatários da paz e realizam atividades são alvos militares", denuncia Sandra Morales.
Uma dezena de guarda-costas - a maioria ex-guerrilheiros - e dois caminhões blindados acompanham essa mulher de 40 anos, ex-negociadora do acordo de paz em Havana, em Cuba, e que se fazia chamar Camila Cienfuegos na guerra.
Ignacio Loaiza foi um dos rebeldes que largou as armas e montou um esquema de segurança. Ele foi baleado e morto em maio. Estava sozinho, lembra Morales durante um tour pela região com a AFP.
No computador dele, ele tem dezenas de fotos de colegas que sofreram o mesmo destino.
"Na guerra houve momentos muito difíceis porque estávamos armados e sabíamos que era um confronto entre duas forças, mas agora me parece muito cruel, porque se dedicam a nos caçar", reclama.
Novos grupos liderados por ex-integrantes das Farc que deixaram o pacto de paz, bandos de origem paramilitar e guerrilheiros do ELN disputam o controle de Cauca. É um dos departamentos com plantações de drogas na Colômbia.
Com a paz em curso, os vizinhos vinham jogar futebol em um campo sintético construído ao lado do complexo onde moram os ex-combatentes.
No ano passado, um morteiro artesanal foi lançado nas proximidades. Aparentemente, dirigido contra uma patrulha militar. Após a explosão, nem os vizinhos nem os soldados voltaram.
"Isso se deve a uma ausência do Estado. Não só a presença do poder público, mas também de um Estado com estradas, com educação, com justiça", diz Leonardo González, pesquisador do centro de estudos independente Indepaz.
Segundo González, os dissidentes estão por trás de grande parte dos crimes. A maioria são "novos recrutas" que não pertenciam às Farc e "veem a implementação do acordo como um inimigo" contra a expansão das plantações de maconha e coca.
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