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Transferência de Marcola: é possível deixar líderes de facções incomunicáveis?

Rogério Cassimiro - 8.jun.2006/Folhapress
Imagem: Rogério Cassimiro - 8.jun.2006/Folhapress

Laís Alegretti

Da BBC News Brasil, em Brasília

14/02/2019 07h55

Com a transferência de integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) para presídios federais, o governo espera isolar esses líderes. A intenção é dificultar o contato deles com o grupo e evitar que consigam dar ordens de dentro dos presídios.

O líder da facção, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, e outras 21 pessoas foram transferidos para presídios federais em Brasília, Rondônia e Rio Grande do Norte. Eles cumpriam pena em presídios estaduais em Presidente Venceslau e Presidente Bernardes, no interior de São Paulo. Por segurança, o governo disse que não divulgará para onde foram levados cada um dos 22 presos.

Em nota, o Ministério da Justiça disse que "o isolamento de lideranças é estratégia necessária para o enfrentamento e o desmantelamento de organizações criminosas".

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam, contudo, que é muito difícil garantir, mesmo em presídios federais, que os líderes não passem recados e tampouco recebam informações. Eles lembram que as facções são muito organizadas e estão sempre prontas para substituir seus líderes. Outro alerta feito por especialistas é a possibilidade de medidas como essa aumentarem a criminalidade nas cidades que recebem esses presos.

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No mesmo dia da transferência, foi publicada uma portaria assinada pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, com regras para visitas em penitenciárias federais. O texto determina que as visitas sejam exclusivamente por parlatório -- ou seja, separado por um vidro e com comunicação pelo interfone -- ou videoconferência.

A visita social será para cônjuges, companheiros, parentes e amigos, segundo o texto. O encontro em pátio de visitação só será permitida, uma vez por mês, para o preso que passar 360 dias seguidos com ótimo comportamento carcerário.

Recado por meio das visitas

Consultor do Senado na área de Segurança Pública, João Paulo Botelho diz que é possível que um presídio federal tenha uma segurança maior que um estadual, mas aponta que é muito difícil bloquear o contato do preso com o exterior do presídio.

Transferências têm ampliado os conflitos dentro e fora dos presídios, diz especialista - Polícia Federal/BBC - Polícia Federal/BBC
Transferências têm ampliado os conflitos dentro e fora dos presídios, diz especialista
Imagem: Polícia Federal/BBC

"A transferência é para tentar tornar o cara incomunicável, mas sempre tem um agente que pode ser corrompido, um advogado ou familiar que vai transmitir recado pra fora, a revista pode não ser 100%, o pessoal tenta entrar com celular. Será que isso vai conseguir frear as ordens que esses comandantes vão mandar para fora?", questionou.

Para Botelho, o cenário mais provável é que esses líderes continuem dando ordens de dentro dos presídios. O parlatório, segundo ele, é importante para evitar a passagem de material da visita para o preso, mas as informações são transmitidas.

"A conversa não pode ser gravada ou filmada, então o conteúdo continua protegido. Ele pode ali continuar mandando e recebendo recado", disse.

Rafael Alcadipani, professor da FGV e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, também acredita que a chance de dificultar a comunicação dos presos com suas facções é maior em presídio federal. "Mas vai conseguir um isolamento total e completo? Existe chance maior, mas não é certo", afirmou.

O grande problema, segundo especialistas, é que mesmo em um cenário em que fosse possível isolar um líder, as facções estão organizadas para prontamente substituí-lo.

"Sempre vai surgir outra liderança, o crime continua ativo. É uma empresa. Quando sai um chefe, entra o outro", afirmou Alcadipani. "O que a gente precisa é sufocar as facções financeiramente, repensar como a gente lida com a questão da droga no Brasil, combater a corrupção em todas as esferas."

Para Botelho, é necessário "cortar o fluxo de traficantes, evitando a formação do criminoso". "A solução é afastar do crime durante a infância, na categoria de base."

Alerta nas cidades que recebem os criminosos

A experiência com a transferência de presos de facções como o PCC torna necessária uma preocupação com as cidades que recebem esses indivíduos, segundo a professora da Universidade Brasília (UnB) Haydée Caruso, que atua no Departamento de Sociologia e no Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança da universidade.

O motivo, segundo ela, é que a chegada de um líder de uma facção como o PCC muda a dinâmica local tanto dentro do presídio quanto fora dele e possibilita o aumento da violência e da criminalidade.

"O resultado dessas transferências tem sido a ampliação dos conflitos dentro e fora dos presídios. Isso porque o PCC não chega em contexto de terra arrasada, mas em contexto em que há outros grupos de facções disputando hegemonia dentro e fora da prisão", explicou. "A experiência mostra que nunca é uma transferência que você consegue neutralizar por completo."

Por isso, segundo ela, as autoridades precisam pensar em estratégias para minimizar os impactos da transferências desses líderes de facções para a população local.

Reforço do Exército

Outra medida publicada nesta quarta-feira foi o decreto que permite o emprego das Forças Armadas até 27 de fevereiro no entorno das penitenciárias federais em Mossoró (RN) e em Porto Velho (RO).

A ideia, segundo o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, é que a atuação dos militares aconteça só se houver alguma eventualidade. "O GLO é preventivo. Primeiro, tem as forças locais de segurança", disse.

Para Rafael Alcadipani, o reforço do Exército é interessante neste momento. "Nessa situação, todo apoio no enfrentamento contra crime organizado é bem vindo", afirmou.

Botelho lembra, contudo, que a segurança do entorno de presídio não é atribuição das Forças Armadas. "O patrulhamento e vigilância dessas áreas são atribuição da Polícia Militar. A título de curiosidade, as Forças Armadas têm suas polícias, mas elas existem para prisioneiros de guerra, o que não se aplica hoje ao Brasil", disse o consultor do Senado.

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