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Coronavírus: padres brasileiros isolados na Itália celebram missas e atendem fiéis online

O padre brasileiro Rafhael Maciel, retratado com o papa Francisco; antes do isolamento, o sacerdote trabalhava em missas no Vaticano - Arquivo Pessoal
O padre brasileiro Rafhael Maciel, retratado com o papa Francisco; antes do isolamento, o sacerdote trabalhava em missas no Vaticano Imagem: Arquivo Pessoal

Thaís Cunha e Braitner Moreira

Da BBC News Brasil, em Milão (Itália)

25/03/2020 08h12

No país com o maior número de mortos pela covid-19 no mundo, brasileiros tentam se adaptar às medidas de segurança sanitária; 50 padres já morreram na Itália.

A Itália é o país com mais mortos com coronavírus no mundo. Desde o início da crise, iniciada no fim de semana do Carnaval, o país contabiliza 6.077 mortos. Destes, 50 são padres.

A quaresma católica (período de quarenta dias entre o Carnaval e a Páscoa) tem sido marcada por uma série de decretos de isolamento, cada vez mais duros. Por esse motivo, muitas vítimas não tiveram direito a funeral nem extrema-unção - uma mudança dramática para o país mais católico do mundo, onde 24,9% da população com mais de 6 anos vai à igreja uma vez por semana. Ou, ao menos, costumava ir.

As igrejas em toda a Itália foram fechadas por um decreto do governo em 11 de março, o mesmo que começou a proibir as aglomerações. O papa Francisco apelou para a criatividade dos padres. Em um de seus pronunciamentos, em 15 de março, ele agradeceu aos que fazem missas nas redes sociais e convocam orações virtuais.

Desde 10 de março, a praça e a Basílica de São Pedro, no Vaticano, estão fechadas aos visitantes. As celebrações religiosas foram suspensas na Lombardia, região mais afetada pelo vírus, em 24 de fevereiro.

Para alguns padres, porém, mesmo durante a maior pandemia do século, é difícil negar a presença física em funerais e em hospitais para extrema-unção, considerado o último sacramento em vida dos católicos.

No ritual, também conhecido como unção dos enfermos, o sacerdote usa óleo na testa ou nas mãos do fiel e faz uma oração para perdoar o paciente dos pecados que tenha cometido em vida. A prática pode ter colocado essas dezenas de padres em risco.

"Eu não julgo quem foi contaminado ao dar extrema-unção", diz à reportagem o padre brasileiro Rafhael Maciel, de 41 anos, que vive em Roma desde 2017.

"Quiseram ir até o fim, dar a vida deles pelo bem da salvação das almas, sendo desobedientes, sabendo que poderiam se contagiar."

Na visão do padre cearense, tem sido difícil para a Igreja Católica convencer outros clérigos, principalmente os mais velhos, a adotarem os meios tecnológicos. Mas com a notícia de tantas mortes, ele vê esse cenário mudar aos poucos.

"Muitos tomaram consciência de que podem fazer isso de outros modos", comenta o sacerdote, que está em casa, respeitando as medidas de isolamento, desde 5 de março.

Rafhael, que celebra missas em casa e as transmite online, faz o apelo para que outros padres - inclusive no Brasil - entendam que é possível continuar trabalhando na Igreja sem tantos riscos. "O sacerdote, rezando em casa, pode conceder indulgência aos fiéis. Não precisa sentir culpa por deixá-los sem a salvação."

O padre paraense Nazareno Carvalho, que mora em Milão, uma das cidades da Itália mais castigadas pelo coronavírus, com 4 mil casos confirmados em um mês, conhece colegas que ainda saem de casa para funerais privados e extrema-unção de doentes.

"Não foi irresponsabilidade dos padres que morreram, foi um martírio. Eles morreram conscientes de terem feito o seu melhor", afirma.

O padre de 38 anos afirma que o risco do contágio pode fazer parte dos sacrifícios aos quais os sacerdotes se submetem quando optam por este caminho: "Nós decidimos nos colocar na vida religiosa e atendemos a esse chamado. Naquele momento, coloquei minha vida e minha disponibilidade a serviço".

Desde o início do surto da covid-19 (doença causada pelo vírus), Nazareno não foi convocado para qualquer extrema-unção ou funeral, mas diz que, se fosse chamado, estaria presente. "Seria melhor que eu evitasse, para o bem do outro. Mas, responsavelmente, tomando todas as medidas de segurança e de proteção de saúde, eu iria."

Coronavírus liga alerta pelo mundo

Atendimentos à distância

Por enquanto, o mais aconselhado - tanto pelo papa quanto pelas autoridades sanitárias - é que as orações sigam em casa, com a participação dos sacerdotes à distância. O coronavírus, claro, é o tema mais frequente destes encontros virtuais. Padre Nazareno conhecia alguns fiéis que morreram e tenta dar conforto aos familiares de forma virtual.

"Uma senhora me ligou porque o marido pegou o vírus e morreu em 13 dias. Ela queria palavras de conforto neste momento. O ideal seria poder dar um abraço e dizer 'estou com você'. É muito difícil não poder fazer isso", diz.

O distanciamento fez com que o padre Rafhael ampliasse sua área de atuação. Ele vive em Roma, mas, passou a enviar vídeos a famílias do Brasil que estão com entes hospitalizados. Parte deles está em Maranguape, cidade onde ele nasceu e cresceu.

"Gravo mensagens de esperança, de proximidade, mesmo que a gente não saiba qual será o fim. Temos de usar os meios de comunicação para estarmos perto das pessoas em um momento tão difícil."

No início, ele sofreu com a mudança de ambiente. "É de partir o coração não poder estar com as pessoas. Mais desolador ainda é ver o sofrimento das famílias que não podem se despedir em um funeral normal de seus parentes e amigos", afirma.

Morte de padres inclui jovens

A atualização do número de padres mortos com coronavírus na Itália é divulgada pelo jornal católico Avvenire, que recebe a informação de dioceses, paróquias, famílias e governos. Boa parte dessas vítimas vivia no norte da Itália. A cidade de Bérgamo, até agora, é a que registra mais padres mortos pela doença: 15, ao todo.

A vítima mais jovem, Sandro Brignone, tinha 45 anos e vivia no sul do país - em Salerno, na região da Campânia. A maior parte das vítimas estava na faixa dos 70 e 80 anos. O mais velho tinha 104. Além dos mortos, há sacerdotes internados e em terapia intensiva - embora este número não tenha sido divulgado.

O jornal católico escreveu, em um editorial, que os sacerdotes se punham na "linha de frente" no atendimento às vítimas à beira da morte, aos idosos e às famílias.

Assim como as milhares de outras vítimas do coronavírus na Itália, os sacerdotes não tiveram direito a funeral. Em vez da despedida junto à comunidade que atendiam, os padres que perderam a vida diante da pandemia têm sido homenageados pela agência de comunicação oficial do Vaticano.