Coronavírus: estudo britânico questiona 'relação custo-benefício' do fechamento de escolas
O fechamento de escolas para tentar conter o avanço da pandemia de coronavírus foi adotado em 188 países e afeta 91% dos estudantes do mundo, segundo levantamento da Unesco, braço da ONU para educação, ciência e cultura. Mas cientistas têm feito cada vez mais questionamentos sobre a eficácia dessa medida.
Segundo um estudo recente de pesquisadores da Universidade College de Londres, deixar os estudantes em casa tem um impacto pequeno no espalhamento da doença covid-19. Cientistas que assessoram o governo britânico, no entanto, afirmam que a medida desempenha, sim, um papel importante de contenção.
Se por um lado as crianças não desenvolvem sintomas graves quando contraem o vírus, por outro elas ainda podem transmitir a doença para outras pessoas. Em geral, estima-se que alguém com o Sars-CoV-2 no corpo o transmite para até três pessoas.
Além disso, adultos que trabalham nas escolas podem infectar uns aos outros, além de expor a todos (pais, alunos e outros profissionais) ao vírus. Jovens também podem espalhar a doença.
O que diz o novo estudo?
A pesquisa, publicada no portal The Lancet Child and Adolescent Health, analisa 16 outros estudos, baseados em três epidemias distintas: a do novo coronavírus (causador da covid-19), a gripe sazonal e a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), que atingiu a Ásia no início dos anos 2000 com outro tipo de coronavírus.
Os cientistas concluíram que:
- Os dados apontam que o fechamento de escolas contribui para conter a disseminação da gripe sazonal, mas o mesmo não se aplica ao coronavírus;
- Dados da Sars na China, em Hong Kong e em Singapura sugerem que essa medida não contribuiu ao controle daquela epidemia;
- Modelos matemáticos recentes sobre a covid-19 projetam que o fechamento de escolas, isoladamente, evitaria algo entre 2% e 4% de todas as mortes, muito menos que outras intervenções de distanciamento social.
Quão confiáveis são essas conclusões?
Um dos autores do estudo da Universidade College de Londres, Russell Viner, afirmou serem "limitados" os dados relacionados aos benefícios obtidos com o fechamento de escolas, mas o pouco disponível já mostra que o impacto na saúde pública é pequeno.
"Além disso, os custos para o fechamento das instituições em ensino em todo um país são altos, a educação das crianças e a saúde mental delas são abaladas, assim como as finanças familiares."
Para Viner, as autoridades devem ficar cientes dessas evidências ambíguas, e avaliar a reabertura das escolas assim que for possível. E não necessariamente esperar até setembro, como prevê o governo britânico, se for possível fazê-lo antes com segurança.
Não há consenso sobre o tema.
Neil Ferguson, especialista do Imperial College de Londres que trabalhou nos modelos matemáticos que embasaram a estratégia do governo britânico, afirmou que o estudo da Universidade College de Londres falha na avaliação do benefício associado do fechamento de escolas com medidas de distanciamento social.
"Quando essa medida é combinada com distanciamento social intenso, ela desempenha um papel importante em garantir interações apenas entre pessoas que moram juntas e ajudando assim a conter a transmissão do vírus."
O distanciamento social busca o achatamento da curva de contágio, ou seja, haver menos pessoas doentes ao mesmo tempo para evitar a sobrecarga do sistema de saúde.
Qual é a política adotada no Brasil?
Ao longo da pandemia, que começou em dezembro na China, todos os Estados brasileiros passaram a adotar o fechamento das escolas e universidades públicas. Instituições particulares de ensino seguiram na mesma toada.
Segundo a Unesco, cerca de 53 milhões de estudantes brasileiros foram afetados pela estratégia, da educação infantil ao ensino superior.
"A Unesco está apoiando os países em seus esforços para mitigar o impacto imediato no fechamento das escolas, mais especificamente para as comunidades mais vulneráveis, e para facilitar a continuidade da educação à distância."
Em pronunciamento no dia 24 de março, o presidente Jair Bolsonaro criticou o fechamento de escolas e disse que são raros os casos fatais de pessoas sãs com menos de 40 anos de idade contaminadas por coronavírus.
"O sustento das famílias deve ser preservado. Devemos, sim, voltar a normalidade. (Os governadores) devem abandonar conceito de terra arrasada. Confinamento em massa", disse o mandatário, naquela ocasião.
Para atenuar o impacto dessa medida na disponibilidade de profissionais de saúde, por exemplo, o governo britânico elencou quais trabalhadores teriam direito de enviar seus filhos para escolas selecionadas, entre eles médicos, paramédicos e enfermeiros.
É factível reabrir as escolas?
As medidas emergenciais adotadas pelos países para combater o coronavírus, incluindo o fechamento de escolas, funcionam de maneira conjunta.
Ainda que algumas tenham mais impacto que outras, não parece fazer sentido abrir mão de uma delas isoladamente.
Por exemplo, mesmo que as escolas sejam reabertas, dificilmente seriam revogadas as medidas de distanciamento social vigentes no Reino Unido e em alguns Estados brasileiros, por exemplo, que os especialistas dizem serem bastante eficazes.
Assim, uma eventual volta das crianças às escolas não afetaria as recomendações (ou determinações em alguns países, como Itália) de só sair de casa para coisas essenciais e de as pessoas manterem uma distância de ao menos 2 metros umas das outras.
É preciso também avaliar o que fazer com os profissionais da educação que integram grupos de riscos da doença, como pessoas com diabetes ou doenças cardíacas.
Para Viner, da Universidade College de Londres, o retorno às aulas poderia ser gradual, com vetos a intervalos ou classes menores com cargas horárias reduzidas.
"Há um leque enorme de possibilidades para escolas reabrirem de modo que se respeite o distanciamento social", afirmou, como um primeiro passo em direção ao fim das quarentenas.
Samantha Brooks, pesquisadora do King's College de Londres e membro do Instituto Nacional de Pesquisa em Saúde do Reino Unido, comentou o estudo produzido por Viner e outros especialistas da Universidade College de Londres.
Para ela, é muito importante a descoberta de que o maior impacto possível do fechamento das escolas é bastante limitado, o que pode levar à abertura gradual.
Para Robert Dingwall, professor de sociologia da Universidade Trent de Nottingham, o estudo "confirma o que muitos de nós suspeitávamos", ou seja, "os benefícios de saúde pública no fechamento das escolas são desproporcionais aos custos socioeconômicos impostos a crianças e suas famílias".
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