A poucos meses das eleições, Trump amplia envio de forças federais a cidades para restaurar 'ordem'
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, decidiu ampliar o uso de forças federais de segurança em cidades americanas com o objetivo de combater o aumento da criminalidade. Mas a ofensiva, adotada em localidades governadas por adversários políticos do mandatário, tem sido fortemente criticada e chamada de "ilegal".
Segundo Trump, serão enviados agentes de segurança para Chicago, Kansas City e Albuquerque. As três cidades enfrentam um aumento da violência em meio à pandemia de coronavírus e a desemprego maciço.
O envio de forças federais, entretanto, é uma medida polêmica. As autoridades de Portland, no estado de Oregon, acusaram forças federais de abusarem da força na repressão a protestos e de aumentarem a tensão na cidade.
De acordo com analistas, Trump transformou a política de "restauração da ordem" em uma de suas principais estratégias para recuperar popularidade — a poucos meses das eleições presidenciais.
Ele também associa o aumento da violência aos protestos antirracistas que tomaram conta de várias cidades do país desde o final de maio. Para adversários políticos, a estratégia é eleitoreira, ditatorial e ilegal.
Portland tem sido um dos principais palcos da onda de protestos antirracistas desde o assassinato de George Floyd, um homem negro desarmado que morreu sufocado durante um abordagem policial filmada, no estado de Minnesota, em 25 de maio.
A cidade tem visto protestos todas as noites há mais de 50 dias, e parte acaba em violência. Agora, com a presença de agentes federais, os confrontos e as prisões consideradas arbitrárias têm aumentado.
Essas integrantes de órgãos de segurança fazem parte de uma força-tarefa criada em junho por ordem do presidente Trump para proteger monumentos históricos, memorias, estátuas e edifícios federais. Uma das ações de movimentos antirracistas tem sido derrubar monumentos que homenageiam figuras históricas ligadas à escravidão.
A ofensiva de Trump ganhou força na quarta-feira (22) com o anúncio da Operação Legend. Batizada assim em homenagem a um garoto de quatro anos, LeGend Taliferro, que morreu atingido por um tiro enquanto dormia com sua família em casa, em Kansas City, no estado do Missouri, em junho.
A mãe do garoto participou do lançamento da operação feito por Trump.
A popularidade de Trump está em queda em meio à pandemia de coronavírus, ao declínio econômico e à onda de protestos — parte deles acaba em depredação ou confronto com forças de segurança.
"Essa escalada de violência choca a consciência de nossa nação", disse o presidente americano, que acusa os democratas de fraquejar no combate ao crime.
"Nas últimas semanas há um movimento radical para defender, desmantelar e dissolver nossos departamentos de polícia", disse ele.
Ele culpou esse movimento pela "chocante explosão de tiroteios, assassinatos e outros crimes violentos hediondos". E acrescentou: "Esse derramamento de sangue vai acabar".
A operação vai utilizar agentes de órgãos ligados ao Departamento de Justiça do país, como o FBI e o Marshals Service, em apoio a forças de segurança locais.
Acirramento do debate sobre polícia
Uma das principais pautas a emergirem junto à onda global de protestos antirracismo desencadeada após a morte de George Floyd é o "defund the police" — ou "cortem recursos da polícia" em tradução livre.
Os defensores da ideia dizem que forças policiais e prisões recebem financiamento desproporcionalmente alto de governos, em detrimento de outros serviços essenciais que poderiam reduzir índices de criminalidade, como educação, moradia, infraestrutura e programas ligados à juventude.
Hoje, os EUA investem aproximadamente 2% de seu PIB em policiamento, enquanto a metade deste valor é aplicada em programas de assistência social. O Brasil, a título de comparação, investe em torno de 1,4% do PIB nas polícias — um valor considerado insuficiente na visão de especialistas.
O procurador-geral dos Estados Unidos, William Barr, secretário do Departamento de Justiça americano, afirmou que serão enviados quase 200 agentes federais para Kansas City. Um montante "equivalente" deve ser enviado para Chicago e outros 35 integrantes das forças de segurança serão deslocados para a cidade de Albuquerque, no Estado do Novo México.
Barr afirmou que esses agentes federais participarão do "combate clássico à criminalidade", diferentemente dos membros do Departamento de Segurança Nacional que foram enviados para "defesa contra protestos e tumultos violentos" na cidade de Portland.
Segundo o secretário de Segurança Nacional, Chad Wolf, os manifestantes são anarquistas e formam uma multidão violenta.
O ponto é que o policiamento nos Estados Unidos é de responsabilidade dos estados, e tanto os governadores quanto autoridades locais discordam do uso de agentes federais.
A governadora do Oregon, Kate Brown, classificou a estratégia de Trump de "flagrante abuso de poder", e o prefeito de Portland, Ted Wheeler, falou em "ataque a nossa democracia".
A prefeita de Chicago, Lori Lighfoot, disse na terça-feira (21): "Nós aceitamos parcerias de verdade, mas não aceitamos ditadura".
Por que a violência tem aumentado nas cidades alvos da ofensiva de Trump?
Em Chicago, ao menos 14 pessoas morreram a tiros do lado de fora de uma casa funerária, em um ataque atribuído a conflito entre gangues. A cidade registra um aumento de 34% dos homicídios em relação ao ano passado, segundo o jornal Chicago Sun-Times.
Um relatório do FBI apontou que a criminalidade em Albuquerque, no Novo México, em 2018 era quase quatro vezes maior do que a média nacional, e as taxas de assassinato e estupro eram mais do que o dobro naquele ano.
Kansas City está próximo de um recorde de assassinatos em 2020, segundo o jornal Kansas City Star. Foram 110 homicídios na cidade e outros 50 na região metropolitana.
Especialistas em segurança pública apontam que a onda de crimes surgiu em meio à pandemia de coronavírus — que levou a um desemprego em massa.
A organização sem fins lucrativos Fórum Executivo de Pesquisa da Polícia disse à emissora ABC News que um fator por trás do fenômeno é que diversas localidades concederam liberdade antecipada a presos para impedir a propagação do covid-19 em penitenciárias.
A polícia de Nova York atribuiu o aumento da violência à lei de reforma da fiança, que exige que juízes libertem réus que aguardam julgamento por crimes graves.
Para o chefe da polícia nova-iorquina, Terence Monahan, a hostilidade em relação aos policiais nos últimos meses encorajou algumas pessoas a acreditarem "que os policiais não podem mais fazer nada".
Há também a hipótese de que algumas autoridades policiais estejam dando um passo atrás ante a retórica antipolícia.
De acordo com a emissora CBS News, membros do sindicato da polícia de Chicago recentemente instaram os policiais em uma mensagem de texto a não se voluntariarem para horas extras e restringirem prisões.
Combate ao crime ou medida eleitoreira?
Análise da correspondente Tara McKelvey, da BBC, em Kansas City
Muitas pessoas em Kansas City afirmam que o plano do presidente não é o que a cidade precisa. A região é de maioria democrata, e muitos se opõem às políticas do presidente e rejeitam sua agressiva estratégia de lei e ordem.
Tradicionalmente, programas de combate ao crime são populares em períodos eleitorais, e críticos do presidente afirmam que a ofensiva com agentes federais mira agradar os apoiadores conservadores de Trump em zonas rurais.
Para adversários do presidente, a iniciativa do mandatário não serve para combater a criminalidade urbana, mas apenas tentar atrair apoio da base de eleitores republicanos para a eleição em novembro.
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