Topo

Esse conteúdo é antigo

Por que envenenamento de opositor russo é teste de fogo para o Ocidente

Alexei Navalny foi levado para Berlim para tratamento em agosto, depois de adoecer - Tatyana Makeyeva/Reuters
Alexei Navalny foi levado para Berlim para tratamento em agosto, depois de adoecer Imagem: Tatyana Makeyeva/Reuters

Frank Gardner

02/09/2020 19h59

O anúncio do governo alemão feito na quarta-feira (02/09) de que Alexei Navalny, líder da oposição russa, foi envenenado por uma sofisticada substância conhecida como Novichok, torna o caso ainda mais sério do que já era.

Mais importante ainda, ele aumenta as suspeitas de que, apesar de negar, o Estado russo esteja por trás do envenenamento.

Navalny sentiu-se mal durante um voo e o avião fez um pouso de emergência em Omsk, na Rússia. Ele ganhou fama ao expor a corrupção, rotulando o Rússia Unida, de Vladimir Putin, como "o partido dos vigaristas e ladrões", e cumpriu várias penas de prisão.

Em 2011, ele foi detido e encarcerado por 15 dias após protestos contra suposta fraude eleitoral em favor do Rússia Unida nas eleições parlamentares.

O veneno Novichok — que significa "recém-chegado" em russo — se aplica a um grupo de agentes químicos produzidos sinteticamente, desenvolvidos originalmente pela União Soviética em um laboratório no Uzbequistão antes da desintegração do bloco socialista em 1991.

Agências de inteligência ocidentais acreditam que Novichok foi transformado em uma arma mortal difícil de detectar. Ele teria sido usado por agentes da GRU, inteligência militar russa — o veneno teria até sido colocado em maçanetas das portas.

O Novichok pode ser implantado nas formas líquida e sólida.

Acredita-se que dois desses agentes envenenaram o desertor russo Sergei Skripal e sua filha em Salisbury, em 2018, usando Novichok. Uma residente local de Wiltshire, na Inglaterra, posteriormente morreu após manusear o conteúdo do frasco de perfume que foi usado para esconder o veneno.

Os governos ocidentais reagiram a essa tentativa fracassada de assassinato em solo britânico. Em um movimento coordenado, 20 países expulsaram mais de uma centena de diplomatas e espiões russos, desferindo um grande golpe nas redes de coleta de inteligência de Moscou no Ocidente.

Atendentes médicos na Alemanha posicionam em uma ambulância maca usada para transportar Alexei Navalny - John MacDougall/AFP - John MacDougall/AFP
Atendentes médicos na Alemanha posicionam em uma ambulância maca usada para transportar Alexei Navalny
Imagem: John MacDougall/AFP

Até mesmo agentes secretos escondidos dentro da Grã-Bretanha, que Moscou acreditava estar operando sem serem detectados pelo MI5, o serviço britânico de inteligência, foram obrigados a sair.

Tudo isso contrastava com a leve resposta do governo do Reino Unido — desde então criticado — ao envenenamento do ex-oficial da KGB e desertor Alexander Litvinenko, em 2006. Após a morte desse ex-coronel russo por envenenamento por polônio radioativo em um hospital de Londres, uma investigação se arrastou por anos enquanto os dois suspeitos permaneceram soltos na Rússia.

Os críticos acreditam que a falta de uma resposta enérgica por parte do Ocidente encorajou o Kremlin a ir atrás, no exterior, de alvos considerados traidores do Estado russo.

Hoje, Alexei Navalny tem muitos inimigos. Como um vigoroso ativista contra a corrupção, ele acumulou milhões de jovens seguidores, mas também irritou pessoas cujas atividades foram expostas em vídeos. Há muitas pessoas, tanto no governo quanto nos círculos empresariais, que gostariam de vê-lo removido da esfera pública.

O veneno Novichok, ao contrário das toxinas naturais ou que podem ser refinadas a partir de produtos naturais encontrados no campo, não é algo preparado por amadores. Ele é uma arma química de nível militar, o que gera suspeitas de participação do governo russo.

Embora Navalny pareça ter sido envenenado em solo russo, a chanceler alemã, Angela Merkel, disse que "agora há questões muito sérias que apenas o governo russo pode e deve responder".

O secretário das Relações Exteriores do Reino Unido, Dominic Raab, fez eco a esse comentário, dizendo que o governo russo tinha um caso claro para responder sobre o que aconteceu com Navalny.

Ele afirmou que a Grã-Bretanha agora trabalhará em estreita colaboração com a Alemanha e outros aliados para mostrar que há consequências para o uso de armas químicas proibidas. Em Washington, o Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca emitiu um comunicado dizendo que trabalharia com os aliados para responsabilizar os russos.

O ex-oficial do Exército britânico e especialista em armas químicas, Hamish de Bretton-Gordon, vem alertando há anos que o uso desenfreado de armas químicas contra rebeldes e civis em áreas povoadas pelo regime de Bashar al-Assad na Síria é um sinal perigoso.

A forma como os governos agora reagem a este último uso do Novichok contra uma figura política pública será influenciada em parte pelas descobertas do órgão de vigilância química global, a Organização para a Prevenção de Armas Químicas, a OPAQ.

O presidente do Comitê de Defesa do Parlamento britânico, Tobias Ellwood, tuitou: "Rússia / Novichok — de novo. Um teste para o Ocidente sobre como respondemos coletivamente".