'Não queremos o presidente de joelhos', diz Kátia Abreu após pressão do Senado pela saída de Ernesto Araújo
Pivô do atrito mais recente do ministro das Relações Exteriores com o Senado, a senadora Kátia Abreu (PP-TO) chamou Ernesto Araújo de "dissimulado" e disse que, em reunião no início do mês, ele "concordou com tudo" o que ela disse a respeito das relações com a China e do acesso de empresas chinesas ao leilão da tecnologia 5G no país.
Em entrevista à BBC News Brasil nesta terça-feira (29/3), Abreu, que é presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, negou a versão que Araújo deu sobre o encontro que os dois tiveram no dia 4 de março, no Itamaraty, para falar de política externa.
No domingo, após uma semana de desgastes com senadores, o ministro escreveu no Twitter que Kátia Abreu lhe disse, naquela ocasião, que ele seria "o rei do Senado se fizesse um gesto em relação ao 5G". O ministro termina a postagem dizendo que não fez "gesto algum".
A publicação foi vista por senadores como um ataque direto ao Senado e uma tentativa "desesperada" de se manter no cargo, diante da pressão do Congresso Nacional para que fosse demitido.
Diversos parlamentares reagiram, inclusive iniciando a coleta de assinaturas para protocolar um pedido de impeachment de Araújo no Supremo Tribunal Federal (STF). Na semana passada, em sabatina no Senado, Araújo já havia sido alvo de críticas pela falta de vacinas contra a covid-19 no país e de pedidos de senadores para que deixasse o cargo.
À BBC News Brasil, Kátia Abreu deu detalhes sobre a reunião mencionada por Araújo no Twitter. Ela disse que, no encontro, alertou o ministro que vetar a participação de empresas chinesas no fornecimento de tecnologia 5G ao Brasil seria "desastroso" para as exportações brasileiras.
A senadora também afirmou que recomendou que o governo mudasse a narrativa sobre desmatamento da Amazônia para viabilizar a concretização do acordo entre União Europeia e Mercosul. Segundo Abreu, durante a reunião, o ministro "concordou" com tudo o que ela disse.
"Ele dizia: 'perfeito, perfeito. Estamos fechados, precisamos do acordo entre União Europeia e Mercosul, não podemos ter preconceito com a China'. Ele verbalizou várias vezes que concordava", disse.
"Eu ainda saí de lá e falei para um amigo: 'Ou ele é uma pessoa muito dissimulada ou vamos ter o melhor dos relacionamentos'. Então, ele é um dissimulado."
Apesar da pressão do Congresso pela saída do ministro, a senadora diz que os parlamentares não querem ver "o presidente de joelhos".
Na entrevista à BBC News Brasil, Kátia Abreu defendeu a saída de Araújo do cargo, mas disse temer que a substituição não traga mudanças à política externa. "Eu não saberia dizer até que ponto Ernesto Araújo é Ernesto Araújo e até que ponto ele é Bolsonaro na maneira de agir. Prefiro não arriscar e torcer que sejam pessoas diferentes nas suas atitudes e na consciência das suas responsabilidades."
Veja os principais trechos da entrevista:
BBC News Brasil - Senadora o que, na sua opinião, motivou o tuíte do ministro Ernesto Araújo sobre a conversa que ele teve com a senhora?
Kátia Abreu - Olha, eu acho que é uma tentativa desesperada de tentar confundir as pessoas, especialmente o grupo com quem ele convive, de que ele está sendo demitido não por incompetência, mas porque resistiu a um lobby, a um ato não republicano.
Na verdade, ele quis dizer que eu estive lá e que o Senado através de mim está tentando vender o 5G chinês ao país e isso é ridículo. Todos nós sabemos que quando eu estive lá no dia 4 o edital do 5G já tinha sido entregue ao TCU pela agência reguladora no dia 26. Mas ele estava sim tentando influenciar Bolsonaro para fazer um decreto bloqueando o 5G chinês.
Quando o Brasil vendeu venda de terras para estrangeiros ninguém se incomodou, porque foi uma regra geral para o mundo inteiro. Agora, imagina você: está proibida compra de 5G por chinês. Você acha que as consequências não viriam? Você acha que um veto a um país igual à China, com quem temos uma relação comercial fortíssima não teria consequências maiores para o país? Só na cabeça dele imaginar que esse veto não traria consequências desastrosas para o presidente da República do país que ele representa.
BBC News Brasil- Então foi essa a mensagem que a senhora levou ao ministro da reunião?
Abreu - Na verdade foram duas mensagens relacionadas a comércio. Eu tinha tomado posse na Comissão de Relações Exteriores havia apenas dois dias e imaginei que eu estava indo lá para falar de comércio. Ele disse que eu não falei de vacina, mas eu imaginei estava indo ao Itamaraty não ao Ministério da Saúde. E até então também não tinha tido a noção do mal que ele tinha feito no relacionamento mundial e que está dificultando hoje a nossa compra de vacinas. Ele é um dos responsáveis pela dificuldade que estamos tendo hoje na compra de vacinas.
Então, eu alertei o ministro como dever de ofício, senadora que sou do Brasil, eu levei duas grandes preocupações a ele. Uma foi em relação à União Europeia, o acordo União Europeia-Mercosul que vão ampliar nossas exportações enormemente e isso vai ajudar o Brasil a crescer novamente. E que a narrativa do governo, inclusive dele, estava equivocada. Que enquanto o desmatamento estiver aumentando e a narrativa do governo for na direção também do desmatamento, esse acordo jamais sairá do papel.
E o segundo ponto era que eu estava preocupada com nossas exportações. Nossas exportações para a China beiram 35% do que exportamos no agro. Um veto à China poderia prejudicar, e eu disse a ele claramente, poderia ter consequências gravíssimas para as exportações brasileiras àquele país. Mesmo que a China não zerasse as nossas exportações para lá, mas imagine se cortasse 50%? O que aconteceria com a nossa balança comercial e nossa situação econômica que já está gravíssima.
Então, eu supliquei a ele essas duas coisas. Repeti reiteradas vezes: por favor, chanceler, realinhe o discurso com relação ao desmatamento da Amazônia, realinhe o discurso com relação ao preconceito e veto ao 5G ou teremos consequências gravíssimas. O que o Senado espera do senhor é isso. Ele poderia sinalizar que caminharíamos juntos ou não com o Senado. E eu democraticamente ia acatar caso ele não quisesse caminhar na direção do equilíbrio, dialogo, que é não vetar países e não minimizar o desmatamento na Amazônia. Essas são questões universais.
Ele estava com o staff de 12 embaixadores. Esse foi o tom do meu apelo, inclusive Ernesto. Se ele tivesse entendido que eu estava com más-intenções, ele, para evitar prevaricação, deveria ter me denunciado no mesmo dia. Ele esperou 20 dias, teve outra oportunidade no Senado e não teve a coragem de dizer. Esperou para se esconder atrás de um Twitter como fazem as pessoas fracas e incompetentes.
BBC News Brasil - A senhora disse aquela frase, de que ele seria o rei do Senado se não vetasse a China?
Abreu - Eu me lembro que eu disse que o Senado esperava aquela posição. Eu não estava falando só do 5G, mas de acordos comerciais, de exportações e ampliação de mercado.
Então, ele promoveu essa calúnia, que nem muita clareza tem, porque ele não teve coragem de falar com todas as letras, mas deu a entender, como fazem os medíocres e covardes, que eu estaria numa reunião pública fazendo lobby a favor de uma empresa. Eu teria ido ao Ministério das Comunicações e não a esse cidadão que, de forma incompetente, vem falando impropérios sobre a China e para a União Europeia.
BBC News Brasil - Algum integrante do governo Bolsonaro entrou em contato com a senhora para falar desse episódio?
Abreu - Não, ninguém entrou em contato.
BBC News Brasil - Em nota, a senhora diz que o Brasil não pode continuar tendo um marginal como ministro de Relações Exteriores. Se o governo não substituir o ministro, o Congresso Nacional pode ou deve agir de alguma maneira, na sua opinião?
Abreu - Nós não faremos nada para obrigar o presidente a demitir. Ele que escolhe a sua equipe e arcar com as consequências. O Senado não está pedindo a cabeça. Mas da mesma forma que o presidente tem prerrogativa de manter ou não no cargo, temos a prerrogativa de agir de acordo com essa decisão. Nós não chantagearemos, nós faremos o que tem que ser feito.
BBC News Brasil - E o que tem que ser feito?
Abreu - Várias possibilidades. Inclusive não votar. É um direito nosso pautar ou não determinadas matérias. Assim como é um direito dele de exonerar ou não o seu colaborador. Deixamos o presidente à vontade, não queremos o presidente de joelhos, não queremos colocar a faca no peito do presidente, que ele fique à vontade para decidir. E que o Senado Federal também fique à vontade para decidir sobre seus caminhos.
BBC News Brasil - Alguns senadores começaram a coletar assinaturas para pedir a abertura de um processo de impeachment contra Araújo. A senhora apoia essa medida?
Abreu - Essa medida é possível do ponto de vista legal. Assim como tem impeachment de presidente tem de ministro de Estado. Eu acredito que não teremos tempo de ver o impeachment de Ernesto Araújo. Eu acho que temos que apoiar tudo o que é bom ao Brasil. Se essa pessoa está trazendo prejuízo incalculável ao Brasil, eu não descarto a possibilidade.
BBC News Brasil - Muitas das visões e políticas defendidas pelo ministro Ernesto Araújo são compactuadas pelo presidente Bolsonaro. Substituir o ministro ajuda mesmo a resolver os problemas que a senhora ponta na política externa do Brasil?
Abreu - Esse é o ponto mais grave. Eu não saberia dizer até que ponto Ernesto Araújo é Ernesto Araújo e até que ponto ele é Bolsonaro na maneira de agir. Prefiro não arriscar e torcer que sejam pessoas diferentes nas suas atitudes e na consciência das suas responsabilidades. O presidente da República foi eleito com tanto sacrifício, lutou para chegar até aqui. Em que pese eu não ter votado nele, fui candidata a vice na chapa de Ciro Gomes, mas eu respeito as urnas. Ele foi eleito e eu no lugar dele eu faria tudo para não brigar com ninguém.
Minimizar a covid, minimizar as vacinas é um erro gravíssimo, porque não existe crescimento econômico e não vai existir emprego enquanto a pandemia existir. Acabar com a pandemia é para salvar vidas, famílias e matar a fome desses brasileiros. Temos uma responsabilidade enorme e estamos perdendo tempo falando de Ernesto Araújo.
Quem é Ernesto Araújo diante da grandeza dos fatos graves que o Brasil está vivendo? Peço que a gente volte ao assunto das vacinas e que o presidente Bolsonaro decida e arque com as consequências. O poder tem ônus e bônus. Tem as alegrias e tem as coisas difíceis de se fazer. Senão, não pode ser presidente.
BBC News Brasil - Em termos de consequência para o Brasil, tanto na política externa quanto na relação com o Congresso Nacional, o que representaria a permanência do ministro Ernesto Araújo?
Abreu - Você faz uma pergunta interessante e eu tenho refletido sobre essa questão. O Ernesto Araújo não só tem praticado uma diplomacia prejudicial ao Brasil em termos de relacionamento, má-vontade com o Brasil, risco de prejudicar nossas exportações, como ele está fazendo muito mal na diplomacia interna. Ele decide ir para um caminho de agressão às instituições e isso é antidemocrático.
Eu como ministra de Estado não tenho direito de agredir as instituições, não posso agredir o Judiciário, o Legislativo, o Executivo. Quando ele parte para cima do Supremo, do Senado, que bem ele está fazendo à nação do ponto de vista de diplomacia interna? Ele está fazendo bem só para a sua plateia de radicais aplaudirem. É isso que a gente quer do chanceler? Que ele trabalhe para uma claque que vai aplaudir e achar que ele é o máximo, inclusive nas costas do Senado, insinuando que estamos atrás de lobby e 5G chinês.
BBC News Brasil - A relação entre Senado e Presidência pode se abalar mais se ele ficar?
Abreu - Ele é uma pessoa imprevisível. Mesmo porque no dia da minha visita, que durou três horas de conversa, ele concordou com todos os pontos que eu disse. Reiteradas vezes. 'Olha, perfeito, perfeito. Estamos fechados, precisamos do acordo União Europeia/Mercosul, não podemos ter preconceito com a China. Ele verbalizou várias vezes que concordava. E na saída eu disse: ministro, espero a sua sinalização.
BBC News Brasil - Então, ele não chegou a dizer teria uma posta de vetar a participação da China?
Abreu - Não, ele não contestou nada. Eu ainda saí de lá e disse para um amigo: 'Ou ele é uma pessoa muito dissimulada ou vamos ter o melhor dos relacionamentos'. Porque ele não disse nada. Ao contrário, muito sorridente e concordando com o que eu dizia. Então, ele é um dissimulado.
BBC News Brasil - Alguns senadores começaram a ser cotados como possíveis candidatos a ministro de Relações Exteriores, entre eles Nelsinho Trad e Fernando Collor. O que a senhora acha desses nomes?
Abreu - São dois senadores da maior qualidade. Presidente Collor foi presidente da República, tem toda uma imagem de segurança, de amadurecimento, de experiência como governador, como senador. Acho que e um bom nome, assim como Nelsinho Trad. Temos bons nomes não só no Senado, até mesmo na carreira. Temos diplomatas espalhados pelo mundo da maior categoria que poderia fazer bonito caso o presidente Bolsonaro quisesse de fato um chanceler.
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