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Desabamento em Miami: 'Tenho medo de que meu prédio seja o próximo a desmoronar'

Moradores de um prédio a poucos quilômetros de Surfside tiveram que evacuar devido a danos estruturais - Getty Images
Moradores de um prédio a poucos quilômetros de Surfside tiveram que evacuar devido a danos estruturais Imagem: Getty Images

Lioman Lima - @liomanlima

BBC News Mundo

05/07/2021 07h36

Moradores de áreas costeiras de Miami Beach e da Flórida também estão preocupados com desvalorização de imóveis e de necessidade de reformas milionárias.

O recente desabamento de um prédio em Miami, nos Estados Unidos, a poucos quilômetros de sua casa levou Sergio, um espanhol que mora na área turística de South Beach, na popular Miami Beach, a tomar uma decisão radical.

"Decidi vender meu apartamento. Tinha comprado em 2014, mas depois de sete anos morando lá, com isso, para mim, foi o suficiente", conta ele à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.

Como aconteceu com Sergio, a queda parcial do prédio Champlain Towers South, na última semana, se tornou um alerta trágico e um medo recorrente para aqueles que vivem nas áreas costeiras da Flórida.

O desabamento já custou a vida de mais de 20 pessoas e 120 seguem desaparecidas.

"Quando essas coisas acontecem, as pessoas se preocupam muito por dois motivos: primeiro, porque os regulamentos podem mudar e mais controles podem ser exigidos das associações de proprietários que os moradores terão de pagar. Isso se traduz em mais dinheiro por ano, mas também há o medo de que seu prédio seja o próximo a desabar", diz Sergio.

As circunstâncias da queda das Torres Champlain Sul ainda não estão claras.

E embora os engenheiros estruturais entrevistados pela BBC News Mundo concordem que o colapso foi "extremamente raro" e acreditem que o risco de uma situação semelhante seja baixo, denúncias vêm surgindo sobre potenciais problemas estruturais em condomínios à beira-mar.

"Nos últimos dias, vimos inúmeras denúncias deste tipo que terão de ser estudadas", conta à BBC News Mundo Atorod Azizinamini, professor de engenharia civil e diretor da Moss School of Construção, Infraestrutura e Sustentabilidade da Universidade Internacional da Flórida (FIU, na sigla em inglês).

"De certa forma, o fato de haver rachaduras ou outras falhas visíveis não é um problema que determine necessariamente que o prédio desmoronará. Mas depois disso é compreensível o medo de muitas pessoas e as autoridades devem ser pró-ativas para tentar acalmar e evitar eventos semelhantes", diz ele.

Desde a semana passada, a prefeita de Miami-Dade, Daniella Levine Cava, anunciou uma inspeção de emergência dentro de 30 dias para garantir a segurança de todos os edifícios com mais de cinco andares no condado que tenham 40 anos ou mais.

Nesta sexta-feira (2/7), um dos 156 prédios na região de North Miami Beach, a 10 km do desabamento em Surfside, foi o primeiro a ser evacuado depois que problemas estruturais e elétricos foram detectados durante a inspeção que o identificou como "inseguro" para seus moradores.

Incerteza

Os analistas imobiliários ainda não sabem qual será o impacto econômico no sul da Flórida, que vive um boom nas vendas de condomínios desde meados de 2020.

"É impossível saber neste momento qual será o impacto. É muito cedo: toda a atenção está voltada para as vítimas e os esforços de resgate/ recuperação", diz por e-mail à BBC News Mundo a FloridaRealtors, uma das maiores associações imobiliárias do Estado.

No entanto, outros especialistas consultados pela reportagem acreditam que as perspectivas não são muito animadoras para os edifícios mais antigos da cidade.

"Isso terá um efeito de 100% no mercado", diz Ana Bozovic, diretora da consultoria imobiliária Analytics Miami.

"A queda das Torres Gêmeas em Nova York causou um impacto no mercado imobiliário de Manhattan. Esse desabamento foi um acontecimento trágico, mas de menor magnitude. No entanto, também terá um impacto no mercado nessa área", assinala.

Um mercado em ascensão

Peter Zalewski, diretor da Condo Vultures, uma imobiliária especializada em condomínios, explica à BBC News Mundo que esses tipos de edifícios servem tradicionalmente como "segundas residências" para grande parte de seus moradores, ou casas permanentes para aqueles que não podem comprar casas mais caras.

"Algumas pessoas têm apartamentos nesses condomínios à beira-mar porque querem passar o fim de semana ou as férias. Para outras, eles são uma alternativa mais barata do que uma propriedade no sul da Flórida, simplesmente porque os preços dos terrenos são muito caros. Mas, geralmente, não ficam muito tempo por lá", diz ele.

Segundo ele, isso fez com que esses condomínios se tornassem uma das principais fontes de especulação do setor imobiliário.

Nesse sentido, Bozovic lembra que a queda do edifício Surfside ocorreu em um momento de ascensão do mercado de condomínios da Flórida.

"Se olharmos apenas para o condado de Miami-Dade, onde essa tragédia ocorreu, a partir de maio deste ano, a venda de apartamentos de mais de US $ 1 milhão (R$ 5 milhões) aumentaram mais de 322% em relação ao mesmo período de 2020 e 225% ante 2019", afirma.

Dados da Analytics Miami indicam, entretanto, que as vendas de apartamentos de menos de US$ 1 milhão (R$ 5 milhões) aumentaram 92%.

Segundo Bozovic, essa diferença se deve ao fato de que havia maior interesse em Miami por edifícios de luxo, geralmente mais modernos do que aquele que desabou em Surfside.

"Nos últimos tempos, pessoas com muito dinheiro que moravam em outros Estados têm se mudado para Miami, muitos ligados à indústria de tecnologia. Essas pessoas nunca pensaram em morar em prédios mais antigos", afirma.

Assim, na opinião dele, o desabamento não afeta diretamente as vendas de prédios mais caros e luxuosos, embora acredite que o impacto será mais negativo para quem quer vender seus imóveis em prédios mais antigos.

"O que isso fará é diminuir ainda mais as vendas de prédios mais antigos e bifurcar ainda mais o mercado nesse aspecto", diz o analista.

Zalewski lembra que, muito antes da queda, a empresa dele recomendava aos clientes que comprassem apartamentos construídos depois de 2000, quando Miami endureceu seus códigos de construção após o devastador furacão Andrew.

"Agora, acho que esse critério vai ganhar mais peso. Isso vai tornar os prédios antigos mais atraentes para os incorporadores interessados no terreno, mas pode ser um problema para os moradores desses prédios, assim como para as pessoas que querem comprar e não tem dinheiro para pagar por prédios novos e mais caros", argumenta.

Segundo dados da Condo Vultures, estão à venda atualmente mais de 1.650 apartamentos em prédios da ilha de Miami Beach construídos antes de 2000 (quando ocorreu o endurecimento do código de construção da Flórida), com um preço médio por unidade de US$ 589.700 (cerca de R$ 3 milhões).

Outros gastos

Os especialistas consultados pela BBC News Mundo acreditam que uma das consequências do colapso de Surfside será a revisão das normas construtivas em vigor atualmente em Miami.

"É previsível que haja uma mudança. E é algo que estamos apontando há muito tempo. Não acho que se deva esperar 40 anos para determinar o estado de um prédio, quando ele está sofrendo o impacto das tempestades ou do salitre, como acontece nas áreas de praia", diz Azizinamini.

Segundo o acadêmico, quanto mais esperar por uma revisão, maiores serão os problemas que serão encontrados e também mais caro será para resolver.

"Outro elemento é que provavelmente será necessário tomar medidas mais rígidas para garantir que, por nenhuma razão estrutural, um edifício possa desabar", disse ele.

No entanto, possíveis mudanças regulatórias também teriam um impacto econômico para as pessoas que moram nos edifícios.

É que nos Estados Unidos são os proprietários que devem pagar pelos reparos.

Na verdade, reportagens da imprensa após o colapso de Surfside indicam que uma das razões por trás dos atrasos nas reformas sugeridas em várias inspeções ? e que mostraram danos estruturais no prédio ? ocorreu devido a disputas sobre o valor que eles tiveram de pagar.

"Quando são encontrados problemas, os moradores devem pagar pelo conserto. Imagine que seu imóvel valha US$ 300 mil (R$ 1,5 milhão) e que há um problema sério no seu prédio. O custo da reforma pode ficar entre US$ 40 mil (R$ 300 mil) e US$ 80 mil (R$ 600 mil)", exemplifica Bozovic.

"Essa é uma porcentagem enorme do valor da sua propriedade e muitos proprietários são idosos ou não têm esse dinheiro para pagá-la. Aí está o problema. isso também é parte da razão pela qual os reparos estão atrasados e porque esses edifícios acabam com sérios problemas estruturais", afirma.

Zalewski acredita que a atual fiscalização pela cidade de prédios antigos pode colocar centenas ou milhares de pessoas que moram neles em uma situação difícil por causa dos reparos que, muito provavelmente, terão que pagar.

Uma nova visão

Especialistas consultados pela BBC News Mundo apontam que o desabamento do edifício em Surfside também revela outras realidades perturbadoras sobre a vida nesses edifícios.

"Os elementos que têm a ver com as finanças da associação de condomínio e a segurança do prédio são coisas que geralmente não são compartilhadas com os moradores por motivos de confidencialidade", explica Zalewski.

Segundo o analista, mesmo quando um prédio passa pela nova certificação exigida ao completar 40 anos, esse processo depende muito das associações que regem o condomínio, muitas vezes formadas por pessoas que assumem o cargo de forma voluntária e sem preparo.

"Portanto, maior transparência sobre as informações relacionadas à associação e ao prédio seria uma coisa boa. E também é provável que algumas mudanças precisam ser feitas em termos de leis que permitam que potenciais compradores e moradores entendam qual é a real qualidade do prédio", afirma.

Os sobreviventes do Champlain Towers South disseram à imprensa local que, após uma inspeção do prédio em 2018, foram informados de que o edifício estava "em muito bom estado", apesar do relatório indicar grandes danos estruturais.

Azizinamini acredita que esse tipo de informação, somada ao conhecimento da área onde será adquirida, também pode influenciar o futuro dos condomínios no sul da Flórida.

"Muitas pessoas estão pagando milhões de dólares por prédios que estão em lugares que em poucos anos estarão potencialmente sob risco de mudanças climáticas (por conta da elevação do nível do mar). Esse é um fator que muitos não estão levando em conta", diz ele.

Autoridades em Miami Beach e nas áreas costeiras da Flórida estudam há anos um plano para lidar com uma possível elevação do mar em uma região que também afunda a uma taxa de quase três milímetros por ano, de acordo com um estudo da FIU.

Isso também fez com que muitos, como Sergio, acreditem que morar naquela região não seja a melhor aposta para as "economias de uma vida".

"Se tivesse que tomar a decisão (comprar um apartamento) hoje novamente, não seria em South Beach. É um investimento importante e o risco é muito alto", diz Sergio.