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Execuções sumárias e restrições às mulheres: o que diz primeiro relatório da ONU sobre nova era Talibã no Afeganistão

O Talibã recomendou que as mulheres ficassem em casa - Reuters
O Talibã recomendou que as mulheres ficassem em casa Imagem: Reuters

Redação

BBC News Mundo

25/08/2021 12h46

Mais de uma semana depois que o Talibã assumiu o poder, a ONU (Organização das Nações Unidas) segue recebendo relatos de eventos preocupantes acontecendo no Afeganistão.

"Recebemos relatos confiáveis de graves violações do direito internacional humanitário e abusos dos direitos humanos ocorrendo em muitas áreas sob o controle efetivo do Talibã", disse ontem a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a chilena Michelle Bachelet.

Em um relatório lido perante o Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra, Bachelet indicou que seu escritório está ciente de eventos que incluem desde "execuções sumárias" a "restrições aos direitos das mulheres", "recrutamento de crianças-soldado" e "repressão de protestos pacíficos e da expressão de dissidência".

Embora não tenha entrado em detalhes, a comissária observou que as execuções visaram civis e membros fora de combate das forças de segurança afegãs.

As mulheres, por sua vez, tiveram restrição ao direito de se locomover livremente. As meninas foram restringidas em seu direito de frequentarem a escola.

Bachelet disse considerar que o tratamento dado pelo Talibã às mulheres e meninas representa "uma linha vermelha fundamental".

A ex-presidente do Chile também observou que há "sérios temores" para jornalistas, minorias e para "a nova geração de líderes da sociedade civil surgida nos últimos anos".

"As várias minorias étnicas e religiosas do Afeganistão também correm o risco de violência e repressão, levando em consideração os padrões anteriores de violações graves sob o governo do Talibã e relatos de assassinatos e ataques direcionados nos últimos meses", disse ela.

No entanto, o Conselho de Direitos Humanos da ONU rejeitou o pedido de ativistas do Afeganistão e de outros países para criar uma comissão internacional para monitorar e preservar as evidências das ações do Talibã.

O grupo se limitou a aprovar por consenso uma resolução para coletar informações sobre a situação no Afeganistão.

"Com os direitos humanos fundamentais em jogo, meu escritório trabalhará com urgência para restabelecer mecanismos de monitoramento de violações dos direitos humanos", disse Bachelet.

Em uma entrevista coletiva subsequente, o porta-voz do Talibã, Zabihullah Mujahid, negou que suas forças estejam retaliando.

"Esquecemos tudo no passado", disse ele, repetindo a mensagem de uma chamada para "anistia" que anunciou após sua primeira entrevista coletiva na semana passada.

Direitos limitados

No entanto, Mujahid indicou que as mulheres trabalhadoras no Afeganistão não devem sair às ruas até que "sistemas adequados" sejam estabelecidos para "garantir sua segurança", embora tenha especificado que seria um "procedimento muito temporário".

"Até termos segurança total, pedimos às mulheres que fiquem em casa", disse ele.

O Talibã, que impôs uma versão estrita da lei islâmica em que os direitos das mulheres foram massivamente reprimidos quando governaram o Afeganistão antes de 2001, recuperou o controle total do país em 15 de agosto.

Desde seu retorno ao poder após uma ofensiva relâmpago durante a retirada de tropas americanas e estrangeiras, os militantes têm tentado transmitir uma imagem mais moderada, prometendo direitos para mulheres e meninas e liberdade de expressão "de acordo com a lei islâmica".

Grupos de direitos humanos, no entanto, questionam essas afirmações e garantem que se trata apenas de uma campanha de propaganda para obter aceitação internacional.

Nove dias depois, milhares de pessoas ainda se reuniam no aeroporto de Cabul na esperança de fugir do país antes de 31 de agosto.

Esse é o prazo estabelecido pelo presidente dos EUA, Joe Biden, para que as tropas americanas deixem o Afeganistão.

Embora Reino Unido, França e Alemanha tenham solicitado uma prorrogação, Biden disse na terça (24/8) que o prazo foi mantido.

Outros relatórios

O relatório apresentado por Bachelet ontem não é o primeiro da ONU que indica potenciais violações dos direitos humanos pelas forças do Talibã no Afeganistão.

Na semana passada, outro relatório a que BBC teve acesso indicou que as forças islâmicas estavam conduzindo uma "caçada de porta em porta" às pessoas em sua lista de mais procurados, principalmente aqueles que colaboraram com os EUA e com as forças da Otan, a aliança militar ocidental.

O documento confidencial foi produzido pelo Centro Norueguês de Análise Global, que fornece informações de inteligência para as Nações Unidas.

"O Talibã está prendendo e/ou ameaçando matar ou prender familiares das pessoas visadas, a menos que eles se rendam", diz o documento.

De acordo com o texto, os que correm maior risco são os que ocupam cargos em unidades militares, policiais e de investigação.

"O Talibã tem feito um mapeamento avançado de indivíduos antes de assumir o controle de todas as grandes cidades", dizia o texto.

Acrescentou que os militantes estavam cumprindo estas tarefas no momento em que acontecia a evacuação do pessoal estrangeiro do aeroporto de Cabul, mas que a situação continua "caótica".