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Caso das joias pode enquadrar Bolsonaro em crime de corrupção, diz professora da FGV

Michelle e Jair Bolsonaro ironizaram notícias sobre conjunto de joias de diamantes - Reprodução
Michelle e Jair Bolsonaro ironizaram notícias sobre conjunto de joias de diamantes Imagem: Reprodução

Fábio Corrêa

11/03/2023 04h00

A investigação da tentativa de Jair Bolsonaro (PL) de trazer ao Brasil joias no valor de R$ 16,5 milhões, sem pagar impostos à Receita Federal e incorporando-as diretamente ao seu patrimônio pessoal, pode comprovar irregularidades por parte do ex-presidente. As penas podem chegar a prisão — ainda que este cenário pareça improvável.

A professora da FGV Direito SP Eloísa Machado diz que, se comprovado pelas investigações, a prática pode configurar crime de peculato.

Além disso, se os presentes foram uma contrapartida a negócios realizados com o governo da Arábia Saudita - que adquiriu uma refinaria da Petrobras um mês após a viagem da comitiva brasileira -, também é possível vislumbrar o crime de corrupção, segundo ela.

"O que impressiona é a quantidade e a variedade de atos ilícitos que vêm à tona nas investigações, sobretudo agora que não há mais um filtro feito pela PGR em razão da ausência da prerrogativa de foro por função, já que é ex-presidente", afirma Machado. Leia a entrevista:

Como podemos classificar o caso do recebimento dos "presentes" do governo da Arábia Saudita pelo ex-presidente Jair Bolsonaro? Quais as consequências jurídicas e políticas esse caso pode ter para o ex-presidente?

Eloísa Machado: O recebimento de presentes por governos é regulado por diferentes trâmites e critérios. Se de fato era um presente ao Estado brasileiro, não poderia ser incorporado ao patrimônio de uma pessoa que ocupou o governo.

Com a apropriação indevida de um bem do Estado brasileiro, incorre-se em prática que pode ser considerada criminosa. No caso, é possível vislumbrar, ao menos em tese, o crime de peculato.

Na hipótese de não ser um presente para o Estado, mas um tipo de contrapartida pessoal a facilitação de negócios realizados, pode-se vislumbrar a prática de outros crimes, como corrupção. Uma investigação é capaz de oferecer os contornos fáticos necessários ao correto enquadramento jurídico.

O quão graves são esses indícios e o que eles mostram sobre a confusão entre "privado" e "público" durante a administração Bolsonaro - já que o ex-presidente tentou levar para o próprio acervo objetos que valem milhões, numa tentativa de não se submeter à legislação?

Há indícios de que os trâmites foram desconsiderados e de que houve uma atuação de servidores da Presidência da República e de ministérios para burlar exigências normativas, indícios estes suficientes para que uma investigação seja feita e aprofundada.

Outros inquéritos em andamento contra Jair Bolsonaro também tratam de condutas pouco republicanas, seja no âmbito eleitoral com o uso da máquina pública em proveito de sua candidatura, seja na Justiça comum.

Além de Bolsonaro, há como envolvidos um ex-ministro, um oficial militar, o ex-chefe da Receita Federal, além de Michelle Bolsonaro. O que pode acontecer com esses indivíduos?

A investigação será capaz de atribuir a participação de cada um em eventual prática delitiva, eventualmente apontando concurso de pessoas para uma mesma prática delitiva.

Bolsonaro também vem sendo investigado em outros inquéritos. Como a senhora avalia a situação jurídica do presidente com todos esses casos? O caso das joias pode ser a 'cereja do bolo' para a culpabilização do presidente? Ou os inquéritos são distintos o bastante para não se confundirem?

Há uma série de inquéritos e ações eleitorais que buscam a responsabilização de Jair Bolsonaro. Como ex-presidente, ele não goza de nenhuma imunidade constitucional.

Pelas informações divulgadas até o momento, não há confusão ou sobreposição de investigações, sendo apurados fatos distintos em cada um deles.

O que impressiona é a quantidade e a variedade de atos ilícitos que vêm à tona nas investigações, sobretudo agora que não há mais um filtro feito pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em razão da ausência da prerrogativa de foro por função, já que é ex-presidente.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, se notabilizou por arquivamentos de possíveis crimes cometidos por Bolsonaro e sua família durante os anos de governo do ex-presidente. Além disso, Bolsonaro teria feito o uso de instituições, como a Polícia Federal, indicando pessoas de seu círculo pessoal, em cargos de chefia, para se livrar de eventuais inquéritos. O quanto essas instituições sofreram durante o governo anterior? Podemos dizer que, com a saída do presidente, elas estão novamente 'livres' para investigá-lo, ou há algum tipo direcionamento político ainda, seja tanto favorável ou contrário a Jair Bolsonaro?

Parece-me mais adequado falar em sofrimento de povos indígenas e de outros grupos vulneráveis que foram deliberadamente atacados no governo Bolsonaro, em ações que ficaram impunes porque as instituições de investigação e responsabilização não foram capazes de agir.

Há um diagnóstico que mostra a retração da PGR enquanto instância de controle dos atos de Jair Bolsonaro, enquanto presidente da República.

Com a mudança de governo, é hora de promover reformas nas instituições que se mostraram falhas na contenção dos abusos excessos do Executivo, como diminuir a concentração de poderes no PGR e no Advocacia-Geral da União (AGU).