Sob ordens de Bush, ONG afirma que EUA torturaram opositores de Gaddafi

María Peña

Em Washington

  • REUTERS/Ismail Zetouny

    O ditador líbio Muammar Gaddafi, em 2009

    O ditador líbio Muammar Gaddafi, em 2009

Os Estados Unidos torturaram durante o mandato de George W. Bush opositores do ditador líbio, Muammar Gaddafi, e os transferiu para sua custódia, denunciou um relatório divulgado nesta quarta-feira (5) pela organização humanitária Human Rights Watch (HRW).

O relatório de 154 páginas, intitulado "Entregues às mãos inimigas: como os EUA lideraram o abuso e a entrega de opositores à Líbia de Gaddafi", descreve o ocorrido com 14 opositores de Gaddafi justo quando este iniciava uma etapa de "aproximação" com as autoridades dos EUA e do Reino Unido.

"Há muito que desconhecemos do que aconteceu nas prisões clandestinas da CIA, e este relatório revela que muitos dos abusos cometidos foram além do que os EUA tinham autorizado", disse à Agência Efe Laura Pitter, assessora de assuntos antiterroristas da HRW e autora do relatório.

"Embora a tortura destes opositores tenha ocorrido durante o mandato de Bush, o assunto pode fazer parte do legado do presidente Barack Obama se sua Administração não investigar os abusos e erros cometidos", advertiu a especialista em entrevista telefônica.

O relatório foi elaborado com base em entrevistas que Pitter realizou com 14 opositores de Gaddafi agora em liberdade e documentos encontrados por acaso no dia 3 de setembro de 2011 - alguns nunca antes publicados - nos escritórios do ex-chefe de inteligência líbio, Mussa Kussa, quando os insurgentes dominaram a capital Trípoli.

Pouco depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, os EUA, com a ajuda de outros governos, detiveram e mantiveram sob sua custódia, sem acusações formais, vários membros do Grupo de Combate Islâmico Líbio (LIFG, em inglês) no exterior e depois os entregou ao governo de Gaddafi.

Dos 14 detidos, dez foram entregues no primeiro ano desta "aproximação" de Gaddafi com o Ocidente, segundo Pitter.

Os documentos incluem uma troca de comunicações sobre os detidos entre os serviços de inteligência de EUA, Reino Unido e Líbia, e estabelecem que vários pertenciam ao LIFG, que durante 20 anos tentou derrubar Gaddafi.

O LIFG esteve na mira da CIA desde os atentados de setembro de 2001, em parte porque Gaddafi havia argumentado que o grupo tinha vínculos com a Al Qaeda.

Muitos membros do LIFG se somaram em 2011 às forças rebeldes contra Gaddafi, apoiadas pela Otan, e alguns dos supostos torturados e entregues à Líbia agora ostentam "cargos de liderança" nesse país, indicou a HRW.

Cinco dos ex-membros do LIFG denunciaram que foram submetidos a "graves abusos", incluindo o uso de "asfixia simulada", em duas prisões dos EUA no Afeganistão, provavelmente operadas pela CIA.

Os agora ex-prisioneiros também relataram que foram acorrentados a paredes, algumas vezes nus ou apenas com fraldas, em celas completamente escuras e sem janelas durante "semanas ou meses"; ou golpeados e jogados com força contra a parede, e submetidos a uma clausura durante quase cinco meses sem poder tomar banho.


Além disso, foram obrigados a manter-se em posições muito dolorosas durante longos períodos, em condições de aglomeração e privados do sono mediante o uso de "música ocidental de alto volume".

Khalid al-Sharif, detido em uma das duas prisões supostamente operadas pela CIA no Afeganistão, afirmou que foi submetido a interrogatórios durante três meses, "a cada dia com um tipo de tortura diferente".

Sharif é agora titular da Guarda Nacional Líbia e encarregado da segurança em prisões que abrigam detidos de "alto valor" para o governo líbio, informou a HRW.

Estas denúncias não tinham sido propriamente documentadas antes porque a maioria dos que foram devolvidos à Líbia permaneceram na prisão ali até 2011, quando foram postos em liberdade por causa do conflito civil.

A HRW se queixou que os EUA "não tiveram a vontade de divulgar os detalhes das instalações secretas da CIA" e que "apesar das arrasadoras provas dos numerosos e sistemáticos abusos dos detidos, os EUA ainda não exigiram contas de nenhum funcionário de alta categoria e só militares de baixa categoria foram castigados".

"A falta de prestação de contas provavelmente não significa muito aqui, mas é algo muito importante e com profundas repercussões no mundo árabe, de onde provinha a maioria dos detidos. Se não for feito algo para investigar e exigir contas dos responsáveis, isso mina a credibilidade dos EUA em matéria de direitos humanos", enfatizou Pitter.

"A tendência é não remexer, não olhar para trás, mas acho que em algum momento os EUA terão que fazê-lo, terão que exigir contas porque este assunto não vai desaparecer", concluiu.

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