Terreiro disputa na Justiça acervo de Lélia Gonzalez que pode ir para FGV
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O acervo da ativista e filósofa mineira Lélia Gonzalez (1935-1994) está sob disputa judicial. Seus sobrinhos, Rubens Luiz Rufino e Eliane de Almeida, pediram à Justiça a sua apropriação, em janeiro de 2022, com o objetivo de entregá-lo à FGV (Fundação Getúlio Vargas).
O material da intelectual, no entanto, está há quase três décadas sob os cuidados do Ilê da Oxum Apará, comunidade religiosa de matriz africana, que em fevereiro deste ano respondeu ao processo com o intuito de evitar que o acervo seja removido do local de matriz africana, localizado em Itaguaí, região metropolitana do Rio de Janeiro.
O conjunto de materiais em disputa inclui itens deixados por Lélia como fotografias 3x4 em anos diferentes, imagens de viagens nacionais e internacionais, de manifestações, bem como revistas, jornais, livros e diários pessoais. Esculturas, uma escrivaninha, uma máquina de datilografia e coleções de vinis também completam o material, que, de forma geral, tem sido usado para pesquisas acadêmicas, biografias e de referência aos movimentos negros.
O que mudou em três décadas
Pouco depois da morte de Lélia, o acervo foi doado por sua sobrinha Eliane de Almeida ao terreiro Ilê da Oxum Apará, seguindo o desejo de Lélia manifestado em vida. A intelectual era próxima do terreiro, fundado em 1972 pelo babalorixá Jair de Ogum, com suporte da própria filósofa.
À reportagem, Eliane, que fez a doação, disse que ela não tinha o direito de doar o material ao terreiro na época. "Ela [Lélia] tem família. Então eu estou errada, entendeu?", pontuou.
O advogado Hédio Silva Júnior, que representa o terreiro na ação, argumenta que o terreiro já tem direito ao acervo uma vez que o direito de herança prescreveu em 2014. Para ele, o intuito do processo, depois de tantos anos, é financeiro, já que Lélia passou a ser reconhecida nacionalmente.
"Descobrimos que o Rubens [sobrinho], antes de ingressar com ação, teve a preocupação de registrar no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), a marca Lélia González", argumenta.
Procurado pelo UOL, Rubens respondeu em poucas palavras: "Quero de volta o que é da família, o que é meu, só isso".
Perguntados, todos os envolvidos na disputa disseram não terem feito um levantamento financeiro sobre as dezenas de itens, mas a estimativa do advogado do terreiro é que seja de "alguns milhões".
Preservação
Eliane de Almeida diz que o intuito da família é pela preservação do acervo. Segundo ela, a FGV possui estrutura de digitalização dos materiais e museólogos especializados.
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Quero receberEm documento da ação obtido pela reportagem, assinado por Celso Castro, diretor da FGV, a instituição reforça que na última década se atenta para adquirir arquivos de mulheres com comprovada atuação no cenário político e cultural do país. No documento, existe a promessa de que, se a entidade estiver em posse do acervo, os itens serão higienizados, preservados, digitalizados e abertos para consulta pública.
O terreiro, por sua vez, alega que a preservação tem sido feita ao longo de todos estes anos, e sem auxílio do poder público. Além disso, diversas atividades e uso público do acervo são permitidos.
Há também uma exposição permanente do material no Ilê, que já recebeu alunos de escolas públicas, professores da educação básica, pesquisadores universitários, além de outras casas de candomblé. Um levantamento do espaço indica que, desde 2020, pelo menos 40 mil pessoas acessaram os materiais de Lélia.
"No documento de doação fica registrado o descaso das instituições do Estado com o material. E isso é que leva à construção do memorial dentro do terreiro", ressalta Silvana Santana, mestra em história da África e ekedi (cargo feminino no candomblé), e também uma das pessoas mais próximas do acervo hoje.
Desde 2021, o terreiro também realiza exposições itinerantes do acervo em casas de cultura, universidades e escolas. Em 2023, ele expôs parte do acervo na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em Nova Iguaçu, em uma mostra que contou com o apoio da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro.
"Agora, a FGV, que nunca nos procurou antes, se coloca no processo deslegitimando os 30 anos de trabalho realizado", critica Silvana Santana. A FGV foi procurada pela reportagem, mas preferiu não se manifestar sobre as críticas.
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