Fronteira do Brasil com o Uruguai implementa toque de recolher
A partir de hoje, todos os comércios que não forem essenciais na cidade gaúcha de Sant'Ana do Livramento vão permanecer fechados. Será o primeiro de 15 dias de uma fase de restrições que começou na noite anterior com um toque de recolher entre as 22 horas e as 5 da manhã. A cidade amanheceu no novo ritmo imposto pelo crescente número de contágios do novo coronavírus: nove casos somaram-se, totalizando 81, dos quais 44 estão ativos.
Por enquanto, o novo surto fez vítimas com sintomas leves, permitindo alívio à cidade. Dos 25 leitos de UTI, restam apenas 10 disponíveis, um número que faz acender o alarme em Sant'Ana do Livramento.
A cidade brasileira levantou a bandeira vermelha (alto risco de contágio) no sábado, a partir de determinação do governador Eduardo Leite que administra o sistema de distanciamento controlado do governo gaúcho.
O prefeito Solimar "Ico" Charopen Gonçalves (PDT) discordou da decisão, hesitou em desobedecer, mas decidiu acatar primeiro para discutir depois. Nesta segunda-feira (15), emitiu o decreto de calamidade pública que estabelece normas rígidas de distanciamento social como toque de recolher e o fechamento do comércio não-essencial. Mesmo o comércio essencial terá de trabalhar com um número reduzido de funcionários.
"Durante o fim de semana, ocorreram várias festas noturnas. Em função disso, foi implementado esse toque de recolher. Eu não acho legal porque as pessoas deveriam ter tomado consciência antes de as coisas saírem de controle. É uma situação desconfortável e triste, mas a gente tem de acatar", avaliou à RFI Fernando Ravara (50), brasileiro morador de Sant'Ana do Livramento.
"Estavam fazendo churrasco e reuniões à noite. As pessoas não se conscientizam. Então, o toque de recolher é bom. Acho positiva a medida. Devido ao intenso frio, a quantidade de pessoas nas ruas nesse horário já era menor", considera Laura Cabrera Gariglio, uruguaia moradora de Rivera, para quem o impacto maior para as pessoas será com o fechamento do comércio.
"As pessoas estão mais preocupadas com o comércio fechado do que com o toque de recolher", afirma.
Pressão brasileira sobre o Uruguai
O decreto também implementa barreiras sanitárias nas estradas que chegam ao município que atrai o turismo de compras devido aos "free shops" do lado uruguaio de uma fronteira que consiste em atravessar uma rua. A partir de agora, ônibus e vans com turistas não poderão passar.
"Os comerciantes em Livramento também não acham que seja justo eles fecharem enquanto Rivera continuará aberto porque, dizem, as pessoas irão consumir do lado uruguaio. Tanto o toque de recolher quanto o fechamento de comércios só têm sentido se forem dos dois lados", explica Laura Gariglio à RFI.
O prefeito brasileiro quer que a sua colega uruguaia de Rivera, Alma Galup, também feche o comércio.
"O objetivo é trabalhar de forma conjunta porque o que acontecer em Livramento, vai acontecer em Rivera. Não vamos conseguir controlar o vírus se não for de forma conjunta", advertiu Ico Charopen em entrevista coletiva com a imprensa.
Críticas uruguaias à falta de critério no Brasil
Ao seu lado, a prefeita uruguaia respondeu que esse tipo de decisão dependerá da comissão diplomática bilateral que ainda não foi implementada, embora tenha sido acertada num telefonema do presidente uruguaio, Luís Lacalle Pou, ao presidente Jair Bolsonaro no dia 25 de maio. Segundo, Alma Galup, falta que o Itamaraty dê o aval formal ao funcionamento da comissão binacional que espera há três semanas.
"Evidentemente, faltou unidade de critérios para enfrentar a pandemia. Isso dificultou enormemente tomar medidas que evitassem o que está acontecendo. Não há uma unidade de critérios e há dificuldades quanto a uma visão comum sobre a pandemia por parte do primeiro nível de governo (presidente), segundo nível de governo (governador) e terceiro nível de governo (prefeito)", criticou, diplomaticamente, a prefeita Alma Galup, em relação à resposta do Brasil, único país na região em que o governo federal não assumiu o combate centralizado ao vírus.
O prefeito Solimar contesta a inclusão de Sant'Ana de Livramento no grupo de cidades gaúchas que passaram à bandeira vermelha. Na noite desta segunda feira, os 13 prefeitos da denominada Associação dos Municípios da Fronteira-Oeste (AMFRO) reuniram-se por vídeoconferência com o governador Eduardo Leite para pedir-lhe uma bandeira amarela ou laranja que permita abrir o comércio. Ameaçam descumprir as restrições da bandeira vermelha.
O governador ficou de dar uma resposta em até 48 horas. Horas antes, o procurador-geral do Rio Grande do Sul, Eduardo Cunha da Costa, advertira que buscaria a responsabilização dos prefeitos por crime de descumprimento de medida sanitária determinada pelo Estado para impedir a propagação de doença contagiosa. Os prefeitos recuaram.
Ajuda uruguaia
Em Sant'Ana do Livramento, começou a testagem de coronavírus de forma aleatória na população. A prefeitura recebeu 800 testes de PCR doados pelo Uruguai, preocupado com a possibilidade de o surto atravessar a rua. Os testes PCR produzidos pelo Instituto Pasteur de Montevidéu são superiores aos rápidos testes serológicos com os que Livramento vinha aplicando até agora.
Os testes PCR faltam no Brasil, onde o número de casos bate novos recordes diários, mas sobram no Uruguai que teve mais um dia sem registrar novos casos da doença. Em Rivera, dos 57 casos registrados, eram 16 doentes há uma semana; agora, nove.
"Há quatro dias não temos nenhum teste positivo e houve uma redução de pessoas doentes porque estão se curando da doença", explicou Alma Galup.
Desde o dia 13 de março, o Uruguai acumula 848 casos de coronavírus, dos quais 33 são ativos. No país, houve 23 mortes, duas delas em Rivera.
Nos últimos 10 dias, o Uruguai teve apenas cinco casos positivos. Apesar dos postos militares de controle para blindar Rivera do resto do país, um dos casos foi de um brasileiro que entrou por Rivera na quarta-feira passada até o município de Tacuarembó, onde mora com outros dois brasileiros.
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