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Francês que teve eutanásia negada e tentava morrer por privação de alimentos aceita ser tratado em hospital

Alain Cocq havia anunciado que iria parar de se alimentar, se hidratar e tomar medicamentos - Gonzalo Fuentes/Reuters
Alain Cocq havia anunciado que iria parar de se alimentar, se hidratar e tomar medicamentos Imagem: Gonzalo Fuentes/Reuters

09/09/2020 13h42

O francês Alain Cocq, portador de uma doença degenerativa incurável e que tentou morrer por privação de alimentos e medicamentos durante quatro dias, desistiu temporariamente de se suicidar para abreviar seu sofrimento e defender a eutanásia. Internado há dois dias na unidade de cuidados paliativos do Hospital Universitário de Dijon, no centro da França, Cocq voltou a comer e a se hidratar. "Eu não estava mais em condições de levar esse combate adiante", disse ele hoje. Os médicos preveem que ele tenha alta em uma semana ou dez dias e volte para casa.

Este homem de 57 anos comoveu o país ao anunciar, no fim da semana passada, que iria parar de se alimentar, se hidratar e tomar medicamentos para "se livrar desse imenso fardo" em que a sua vida se transformou, com o agravamento da doença que lhe causa dores insuportáveis. Porém, na noite de segunda-feira, seu estado de saúde se deteriorou e ele foi socorrido por uma unidade do Samu. Cocq deu entrada no hospital com um quadro de desidratação profunda. Ele alternava momentos de lucidez e perda de consciência, segundo sua advogada, Sophie Medjeberg, também vice-presidente da associação Handi-Mais-Pas-Que (em tradução livre, "deficiente e mais que isso"). Ela relatou que no domingo ele ainda estava "sereno", mas teve vômitos o dia inteiro.

De acordo com a advogada, Cocq estava sofrendo demais com a privação de cuidados e não suportou continuar sem assistência médica. "Ele ainda quer morrer, mas sem sofrimento", declarou Medjeberg ao jornal Le Parisien ontem. "Sinto muito, mas preciso de serenidade para partir", teria explicado o doente.

Os franceses acompanham o drama de Alain Cocq há mais de um mês. Ele decidiu se submeter a uma "morte anunciada", depois de ter tido um pedido de eutanásia recusado pelo presidente Emmanuel Macron, na quinta-feira passada (3). O procedimento é proibido na França, apesar de a maioria dos franceses serem favoráveis à legalização da eutanásia e do suicídio assistido.

Na carta que enviou em resposta à solicitação do paciente, o presidente francês declarou que "não estava "acima da lei" e que por essa razão não poderia aceitar o apelo do enfermo. Macron acrescentou que "se sensibiliza e admira o combate incessante" do homem contra a doença e suas consequências, e disse "respeitar, com emoção", a decisão de Cocq de parar de se alimentar.

Este habitante de Dijon sofre de uma doença extremamente grave, que provoca a aglutinação das suas artérias e vai, aos poucos, destruindo seus órgãos pela isquemia, gerando dores alucinantes. Ele já passou por inúmeras internações e nove cirurgias em quatro anos.

Cocq queria filmar sua agonia e transmiti-la ao vivo pelo Facebook até o último suspiro, "para alertar as pessoas sobre o direito de cada um escolher sua morte" e provocar avanços na legislação sobre o fim da vida. Porém, depois de ter seu pedido de injeção letal negado pelo presidente Macron, a rede social bloqueou na manhã de sábado a transmissão ao vivo do que seriam os últimos momentos do francês em vida.

Legislação incompleta

A França possui uma legislação para evitar o sofrimento de doentes terminais, mas Cocq faz parte das exceções que vão parar na capa dos jornais. A chamada lei Claeys-Léonetti sobre o fim da vida, adotada em 2016, só autoriza a sedação profunda, que acaba levando à morte, em pacientes que apresentam um prognóstico de falecimento a curto prazo, o que não foi possível provar no caso de Cocq.

Ele vive acamado em sua casa, em Dijon, cercado por quatro cuidadoras, uma irmã e amigos íntimos. "É difícil para todos e uma pena que a situação tenha chegado a esse ponto. Pagamos um preço alto para defender a eutanásia", insistiu a vice-presidente da associação Handi-Mais-Pas-Que, autorizada por Cocq a falar em nome dele à imprensa. "A lei Léonetti ainda requer emendas e Alain me encarregou de continuar essa luta por ele", comentou a advogada.

O francês escreveu ao presidente Macron para pedir um gesto de compaixão porque não aguenta mais tanto sofrimento e acredita que as pessoas devem ter o direito de escolher sua própria morte. Muitos franceses também queriam ver a eutanásia aprovada, como é possível em países vizinhos, como a Bélgica e a Suíça. No entanto, por pressão de setores conservadores e da Igreja Católica a eutanásia permanece um tabu a ser superado.