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'Se sair de casa, vão me matar': o desespero dos afegãos com a volta do Taleban

Veja imagens aéreas da população invadindo o aeroporto para fugir de Cabul

16/08/2021 14h16Atualizada em 16/08/2021 14h45

Desde ontem, quando o presidente Ashraf Ghani deixou o Afeganistão e anunciou a vitória do Taleban, a situação em Cabul é de caos e desespero. Imagens publicadas nas redes sociais mostram uma multidão de afegãos tentando a qualquer custo deixar o país, mas eles são apenas uma parte da realidade.

Na capital de mais de 4,4 milhões de pessoas, parte está escondida em casa, com receio da violência dos militantes do Taleban.

"Estamos muito aflitos. Não posso correr o risco de sair de casa porque para os talibãs nós somos espiões", afirma, sob condição de anonimato, um antigo intérprete do Exército francês no Afeganistão. "Se eu sair de casa, eles vão me matar. Para eles, nós somos espiões, somos infiéis", disse, em uma entrevista à RFI por telefone.

Ao longo dos 20 anos de ocupação no Afeganistão, milhares de afegãos trabalharam para governos estrangeiros, como os Estados Unidos, a França, a Alemanha e o Reino Unido.

À espera de ajuda internacional para deixar o país, o intérprete conta que a entrada no aeroporto de Cabul, única saída do território, está sendo controlada pelos soldados norte-americanos.

"Há mais de 600 pessoas diante do aeroporto tentando entrar, mas quem não tem papeis não consegue passar da barreira do Exército norte-americano, e eles estão muito armados. Já atiraram", afirmou.

Refugiadas no aeroporto, as embaixadas de diversos países, entre eles a França e a Alemanha, prepararam vistos até o último minuto e mantêm listas com o nome das pessoas que devem ser evacuadas o mais rápido possível. No entanto, não há prazo para que isso aconteça.

Durante hoje, os Estados Unidos interromperam a partida de aviões, e ao menos sete pessoas morreram no aeroporto, de acordo com informações da agência Associated Press.

Algumas vítimas foram pisoteadas, outras caíram da parte exterior de um avião norte-americano ao qual tentavam inutilmente se agarrar. Dois homens também foram mortos a tiros pelas forças armadas dos EUA, eles estariam armados no meio da multidão, de acordo com os norte-americanos.

Incerteza e medo

Desde a tomada do poder pelo Taleban, os afegãos esperam por um comunicado oficial do grupo, impondo suas regras.

"Os insurgentes estão por toda a cidade, fazendo patrulha nas ruas. Eles dizem que estão fazendo isso para evitar a pilhagem e garantir a segurança, mas isso é o que eles dizem", disse um jovem afegão refugiado em sua casa.

"A atmosfera [da cidade] é de completo desespero", afirmou Nassim Majidi, pesquisadora e co-diretora do centro de pesquisas Samuel Hall, em Cabul. "Muitas pessoas estão dentro de suas casas, sobretudo as mulheres. Os jovens tentam fugir como podem."

Majidi conta que aconselhou os pesquisadores de seu instituto a ficarem no Afeganistão, mas teme que, sem ajuda internacional, não possa garantir a segurança de sua equipe.

Ontem, o ministro do Interior, Abdul Sattar Mirzakwal, afirmou que não haveria ataques à capital e que a transição de governo seria feita de maneira pacífica. A afirmação, no entanto, não acalmou a população.

"A cidade está completamente vazia, não há governo, não há polícia, nem exército. O ambiente é de pânico e de incerteza", conta um professor da capital. "Os militantes do Talibã não são um exército disciplinado, então tenho medo de abusos: eles podem atacar algumas casas, retirar mulheres, ou oficiais, jornalistas e os punir. Se eles roubam ou cometem qualquer crime, não tem um sistema para condená-los."

De acordo com os testemunhos recolhidos de moradores de Cabul, não houve cenas de violência do Taleban na capital nas últimas 24 horas, mas não é o que acontece em outras províncias.

"Soubemos que há reféns dos talebans mantidos no entorno de Cabul e que os insurgentes estão retirando seus passaportes", declarou John Sifton, diretor da ONG Asian Human Rights Watch. "Ainda que não haja represálias imediatas em Cabul, temos visto que em outras províncias os que trabalhavam para os Estados Unidos foram presos ou estão desaparecidos."

(Com informações de Sonia Ghezali, correspondente da RFI em Cabul, de Jelena Tomic, da RFI, de Alijani Ershad e de Poline Tchoubar, da France24)

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