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Responsável por 90% do comércio global, transporte marítimo tem longo caminho até zerar CO2

10/02/2022 15h13

Dos antigos barcos a vela aos futuros navios cargueiros neutros em emissões de CO2, o caminho se anuncia desafiador. O transporte marítimo internacional, responsável por levar para os quatro cantos do mundo 90% das transações comerciais, está em plena efervescência para encontrar soluções economicamente viáveis para atingir as metas de descarbonização do setor, fixadas pela Organização Mundial do Transporte Marítimo na última Conferência do Clima da ONU, a COP26.

 

Lúcia Müzell, enviada especial a Brest

O objetivo é cortar pelo menos 40% das emissões de CO2 até 2030 e 70% até 2050. Presentes no One Ocean Summit, organizada pelo governo francês na cidade de Brest até esta sexta-feira (11), executivos de algumas das maiores companhias de logística sentaram-se à mesa com empreendedores inovadores. Como em tantos outros dossiês complexos da transição ecológica, a solução não será nem simples, nem rápida.

Os investimentos também serão colossais, até a substituição de imensos navios porta-conteiners alimentados por combustíveis fósseis, como o diesel, ou por motores a biocombustíveis, como hidrogênio ou amônia verdes, que não emitem carbono e são as duas grandes apostas para o futuro.

Na esteira das novas metas para o setor, nasceu o Global Centre for Maritime Decarbonisation (GCMD), uma iniciativa das autoridades aeroportuárias de Cingapura com seis parceiros internacionais de logística e proteção dos oceanos. O centro de pesquisas investe pesado em protótipos e testes para acelerar os avanços nos mares.

"Nós decidimos focar na amônia primeiro não porque nós pensamos que é um combustível singular, que será o do futuro. Mas porque faz parte de uma variedade de combustíveis no horizonte e a amônia é a maior ambição energética para produzir, entre os combustíveis vertes. Por isso escolhemos esse desafio", observa a presidente da organização, a professora de engenharia da Princeton University Lynn Loo. "Quando olhamos para a cadeia de abastecimento dela, percebemos que há pilotos para novos motores e navios, mas há um certo atraso em relação a como transportar a amônia com segurança", pondera.

A ausência de regras de segurança faz com que este combustível seja visto com precaução por alguns ambientalistas, que temem os riscos de explosão em alto mar.

Navio autossuficiente em energia

Enquanto isso, um projeto francês, o Energy Observer, já está provando que o caminho do hidrogênio é possível. A embarcação, autossuficiente em energia com um mix de hidrogênio produzido a bordo e baterias fotovoltaicas, realiza uma volta ao mundo desde 2017 para sensibilizar os diversos países sobre o tema. O fundador da iniciativa, Victorien Erussard, explica que uma das maiores dificuldades é baixar as emissões de CO2 sem perder velocidade.

"Nós temos propulsão elétrica de 4 megawatts de potência e não temos máquina térmica a bordo. Testamos desde 2019 uma propulsão a vela também. A 15 nós de velocidade, conseguimos reduzir em média 15% do consumo de energia, e a 12 nós passamos para 40% de diminuição", sublinha Erussard.

A segunda fase do projeto, de um total que pode chegar a € 100 milhões, está em curso. Um navio capaz de assegurar um trajeto clássico de transporte de 5 toneladas de produtos dentro das fronteiras europeias, movido a hidrogênio líquido, deve ficar pronto até 2025.

Uma das gigantes do setor, a CMA CGM realiza estudos aprofundados sobre o potencial do hidrogênio na sua cadeia, que conta com aparelhos antigos, de mais de 15 anos de uso. A expectativa é de que a passagem para um transporte neutro não ocorrerá em menos de uma década.

Por enquanto, a primeira etapa para limpar os trajetos intercontinentais é a transição para o GNL (gás natural liquefeito) e, num segundo momento, os aparelhos poderão funcionar com biometano e metano sintetizado. A diretora de operações da companhia, Christine Cabau-Woehrel, comemora a realização de um primeiro frete de Xangai a Los Angeles inteiramente a gás natural, previsto para março.

"Nós estamos convencidos de que não haverá apenas uma solução tecnológica em termos de propulsão. Haverá várias, para podermos substituir o 100% fóssil por energias verdes", afirma.  "Eu também gostaria de ressaltar que a energia é muito importante, mas o desenho dos navios também conta muito para ajudar a descarbonizar. Nós trabalhamos muito a questão da conectividade do navio, para o trajeto ser o mais eficaz possível quando está no mar, além da concepção hidro e aerodinâmica, de última geração."

Vento, um antigo aliado

O vento, obviamente, é um aliado valioso nessa transição. A propulsão por vento poderia fazer despencar em 80% as emissões de CO2 dos navios de tamanho e velocidade moderadas.

Para trajetos mais curtos, portanto, pipocam iniciativas verdadeiramente sustentáveis, em que o prazo de entrega não tem tanta importância. A força da natureza e conhecimentos milenares dos navegadores são privilegiados em detrimento aos motores a combustão e poluição, como o Grain de Sail, um "navio a vela" produzido na região da Bretanha.

"Nós vemos emergir outras soluções, como o hidrogênio, mas ela ainda não estão amadurecidas e, do ponto de vista financeiro, ainda são muito caras", explica o diretor-geral Jacques Barreau. "Enquanto isso, as velhas receitas misturadas com as tecnologias de hoje já funcionam. O nosso navio é todo em alumínio e já anda a 12 nós, ou seja, ele tem uma eficiência logística próxima de um navio tradicional", observa.

Christine Cabau-Woehrel, da CMA CGM, frisa ainda que não cabe apenas aos navios realizarem essa transição: a maior eficiência dos portos é crucial para reduzir o impacto ambiental do setor.