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Harvard cria fundo milionário para políticas de reparação da escravidão

A iniciativa integra um movimento de reconhecimento e reparação da escravidão no país, que ganhou força no meio universitário nos últimos anos - Getty Images
A iniciativa integra um movimento de reconhecimento e reparação da escravidão no país, que ganhou força no meio universitário nos últimos anos Imagem: Getty Images

27/04/2022 06h52

A universidade Harvard anunciou, ontem, a criação de um fundo para financiar projetos de pesquisa, educação e memória sobre o racismo e a escravidão dos séculos 17 ao 19, nos Estados Unidos. O objetivo é "reparar" a memória escravagista no país, após um relatório mostrar que a instituição contribuiu, no passado, para corroborar teses racistas.

O anúncio foi feito em uma carta publicada pelo presidente da universidade, Lawrence Bacow, dirigida aos estudantes, professores e empregados da instituição, fundada em 1636 em Cambridge, no estado de Massachussets, nos Estados Unidos.

A iniciativa integra um movimento de reconhecimento e reparação da escravidão no país, que ganhou força no meio universitário nos últimos anos. A escravidão foi oficialmente abolida pela 13ª emenda constitucional, em dezembro de 1865. De acordo com Bacow, "a escravidão e sua herança fazem parte da história americana há mais de 400 anos. O trabalho de reparação de seus efeitos persistentes necessitará de esforços ambiciosos nos próximos anos", declarou.

A decisão foi anunciada após a publicação de um relatório do comitê da universidade que propôs recomendações para "reparar" financeiramente a exploração de gerações de milhões de pessoas deportadas à força da África e da Europa para a América.

O documento mostra, por exemplo, que até o século 20 os presidentes e professores da universidade ensinavam e promoviam teorias raciais como o eugenismo, prática que defendeu o "aperfeiçoamento" da raça humana por seleção genética. Em Harvard, nos séculos 17 e 18, vários membros e presidentes escravizaram mais de 70 pessoas, até a prática ser considerada ilegal em Massachussetts, em 1783.

Instituição abrigou teses eugenistas

A título de exemplo do que ocorria na instituição, em 2019, Tamara Lanier, uma americana que afirma ser descendente de escravos, processou a universidade por ter fotografado, em 1850, membros da sua família. As imagens foram utilizadas pelo célebre biológo Louis Agassiz (1807-1873), conhecido pelo seu trabalho sobre calotas polares, mas também pelas suas teorias racistas, que visavam provar a superioridade das pessoas de cor branca.

De acordo com Tamara Lanier, seus ancestrais, conhecidos como Renty e Delia, teriam sido forçados a posar nus para um projeto de Agassiz. O objetivo do professor, afirma, era provar a inferioridade biológica dos negros. "Harvard aproveitou e, de uma certa maneira, perpetuou práticas profundamente imorais", disse o presidente da instituição. Ele reconheceu que a universidade tem uma "responsabilidade moral" ao financiar projetos de pesquisa que vão ajudar a amenizar os efeitos sociais e pessoais nocivos desencadeados por tais práticas.

Outras instituições aderem à iniciativa

O racismo é intrínseco à sociedade americana e seus reflexos são palpáveis, como mostra, por exemplo, o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), que ganhou maior visibilidade após o assassinato de George Floyd, em Minneapolis, que foi morto por um policial branco.

Além de Harvard, outras instituições adotaram iniciativas similares para "pagar" sua dívida histórica relacionada à escravidão. No ano passado, os líderes da conferência dos padres jesuítas defenderam a destinação de US$ 100 milhões para indenizações dos descendentes dos escravos que foram de propriedade da ordem religiosa.

Em 2019, estudantes da Universidade de Georgetown aprovaram um fundo para beneficiar descendentes de escravos vendidos pela escola jesuíta de elite no século 19. As universidades Brown e Columbia também reconheceram ter participado do comércio de escravos.

(RFI e AFP)