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'Foi um milagre': mãe de sobrevivente conta como filha escapou do ataque em escola do Texas

Familiares e amigos das vítimas do massacre em Uvalde, no Texas - Reuters
Familiares e amigos das vítimas do massacre em Uvalde, no Texas Imagem: Reuters

26/05/2022 11h57

Os Estados Unidos continuam em choque após a morte de 21 pessoas, entre elas 19 crianças, em um ataque em uma escola na cidade de Uvalde, no Texas. O presidente Joe Biden anunciou na quarta-feira (25) que iria ao estado nos próximos dias, onde políticos pró e contra armas se opõem.

Eram 11h30 em Uvalde, no estado americano do Texas, quando Salvador Ramos começou a atirar em alunos e professores da escola de ensino fundamental Robb, matando 21 pessoas, entre elas 19 crianças, na terça-feira (24).

Celeste estava no carro quando ouviu no rádio que um incidente estava acontecendo na escola de sua filha de 9 anos. A mãe de família, de 30 anos, correu para o local. Quando chegou, os policiais a impediram de entrar na escola e, na mesma hora, o atirador saiu do prédio e atirou na direção dos agentes.

"Ele saiu e começou a atirar em todo mundo. Eu fiquei com muito medo", conta. Poucos minutos depois, tiros voltaram a ser ouvidos no interior do centro de ensino. A filha de Celeste ainda estava no prédio.

"Ela ficou escondida no banheiro o tempo todo. Ela tentou sair e ele atirou bem na frente dela. Então ela parou e se escondeu em outro lugar. Ela então viu o atirador correr e atirar e se escondeu durante 15 minutos e depois começou a correr para a primeira porta aberta", conta Celeste, que conseguiu encontrar a filha viva.

"Nessa hora eu pulei, a agarrei e a coloquei dentro do meu carro. Então eu esperei que os filhos de duas amigas minhas saíssem, mas eles não saíram", diz a mãe emocionada.

Celeste acredita que o que aconteceu com ela e a filha foi um "milagre". Ela conhecia todas as crianças e não pode evitar se sentir culpada por sua filha ter sobrevivido. Por isso, ela decidiu depositar, diante do portão da escola, 19 bichos de pelúcia, um para cada vítima.

"Eu trago um bicho de pelúcia para cada um para que eles possam dormir com eles. Eles são tão pequenos. São bebês. Esta é para Eli", diz mostrando um dos brinquedos. "Era uma das filhas de uma amiga minha. Ela fazia sempre vídeos super fofos. A mãe dela é uma boa amiga", contou ao enviado especial da RFI em Uvalde, David Thomson.

"Todas estas crianças eram conhecidas. Elas eram todas tão boas. Crianças inocentes. Bebês. Alguns vinham às festas da minha família. Outras eram filhos de amigos", diz Celeste chocada com o que foi o pior ataque a um centro de ensino nos Estados Unidos, em 10 anos.

"Todo mundo se conhece aqui, é uma pequena comunidade. É simplesmente muito triste. Somos todos próximos. Minha vizinha perdeu a sobrinha e o sobrinho. Meu coração está partido porque minha filha também estava na escola, mas ela voltou para casa. As crianças de meus amigos não voltaram", lamenta.

No dia seguinte da matança, centenas de habitantes de Uvalde se reuniram para homenagear as vítimas. Orações, músicas e sofrimento marcaram a manifestação. Entre os presentes, um agente de polícia em uniforme, pai de uma vítima, arrasado, em lágrimas nos braços do senador Ted Cruz, que estava presente, assim como Greg Abott, governador do Texas.

Uvalde é uma pequena comunidade rural de 16 mil habitantes, três quartos hispânicos. "Estamos simplesmente chocados. Não conseguimos acreditar que uma coisa assim tenha acontecido em uma cidade tão pequena", disse o pai de um aluno.

"Eu estou triste, simplesmente triste. Faltam palavras. Grotesco, desprezível. Eram crianças inocentes. Elas tinham a vida diante delas, um futuro. Tudo isso foi roubado", disse outro pai de um sobrevivente.

Sem antecedentes

Antes de cometer o ataque, Salvador Ramos havia atirado na própria avó e fugido de casa em sua pick-up. Ele dirigiu 3,5km quando foi vítima de um acidente, cuja razão é indeterminada, nas proximidades da escola Robb, onde mais de 500 crianças entre 7 e 11 anos são escolarizadas.

Ramos saiu de seu carro com um fuzil semi-automático AR-15 e uma mochila. Um policial que cuidava da segurança da escola não conseguiu impedi-lo de entrar, de acordo com Steven McCraw, chefe do departamento de segurança do Texas.

O atirador entrou no prédio e pegou imediatamente um corredor que leva a duas salas de aula, perseguido por três policiais que pediram reforço. Às 11h30 ele entrou em uma das salas e começou a atirar, de acordo com McCraw. A polícia conseguiu matar Ramos alguns minutos depois.

O jovem não tinha antecedentes judiciais ou problemas psicológicos conhecidos dos serviços de saúde locais. Ele estava inscrito no ensino médio, mas abandonou os estudos. Uma prima de Ramos, Mia, disse ao jornal Washington Post que ele não queria mais ir à escola, porque era vítima de bulling por ser gago.

Em 17 de maio, dia seguinte ao seu aniversário de 18 anos, ele comprou um fuzil semi-automático, depois munições. Em 20 de maio adquiriu outro fuzil automático na mesma loja de Uvalde, informou o chefe do departamento de segurança do Texas. Os investigadores não encontraram por ora nenhum elemento que explicaria seu gesto.

Redes sociais

Ramos anunciou no Facebook que iria atacar uma escola, segundo informou o governador do Texas, Greg Abbot, durante uma entrevista coletiva na quarta-feira (25), no auditório de uma escola de ensino médio de Uverdale. Um porta-voz do Meta rapidamente precisou que as mensagens tinham sido enviadas em privado a outro utilizador e que já estavam cooperando com a polícia nas investigações.

Posteriormente, Ramos jovem escreveu que mataria sua avó, depois confirmou que tinha efetivamente atirado na senhora, ainda de acordo com o governador do Texas. Atingida no rosto, a mulher, de 66 anos, sobreviveu e ligou para a polícia. "A terceira mensagem, sem dúvida menos de quinze minutos antes de chegar à escola, dizia: 'Eu vou atirar em uma escola fundamental'", precisou Abbot. Estas mensagens são as únicas advertências enviadas antes que ele atacasse, afirmou o governador.

De acordo com o canal CNN, as mensagens não foram públicas, mas enviadas para uma usuária da Alemanha que ele conheceu em linha, no começo do mês. Ele anunciou que tinha "atirado em sua 'avó na cabeça' e ia 'atirar em uma escola agora'", disse a adolescente de 15 anos, que mora em Frankfurt.

Durante a coletiva do governador do Texas, seu opositor do Partido Democrata, Beto O'Rouke acusou Abbot de inação contra a violência com armas de fogo. "Governador Abbot, eu tenho algo a dizer", disse O'Rourke, "a hora de parar o próximo tiroteio é agora e você não está fazendo nada".

A reação inesperada do democrata representa a indignação de muitos americanos que defendem leis mais estritas para a aquisição de armas. O'Rourke foi escoltado para fora da escola, mas continuou suas críticas quando chegou na rua.

"Este garoto de 18 anos, que acabou de fazer aniversário, comprou um AR-15 e levou para uma escola de ensino fundamental e atirou no rosto de crianças e as matou. Por que estamos deixando isso acontecer neste país? Por que isso está acontecendo neste estado, cada ano, cidade após cidade", disse O'Rourke. "Isso é nossa responsabilidade se não fizermos algo. E eu vou fazer algo. Eu não estou sozinho", afirmou.

Lobby pró-armas e políticos

A National Rifle Association (NRA) negou, na quarta-feira, toda responsabilidade nos ataques e denunciou o "ato de um criminoso isolado e desequilibrado".

A Associação é considerada um dos mais poderosos grupos de pressão no mundo. Seu objetivo é defender a liberdade do porte de armas. Com cinco milhões de membros e US$ 300 milhões de orçamento, a organização de lobby conta com seu próprio canal de televisão, a NRATV, e com o apoio de estrelas do cinema como Clint Eastwook ou Chuck Norris.

A NRA também investe no campo politico, financiando campanhas eleitorais e vídeos publicitários de candidatos que se comprometerem a defender o porte de armas e a se opor a toda restrição sobre as armas de fogo. Normalmente são candidatos do Partido Republicano, como Tedd Cruz, senador pelo estado do Texas, que afirmou que para conter este tipo de matança, era necessário colocar portas e janelas blindadas nas escolas e deixar apenas uma porta de acesso aberta.

Mas o mais conhecido político apoiado pela organização é provavelmente Donald Trump. Ainda hoje, o ex-presidente americano não perde uma oportunidade de participar dos congressos da NRA. O próximo acontece a partir de sexta-feira (27), em Houston, maior cidade do Texas, no mesmo estado de Uvalde. Trump pronunciará um discurso na abertura do evento que contará também com a participação de Greg Abbot e Ted Cruz.