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Desmatamento recorde em fevereiro? Entenda por que queda dos números pode demorar a aparecer

Taxa de desmatamento na Amazônia aumentou nos últimos anos, revelam as estatísticas do governo federal - GETTY IMAGES
Taxa de desmatamento na Amazônia aumentou nos últimos anos, revelam as estatísticas do governo federal Imagem: GETTY IMAGES

16/03/2023 15h06Atualizada em 16/03/2023 15h53

A revelação de que o último mês de fevereiro foi o que mais registrou alertas de desmatamento da Amazônia desde 2015 agitou os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro - afinal, os números negativos ocorrem no segundo mês do novo governo, que prometeu zerar a devastação da floresta até o fim desta década.

Entretanto, especialistas no tema advertem que os resultados do novo plano para combater o problema podem demorar meses, ou até anos, para aparecer.

Conforme os dados do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), alertas de desmatamento foram verificados em 322 km² da Amazônia, número 62% superior ao recorde anterior, de 2022 (198 km²).

Ao comentar os números, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima ressaltou que, neste período do ano, "há grande concentração de nuvens" na região, o que dificulta a visualização dos satélites ópticos que identificam a queda da cobertura florestal.

O período de chuvas na Amazônia ocorre de novembro a abril. Uma hipótese para explicar o elevado número de alertas de devastação em fevereiro é que, na realidade, a derrubada de árvores tenha ocorrido antes, em janeiro ou dezembro, porém só tenha sido possível identificá-la agora.

O fato de o Deter ter verificado um índice muito mais baixo de alertas de desmatamento em janeiro, em 166 km², corrobora essa tese.

Calendário do desmatamento

Rômulo Batista, porta-voz do Greenpeace Brasil, salienta que, no balanço do ano comparado com o mesmo período de 2022, houve uma queda de 22%. Para ele, o desempenho do atual governo só poderá ser avaliado a partir do segundo semestre, uma vez que os índices anuais são medidos de agosto a julho.

"A taxa desse ano, a ser publicada por setembro ou outubro, ainda virá com dados do outro governo. Não existe uma bala de prata para fazer com que um desmatamento crescente como o dos últimos anos, ultrapassando 10 mil km² - algo que não era visto havia mais de uma década -, diminua de uma vez. Vai ser preciso tempo", afirma.

"O Ibama, o ICMBio e a Funai, que são os órgãos de fiscalização, estão desaparelhados. O número de funcionários está muito abaixo do que seria necessário."

Batista lembra ainda que "a Amazônia de hoje não é mais a mesma que a de 10 anos atrás", já que as redes de desmatadores, grileiros e madeireiros ilegais se profissionalizaram e expandiram as atividades pela floresta.

No segundo semestre de 2022, na expectativa da derrota de Bolsonaro nas eleições, a ocorrência de crimes ambientais nos biomas brasileiros disparou, num movimento que a mera troca de governo seria incapaz de conter, observa Ane Alencar, pesquisadora do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e coordenadora da equipe MapBiomas Fogo.

"A gente espera que quando o governo estiver realmente todo estruturado, com os cargos preenchidos e o plano, desenvolvido, as ações governamentais fiquem mais publicizadas, para que a sociedade se sinta cada vez mais confiante que o crime não vai compensar na Amazônia", aponta.

Presença no terreno

Até o momento, a única grande operação realizada pelo governo federal no terreno foi para socorrer o povo indígena yanomani em Roraima, em meados de janeiro.

Como resultado da atuação, os registros de queimadas no Estado caíram 44% na comparação com o ano passado, aponta a pesquisadora.

"Eu acho que esse governo tem de tudo para debelar e reduzir esse desmatamento de uma forma contundente, mas isso não vai acontecer de uma hora para a outra", reitera.

A Amazônia ocupa uma área continental, em que a fiscalização dos crimes ambientais sempre representou um desafio importante. No primeiro mandato de Lula, iniciado em 2003, os dados do desmatamento começaram a baixar apenas no segundo ano de gestão.

É por isso que a reativação do PPCDAM (Plano de Prevenção Controle do Desmatamento da Amazônia) e do Fundo Amazônia, com R$ 5 bilhões em caixa, são apontados como duas medidas cruciais da atual gestão para controlar o desmatamento.

Rômulo Batista, do Greenpeace, frisa ainda que deve ser reforçado o combate ao financiamento tanto nacional, como internacional das ilegalidades cometidas nos biomas brasileiros. A Europa adotou uma regulamentação para impedir a importação de produtos oriundos do desmatamento, mas outros passos nesse sentido deveriam ser visados.

"A gente tem o Plano Safra que injeta bilhões de reais e bancos emprestam dinheiro sem sequer cobrar qualquer tipo de garantia ambiental de que o dinheiro não vai ser utilizado em atividades que desmatam. Temos até mesmo os grandes fundos de investimentos e fluxos financeiros internacionais financiando empresas que não têm nenhum tipo de compromisso de cuidar da sua cadeia produtiva no Brasil", sinaliza.