China estabelece presença na Antártida em busca de interesses estratégicos

Jane Perlez

  • Reuters

    Pinguins caminham em bloco de gelo em Cape Denison, no leste da Antártida

    Pinguins caminham em bloco de gelo em Cape Denison, no leste da Antártida

Poucos lugares parecem fora do alcance para o líder da China, Xi Jinping, que já viajou das capitais europeias até obscuras ilhas no Pacífico e Caribe em busca dos interesses estratégicos de seu país.

Logo, não causou surpresa quando ele apareceu no final do ano passado nesta cidade à beira do Oceano Antártico para fincar um marcador de longa distância em outra região distante, a Antártida, a cerca de 3.200 quilômetros ao sul deste porto australiano.

Em pé no convés de um quebra-gelo que transporta cientistas chineses desta última parada antes do continente gelado, Xi prometeu que a China continuará expandindo em um dos poucos lugares no planeta que permanecem inexplorados pelos seres humanos.

Ele assinou um acordo de cinco anos com o governo australiano, que permite que navios chineses e, no futuro, aeronaves, se reabasteçam de combustível e alimentos antes de partirem para o sul. Isso ajudará a garantir acesso mais fácil a uma região que supostamente conta com vastos recursos minerais e de petróleo; quantidades imensas de vida marinha rica em proteínas; e, para tempos de possível necessidade futura, água doce contida nos icebergs.

Foi apenas em 1985, cerca de cinco décadas depois de Robert Scott e Roald Amundsen terem corrido ao Polo Sul, que uma equipe representando Pequim içou a bandeira chinesa na primeira base de pesquisa antártica, a Estação Grande Muralha na Ilha Rei George da Austrália.

Mas agora a China parece determinada a tirar o atraso. À medida que aumenta a verba para pesquisa antártica, e à medida que os primeiros exploradores, especialmente os Estados Unidos e a Austrália, enfrentam orçamentos estagnados, há crescente preocupação a respeito das intenções da China.

As operações da China no continente –ela abriu sua quarta estação de pesquisa no ano passado, escolheu o local para uma quinta e está investindo em um segundo quebra-gelo e novos aviões e helicópteros capazes de lidar com o gelo– já são as que mais crescem dentre os 52 países signatários do Tratado da Antártida. Esse acordo de cavalheiros de 1959 proíbe atividade militar no continente e visa preservá-lo como um dos últimos locais naturais do mundo. Um pacto relacionado proíbe a mineração.

Mas a visita de Xi foi outro sinal de que a China está se posicionando para tirar proveito do potencial de recursos do continente quando o tratado expirar em 2048 –ou caso seja rasgado antes, dizem especialistas chineses e australianos.

"Até o momento, nossa pesquisa é baseada na ciência natural, mas sabemos que há mais e mais preocupação com a segurança de recursos", disse Yang Huigen, diretor-geral do Instituto de Pesquisa Polar da China, que acompanhou Xi em novembro passado em sua visita a Hobart e esteve ao lado dele no quebra-gelo Xue Long, ou Dragão da Neve.

Tendo isso em mente, o instituto polar abriu recentemente uma nova divisão dedicada ao estudo dos recursos, lei, geopolítica e governança na Antártida e no Ártico, disse Yang.

A Austrália, uma aliada estratégica dos Estados Unidos que tem fortes relações econômicas com a China, está assistindo o aumento da presença da China na Antártida com uma mistura de gratidão –a presença da China oferece apoio ao programa de ciência antártica da Austrália, que carece de fundos– e cautela.

"Não podemos ter ilusões sobre a agenda mais profunda –uma que nem mesmo foi concordada pelos cientistas chineses, mas é movida por Xi, e muito provavelmente por seus sucessores", disse Peter Jennings, diretor executivo do Instituto de Política Estratégica Australiano e um ex-alto funcionário do Ministério da Defesa australiano.

"Isso faz parte de um padrão mais amplo de uma abordagem mercantilista por todo o mundo", acrescentou Jennings. "Um grande motor da política chinesa é garantir suprimento de longo prazo de energia e alimentos."

Essa abordagem ficou evidente no mês passado, quando um grande empreendimento agrícola chinês anunciou a expansão de suas operações de pesca ao redor da Antártida em busca de mais krill –pequenos crustáceos ricos em proteína que são abundantes em águas antárticas.

"A Antártida é um tesouro para todos os seres humanos e a China deve ir até lá e compartilhar", disse Liu Shenli, o presidente do Grupo Nacional de Desenvolvimento Agrícola da China, ao "Diário da China", um jornal estatal. A China pretende pescar até 2 milhões de toneladas de krill por ano, ele disse, um aumento substancial em comparação ao que pesca atualmente.

Como a soberania em relação à Antártida é incerta, países têm buscado fortalecer suas reivindicações sobre terras cobertas de gelo construindo bases de pesquisa e batizando acidentes geográficos. A quinta estação da China a deixará próxima das seis estações dos Estados Unidos e à frente das três da Austrália.

Cartógrafos chineses também deram nomes chineses a mais de 300 lugares, em comparação a milhares de locais no continente com nomes em inglês.

Na competição tácita pelo futuro da Antártida, realizações científicas também podem ser traduzidas em influência. Cientistas chineses poderão ser os primeiros a perfurar e recuperar um núcleo de gelo contendo bolhas minúsculas de ar, capazes de fornecer um registro da mudança climática remontando até 1,5 milhão de anos. É um esforço caro e delicado no qual outros, incluindo a União Europeia e a Austrália, fracassaram.

Em um avanço há uma década, cientistas europeus extraíram um núcleo de gelo com quase 3 quilômetros de extensão, que revelou 800 mil anos de história climática. Mas encontrar um núcleo de gelo que volte ainda mais no tempo permitiria aos cientistas examinar mudanças nos ciclos climáticos da Terra que supostamente teriam ocorrido entre 900 mil e 1,2 milhão de anos atrás.

A China está apostando que encontrou o melhor local para perfurar, em uma área chamada Domo A, ou Domo Argus, o ponto mais alto no Manto de Gelo Antártico Oriental. Apesar de ser considerado um dos lugares mais frios do planeta, com temperaturas de 92ºC negativos, uma expedição chinesa explorou a área em 2005 e estabeleceu uma estação de pesquisa em 2009.

"A comunidade internacional perfurou em muitos lugares, mas sem sucesso até o momento", disse Xiao Cunde, um membro do primeiro grupo a chegar ao local e vice-diretor do Instituto para Mudança Climática da Academia Chinesa de Ciências Meteorológicas. "Nós achamos que no Domo A teremos um caminho direto até um núcleo de gelo de 1 milhão de anos."

Tradutor: George El Khouri Andolfato

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