Opinião: O que a briga entre uma ex-miss e Trump revela sobre sexismo
Ilan Stavans*
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Danny Moloshok/ Reuters
A ex-miss Universo Alicia Machado participa de evento na Califórnia, EUA
A Venezuela não é só o país com o maior número de vencedoras do Miss Universo, tendo conquistado sete coroas desde 1979. Ela é também fanática pelo concurso de maneiras que são muito enraizadas na cultura da nação. A vencedora de 1996, Alicia Machado, com quem Donald J. Trump tem brigado publicamente, é considerada uma dissidente dessa cultura, na qual ela é tão querida quanto vilipendiada.
A sede do concurso nacional, conhecida como Quinta Miss Venezuela, fica na La Salle Avenue, situada em um bairro de Caracas que já foi rico. Milhões de dólares correm através desse lugar, o equivalente a uma escola de beisebol, pelo qual o país também é famoso. Na maior parte dos anos o concurso de Miss Universo é transmitido pela TV em toda a América Latina.
Um exército de olheiros recruta centenas de candidatas para os testes. As aspirantes a miss precisam ser solteiras e ter entre 17 e 24 anos, medir pelo menos 1,72 m de altura e pesar cerca de 54 kg. As que são selecionadas são cuidadosamente treinadas em todas as áreas, desde os vestidos que elas usam até as declarações que elas dão. Às vezes elas passam por cirurgias plásticas, outro grande mercado da região.
Este é um país onde concursos de beleza são onipresentes, sendo realizados até em escolas e nas forças armadas. Eleger a Miss Venezuela é considerado tão importante quanto escolher o próximo presidente. As pessoas acompanham cada movimento das concorrentes através da mídia, e muitas vezes fazem apostas sobre o resultado. Uma das vencedoras do Miss Universo da Venezuela até se tornou modelo para uma boneca Barbie.
Como resultado, pais venezuelanos ainda instilam em suas filhas desde a mais tenra idade o desejo de ser miss. Para uma vencedora, o sucesso pode significar uma grande carreira na TV e patrocínios lucrativos. Algumas delas se tornam empresárias, mas quase todas se tornam embaixadoras de instituições de caridade, levantando fundos para hospitais e outras causas.
De tempos em tempos uma candidata a Miss Universo até entra para a política. Irene Sáez (vencedora de 1981) foi prefeita de Chacao, um distrito da capital, concorreu a presidente e se tornou governadora de um Estado. Marena Bencomo (que ficou em segundo lugar em 1997) considerou concorrer ao governo local antes de se tornar uma executiva de companhia aérea. Se em outras partes do mundo os concursos de beleza acabam sendo vistos como espetáculos degradantes, na Venezuela as finalistas ainda são idolatradas como ícones.
Machado é meio que uma exceção, não sendo política em si, mas provocadora. Bem no início de seu treinamento, ela se recusou a fazer cirurgia plástica, ignorando o estereótipo da submissão. E como o planeta inteiro sabe agora, ela ganhou peso. Quando Trump, que organizou o concurso em 1996, a ridicularizou, ela chegou a ganhar mais 19 kg, segundo algumas estimativas.
Assim como seu adversário Trump, ela parece incapaz de resistir a uma câmera, ou de se envolver em confusões. Em 1997, ela foi acusada de ser cúmplice de seu namorado em um tiroteio na Venezuela, embora as acusações contra ela tenham sido retiradas. Ela aparentemente se envolveu sexualmente com um outro concorrente de um reality show em língua espanhola. Em 2010, a Univision relatou que o pai de sua filha era um chefe do narcotráfico, José Gerardo Álvarez, conhecido como "El Indio" e hoje preso. (Ela negou a história.)
Trump não parece conseguir parar de tuitar sobre Machado. Ela, por sua vez, revida em entrevista atrás de entrevista. Sua posição, como contou a Anderson Cooper da CNN, é de que ela não é "uma santa". De fato, ela é briguenta a ponto de ser quase instável. Desde que Trump passou a atacar, a campanha de Hillary Clinton planejou cuidadosamente as aparições de Machado na mídia.
Como todos sabem, Trump a chamou de "Miss Piggy" e de "máquina de comer". Insultos à parte, tais opiniões não seriam consideradas excepcionais na Venezuela, onde se espera que uma miss se mantenha esbelta o tempo todo, e o ganho de peso de Machado foi tratado como um escândalo. Em seu país, sua disposição em desprezar as normas das vencedoras do Miss Universo a deixou marcada como uma não-conformista.
Em suas respostas aos contínuos ataques vindos de Trump e de outros, Machado parece estar assumindo o papel de rebelde. Pode ser difícil saber o motivo exato, além de jurar votar contra Trump. Mas ao insistir em ter sua voz ouvida, independentemente do que ela tenha a dizer, Machado consegue questionar as convenções dos concursos de miss que esperam que uma mulher bonita seja vista, mas não ouvida.
Nos últimos anos não faltaram mulheres poderosas na América Latina, com líderes proeminentes como a presidente do Chile, Michelle Bachelet, e a ex-presidente da Argentina, Cristina Kirchner. No entanto, paralelamente a exemplos tão admiráveis quanto esses, o culto ao Miss Universo ainda vende as mulheres como bens de consumo.
* Ilan Stavans, professor de América Latina e cultura latino-americana na Amherst College, é autor de "Quixote: The Novel and the World"
Tradutor: UOL
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