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Balaio do Kotscho

Igrejas S/A: um grande negócio ecumênico e suprapartidário

19.abr.2014 - Evangélicos lotam o vale do Anhangabaú, na região central de São Paulo, durante o evento Show da Fé organizado pela Igreja Internacional da Graça de Deus - Nelson Antoine/FotoArena/Estadão Conteúdo
19.abr.2014 - Evangélicos lotam o vale do Anhangabaú, na região central de São Paulo, durante o evento Show da Fé organizado pela Igreja Internacional da Graça de Deus Imagem: Nelson Antoine/FotoArena/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

09/09/2020 17h53

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Quando se trata de agradar igrejas de todas as denominações para lesar o Tesouro Nacional, desaparecem as divergências religiosas e partidárias.

Assim, siglas de todas as latitudes, da extrema-direita à extrema-esquerda, se uniram no Congresso Nacional para aprovar um projeto que anistia dívidas tributárias dos templos e os isenta do pagamento de contribuições previdenciárias.

Toda a bancada do PC do B e sete parlamentares do PT se uniram aos adversários da base do governo para apoiar esta mamata que custará quase R$ 1 bilhão aos cofres públicos.

Num país que nada em dinheiro, já está tudo pronto para o projeto ser assinado pelo presidente Jair Bolsonaro nesta sexta-feira, a data limite para sancionar ou vetar o "perdão das dívidas" dos representantes de Deus.

Afinal, a bancada da Bíblia é um dos esteios de apoio ao governo, junto com as milícias, com quem disputa poder político em cada vez maiores porções do território nacional.

Não tem erro: no fim de abril, Bolsonaro promoveu uma reunião entre o deputado federal David Soares (DEM-SP), autor da emenda, com o secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, para acertar os débitos das igrejas e ordenar à equipe econômica a solução do problema.

Davi Soares vem a ser filho do missionário televisivo R.R. Soares, dono da Igreja Internacional da Graça de Deus e de uma dívida de R$ 37,8 milhões, além de outros débitos milionários, ainda em fase de cobrança administrativa pela Receita.

Bolsonaro já defendeu em público a possibilidade de acabar de vez com os poucos impostos e taxas ainda cobrados das igrejas, para "fazer justiça com os pastores, com os padres, nessa questão tributária".

Mas os técnicos do Ministério da Economia resistiram às ordens do presidente e, ainda nesta quarta-feira, um parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional recomendou ao governo o veto total à emenda da família Soares, contrabandeada para um projeto que determina à União o uso no combate à pandemia do dinheiro economizado em negociações de precatórios. Se não quiser desagradar o chefe, Paulo Guedes terá de engolir mais esse sapo.

O tema original do projeto não tinha nada a ver com a anistia que agora deverá ser concedida às igrejas, uma operação ecumênica e suprapartidária, que tramitou no Senado e na Câmara, para beneficiar o grande negócio das sociedades anônimas das igrejas e suas empresas associadas, que querem se livrar da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e das dívidas com a Previdência. .

Engana-se quem pensa que só as barulhentas seitas neo-pentecostais dos milionários bispos da grana, das sacolinhas e seus monumentais templos salomônicos estão por trás desta nova maracutaia político-religiosa.

Na Igreja Católica, pontifica o padre Robson de Oliveira Pereira, dono da Associação Pai Eterno e Perpétuo Socorro (Afipe), ligada à Basílica do Divino Pai Eterno, na cidade de Trindade (GO), também um homem de grandes negócios e pouca fé.

O padre celebridade, que tem 3,9 milhões de seguidores no Facebook, está sendo investigado pelo Ministério Público de Goiás sobre o desvio de pelo menos R$ 130 milhões em doações de fiéis para a construção de uma nova basílica.

Uma parte, ele resolveu investir em imóveis, segundo a denúncia _ entre eles, uma fazenda de R$ 6 milhões em Abadiânia, a cidade de João de Deus, e uma casa de praia de R$ 3 milhões, na Bahia, que ninguém é de ferro.

Em nota, a Arquidiocese de Goiânia afastou o padre Robson e informou que vai contratar uma "empresa idônea de auditoria externa" para saber o que aconteceu com o dinheiro doado pelos fiéis.

Se numa pequena cidade do interior de Goiás, a igreja é capaz de erguer duas basílicas, caso o dinheiro não fosse desviado, dá para se ter uma ideia do tamanho da montanha de doações movimentadas pelo Brasil afora pelas denominações religiosas, que não querem pagar imposto.

Em comum, há apenas a devoção dos fiéis, que tiram do pouco que têm, para alimentar os delírios de grandeza e poder dos pastores de almas.

Só de vez em quando, um João de Deus da vida vai em cana.

Vida que segue.