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Por que juízes têm direito a dois meses de férias por ano? E querem mais

Se em todas as conferências e congressos do Judiciário, aqui e lá fora, a morosidade da Justiça brasileira é sempre apontada como a maior causa de injustiças, nunca entendi por qual razão os nobres magistrados têm direito a dois meses de férias por ano, se o comum dos mortais pode tirar no máximo 30 dias.

É o chamado "direito adquirido" pela Lei Orgânica da Magistratura, em vigor há 44 anos, desde os tempos da ditadura militar, e ai de quem quiser mexer com isso, cláusula pétrea de todos os privilégios do Judiciário, que permite a seus membros ter vencimentos de 6 dígitos por mês, mas eles ainda acham pouco, como revela reportagem de Pepita Ortega, do Blog do Fausto Macedo, no Estadão.

Sim, por mais que pareça inacreditável, eles agora acionaram a presidente do STF, Rosa Weber, para pedir o "julgamento imediato" de uma ação que pode garantir a magistrados de todo o país a chamada licença-prêmio: três meses de férias, já concedidos a juízes e desembargadores dos tribunais estaduais, a cada cinco anos, com a possibilidade de "venda" do período, quando eles embolsam os subsídios correspondentes para formar seus supersalários, tudo "dentro da lei", é claro.

Qual motivo eles alegam para esse pedido? Que trabalham demais, que estão ficando doentes de tanto julgar, que fazem muitas horas extras todos os dias? Não, nada disso. É apenas esse mesmo: eles querem equiparação com seus homólogos dos Estados.

Funciona sempre assim: uma banda do funcionalismo sai na frente e consegue mais um privilégio; em seguida, outra banda pede equiparação, e assim vai. É o tal "se eles podem, eu também quero".

Se essa mordomia for aprovada pelo STF, pode ter um de dois efeitos: aumentar ainda mais a despesa do país com o Judiciário, que já é uma das mais altas do mundo, caso todos resolvam "vender" seus direitos; ou vai aumentar a morosidade dos processos, que podem tranquilamente durar 10, 20, 30 anos.

Em qualquer dos casos, quem vai pagar este novo penduricalho somos nós. Como sabemos, governo não fabrica dinheiro, usa apenas o dos impostos que pagamos.

Uma das poucas vozes que se levantou contra esse absurdo de férias duplas para a magistratura foi a do ministro Gilmar Mendes, do STF, como lembra a repórter Pepita Ortega. "Em maio, ele bradou 'acabem com as férias de dois meses', após o que considerou uma tentativa dos magistrados de retardarem o julgamento sobre o modelo de condução de processos pelo "juiz de garantias".

O presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Nelson Alves, afirmou ao Estadão que o pronunciamento do supremo sobre o tema vai "reconhecer a efetiva posição da magistratura dentro do cenário remuneratório do serviço público". Não é uma beleza?

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O relator da ação, que tramita desde julho de 2017, é Alexandre de Moraes, um dos poucos ministros que continua trabalhando durante o recesso do Judiciário, operando em regime de plantão, com a presidente Rosa Weber respondendo pelo tribunal, mas eles ainda não se manifestaram sobre o "julgamento imediato" exigido pelos magistrados.

Será mesmo esse o assunto mais urgente a ser resolvido pelo Judiciário, um tema de "extrema importância para a magistratura nacional", como suas eminências alegam? Não seria, por exemplo, o marco temporal da demarcação das terras indígenas ameaçadas por invasores, tantas vezes adiado, muito mais premente a pedir uma solução rápida? Ali estão em jogo vidas humanas vulneráveis, que não têm nenhum direito a tirar férias, querem apenas sobreviver.

Nunca canso de repetir uma frase do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que se aplica bem a mais essa sinecura do serviço público: "O Brasil não é um país pobre; é um país injusto". E muitas das maiores injustiças são cometidas exatamente pelos que deveriam zelar pela Justiça.

Vida que segue.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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