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Diogo Schelp

Nem na ditadura a Funarte foi presidida por militar

Colunista do UOL

14/09/2020 12h16

Não dá nem para lamentar a saída de Luciano Querido da presidência da Funarte (Fundação Nacional das Artes), conforme exoneração publicada nesta segunda-feira (14) e assinada pelo ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto. Querido, que assumiu o cargo em julho mas já o exercia como interino desde maio, é ex-assessor no gabinete de Carlos Bolsonaro (Republicanos), vereador no Rio de Janeiro e filho do presidente da República. Formado em direito, não tem conhecimento algum em políticas culturais, motivo pelo qual o Ministério Público Federal tentou, sem êxito, suspender sua nomeação.

Sua substituição por um novo indicado, contudo, tampouco é motivo de comemoração. Em seu lugar, o governo nomeou um coronel da reserva, Lamartine Barbosa Holanda, com formação em logística e que presidiu a Câmara de Comércio Brasil-Albânia no Rio de Janeiro.

As aspirações artísticas pessoais do coronel Holanda, que ostenta um curso de roteiro de cinema no currículo e tem especial apreço por filmes com temas militares, não bastam para cacifá-lo para comandar a Funarte, cujo orçamento para promover a cultura em 2020 foi de 38 milhões de reais.

A nomeação de militares para cargos civis em áreas para as quais eles não têm nenhuma capacitação é o tiro de misericórdia na promessa de campanha de Jair Bolsonaro de que faria um governo baseado no mérito.

O general Eduardo Pazuello no comando do Ministério da Saúde, em meio à maior crise sanitária dos últimos 100 anos, é o melhor exemplo desse desprezo pelo conhecimento técnico. Mas a lógica se repete em todos os escalões do governo. São mais de 6.000 militares em funções civis na administração federal, segundo levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU).

Nem no período da ditadura a Funarte foi presidida por um militar. Criada em 1975, no governo do general Ernesto Geisel, a fundação teve como primeiro presidente o escritor José Cândido de Carvalho, autor de "O Coronel e o Lobisomem".

Espera-se que o coronel Holanda não transforme a Funarte em uma fundação lobisomem, dedicada a assombrar artistas com censura de peças teatrais, como já aconteceu no ano passado, e outras cachorrices.