Topo

Diogo Schelp

Porrada na boca de repórter é porrada em todos os brasileiros

Colunista do UOL

24/08/2020 13h04

O presidente Jair Bolsonaro manifestou o desejo de dar uma porrada na boca de um repórter do jornal O Globo, neste domingo (23), que lhe perguntou sobre os R$ 89.000 depositados pelo ex-assessor Fabrício Queiroz e sua mulher na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro entre 2011 e 2016. O impulso violento do presidente equivale ao desejo de esmurrar olhos e ouvidos de todos os brasileiros.

Há inúmeras maneiras mais completas de descrever o papel que a imprensa tem em uma sociedade democrática. Uma metáfora simples e bem conhecida, porém, cumpre bem essa tarefa: os jornalistas são os olhos e os ouvidos dos cidadãos.

Alguém precisa estar onde outros não podem estar para observar, escutar, selecionar o que é relevante para o público e divulgar as informações que permitirão às pessoas formar uma opinião sobre o que acontece no país e no mundo e tomar suas próprias decisões (financeiras, de saúde, políticas, etc).

Para desempenhar esse trabalho, um jornalista precisa fazer perguntas e exigir respostas, com o objetivo de transmiti-las ao resto da sociedade. Nem sempre ele consegue obtê-las, é claro. Mas tentar impedi-lo de fazer questionamentos — ainda mais por meio de ameaças, como fez o presidente — equivale a negar aos cidadãos o direito de ter alguém que seja seus olhos e seus ouvidos junto aos detentores do poder.

Com base na explicação de Jair Bolsonaro para os R$ 89.000 depositados na conta de sua mulher por um amigo seu que é suspeito de desviar parte dos salários de funcionários pagos com dinheiro público, bolsonaristas poderão decidir se continuam afirmando que ele é o presidente mais honesto de todos os tempos e não bolsonaristas poderão concluir se suas críticas a ele são ou não infundadas.

Perguntar não ofende. Porrada em quem pergunta não é resposta.