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Diogo Schelp

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Se novo chanceler tiver de responder a Eduardo Bolsonaro, nada muda

O ex-presidente Donald Trump ouve o assessor internacional da Presidência brasileira, Filipe Martins, ao lado do deputado federal Eduardo Bolsonaro, o então ministro Ernesto Araújo e o secretário de Governo americano, Mike Pompeo, na Casa Branca, em 2019 - Reprodução/Twitter
O ex-presidente Donald Trump ouve o assessor internacional da Presidência brasileira, Filipe Martins, ao lado do deputado federal Eduardo Bolsonaro, o então ministro Ernesto Araújo e o secretário de Governo americano, Mike Pompeo, na Casa Branca, em 2019 Imagem: Reprodução/Twitter

Colunista do UOL

29/03/2021 13h46

Ernesto Araújo foi, ao longo de dois anos e três meses, o executor da política externa bolsonarista, mas não seu principal formulador. Esse papel é desempenhado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, e por Filipe Martins, assessor especial para assuntos internacionais da Presidência. Se o substituto de Araújo tiver que responder a qualquer um desses dois, ou a ambos, pouco ou nada vai mudar na política externa do governo Bolsonaro.

O deputado e o assessor especial são fortemente influenciados pelas "ideias" do astrólogo Olavo de Carvalho, que vive nos Estados Unidos. E, a partir delas, tornaram-se os principais artífices da política externa "antiglobalista" do atual governo.

O termo "antiglobalista" escancara o caráter essencialmente ideológico das relações do Brasil de Jair Bolsonaro com o resto do mundo. Isso levou a alianças com outros países baseadas no alinhamento político e em questões culturais, deixando a defesa de interesses nacionais concretos para segundo plano — ou relegados à atuação de ministérios como o da Agricultura, sob o comando de Tereza Cristina, ou de Rogério Marinho, do Desenvolvimento.

"Globalismo", no entendimento da tríade Eduardo Bolsonaro - Filipe Martins - Ernesto Araújo, é uma conspiração internacional composta por esquerdistas infiltrados em instituições multilaterais e por governos comunistas, principalmente o da China, e cujo objetivo seria tolher a liberdade dos povos e impor o marxismo às nações.

Um estudo realizado por pesquisadores do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo e da FGV-SP, encabeçado por Feliciano de Sá Guimarães, analisou centenas de discursos e entrevistas dos principais formuladores da política externa brasileira. O resultado demonstra o quanto a paranoia da conspiração globalista domina a narrativa dos ideólogos da política externa bolsonarista.

Nos discursos e entrevistas sobre política externa de Eduardo Bolsonaro, as palavras "globalismo" e "marxismo" apareceram em 58,3% dos parágrafos. Nos de Filipe Martins, "globalismo" foi a expressão mais frequente, presente em 47,6% dos parágrafos. No caso de Ernesto Araújo, o termo "instituições internacionais" apareceu em 39,4% dos parágrafos, "marxismo", em 20,45%, e "globalismo" em 19,7%.

Ou seja, Eduardo Bolsonaro e Filipe Martins são ainda mais obcecados com a teoria conspiratória do globalismo do que o próprio Ernesto Araújo.

Martins também está balançando no cargo — ainda que possa ter ganhado sobrevida com a queda de Araújo. Na semana passada, sua cabeça foi colocada a prêmio depois que foi flagrado fazendo um gesto muito usado por neonazistas americanos na presença do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Mas nada indica, por enquanto, que Eduardo Bolsonaro perderá sua influência junto ao pai, que não se interessa por assuntos internacionais, na formulação da política externa brasileira. Enquanto essa influência existir, trocar o ministro das Relações Exteriores não vai mudar a política externa bolsonarista.