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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro atrasou a retomada de empregos ao atrapalhar o combate à covid

Presidente Jair Bolsonaro provoca aglomeração de seus apoiadores no "cercadinho" do Palácio da Alvorada - Gabriela Biló/Estadão Conteúdo
Presidente Jair Bolsonaro provoca aglomeração de seus apoiadores no "cercadinho" do Palácio da Alvorada Imagem: Gabriela Biló/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

28/07/2020 13h27

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O Brasil perdeu quase 1,2 milhão de postos de trabalho com carteira assinada no primeiro semestre por conta da pandemia, de acordo com dados do Caged (base do governo federal que registra contratações e demissões) divulgados nesta terça (28).

Ao mesmo tempo, 19,4 milhões de pessoas que estão fora da força de trabalho gostariam de trabalhar, mas não procuraram serviço por causa da pandemia ou por não encontrarem nada na localidade onde moravam, segundo a PNAD Covid.

A taxa de desemprego oficial deve saltar nos próximos meses quando a massa que está em casa por conta do coronavírus for às ruas, considerando que o indicador é medido com base na estimativa dos que procuram por serviço.

É um cenário de terra arrasada e um desafio para qualquer governante que fez a lição de casa. Para Jair Bolsonaro (sem partido), contudo, é problema dos outros, não dele. Foi eleito para proteger o emprego de sua família, não os dos outros brasileiros.

Pelo contrário, continua praticando o seu esporte preferido: o arremesso de responsabilidade para terceiros. O alvo da vez foi o governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), que sugeriu a ele um pacto pelo emprego e ouviu como resposta uma crítica por manter a quarentena em seu Estado.

O presidente fez duas apostas arriscadas: que a covid seria uma "gripezinha" e, caso não fosse, que a população ficaria mais insatisfeita com seu governo por conta de uma economia na lama do que por dezenas de milhares de mortos.

Do ponto de vista frio e calculista, ele tinha certa razão - uma vez que baixa indignação por mais de 87 mil mortos não está à altura de um povo que se acha solidário. O problema é que esse cálculo egoísta, pensando em sua reeleição, piorou a situação.

Ele acabou pressionando o quanto pode para que as pessoas voltassem à normalidade, ainda que colocando vidas em risco. Bombou elixir mágico, não criou medidas efetivas de proteção à micro e pequena empresa, trocou técnicos por militares no Ministério da Saúde. Enquanto médicos pediam isolamento, ele conclamou todos a ocuparem as ruas e foi prontamente atendido por ai-cinquers e lebloners.

Baseado em uma mentira que contou à exaustão (de que o Supremo Tribunal Federal afirmou que a responsabilidade pela política contra a pandemia era apenas de Estados e municípios), o presidente da República se omitiu.

A ausência de liderança nacional impediu que o país contasse com um planejamento para entrada e saída da quarentena, com abertura e fechamento de atividades econômicas, por região, baseadas em indicadores científicos - como fizeram outros países que se fecharam na hora certa e já estão retomando de forma segura e sustentável.

Com isso, Bolsonaro retardou o retorno do Brasil a um novo normal. Números de mortes mostram que estamos em um platô. Poderíamos culpar o fato de sermos um país continental e determinadas áreas estarem entrando apenas agora na fase mais aguda da pandemia, mas Estados como São Paulo ainda sofrem com um alto número de óbitos diários.

Ajudou a prorrogar a pandemia desnecessariamente e, com isso, atrasou a criação de empregos.

Caso o presidente tivesse adotado um comportamento responsável e se guiado pela ciência, com diálogo com outros entes da federação, o contexto seria outro e estaríamos, como sugeriu Dino, sentando para traçar os planos da reconstrução. Bolsonaro poderia sair dessa como um "herói de guerra", uma vez que a popularidade de governantes em tempos como este tende a subir diante de ações práticas.

Na verdade, sua aprovação só não despencou por conta do pagamento do auxílio emergencial aos trabalhadores informais, uma vez que o apoio dado a ele por uma parte significativa da classe média simplesmente derreteu com seu terraplanismo sanitário.

Ele vai dizer que, por sua causa, o Brasil não parou. É verdade. E agora sofremos as consequências disso.

O médico e neurocientista Miguel Nicolelis, em uma entrevista que concedeu a Carlos Madeiro e a mim no UOL, afirmou que a crise atual vai ser lembrada como a "maior guerra da história do Brasil". O azar é que isso aconteceu enquanto temos no comando alguém que age em nome do inimigo.