Tribunal da internet ignora 'atenuante' ao condenar juíza que gritou em SC
Após um vídeo que mostra a juíza substituta da Vara do Trabalho de Xanxerê, em Santa Catarina, gritando com uma testemunha viralizar, Kismara Brustolin foi condenada no tribunal das redes sociais. O julgamento célere sobre a grosseria acabou ignorando um "atenuante": problemas na saúde mental da magistrada, que são acompanhados por seu empregador, a Justiça. Isso não justifica o constrangimento, mas ajuda a explicar o que aconteceu.
E levanta uma reflexão importante sobre como lidar com situações de transtorno psicológico no local de trabalho.
Em uma audiência por videoconferência, no dia 14 de novembro, Brustolin gritou com uma das testemunhas, exigindo que ele a chamasse de "excelência". Ainda chama o homem de "bocudo" e, por fim, o retira da audiência e determina que sua participação seja desconsiderada porque "faltou com a educação". O vídeo é, realmente, degradante.
A OAB em Santa Catarina chamou o caso de "lamentável" e pediu providências. Tanto a Corregedoria do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região quanto o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vão apurar o caso.
A coluna tentou conversar com a juíza, mas não teve sucesso. Nesta quarta (29), ela entrou com um pedido de afastamento para tratamento de saúde.
As condições que desaguaram nessa audiência constrangedora começaram, contudo, muito tempo antes.
A coluna falou com colegas de trabalho e pessoas próximas à magistrada que afirmaram que Kismara Brustolin é uma profissional dedicada, mas realiza tratamento para problemas de saúde mental. Segundo eles, ela tem transtorno bipolar diagnosticado e conta com acompanhamento médico.
A juíza chegou a ficar quase 24 meses afastada, entre idas e vindas, em um período de cerca de cinco anos por conta disso.
Depois, foi solicitada a sua readaptação funcional. No retorno, permaneceu afastada de audiências com o público, dedicando-se a despachos e sentenças por um ano. Passou, então, por um procedimento de avaliação, e um laudo de uma junta com três médicos a considerou apta a reassumir todas as funções.
Voltou, com isso, a fazer audiências. Mas, segundo os ouvidos pela coluna, demonstrou sinais de que não estaria bem. Tanto que outro advogado criticou à coluna o comportamento da juíza após o retorno. Até que ocorreu o caso de 14 de novembro.
Ela poderia ter optado pela aposentadoria por invalidez, mas decidiu por continuar trabalhando. Duas das fontes afirmaram que, quando ela se sentia bem, parava de tomar remédios por causa dos efeitos colaterais.
Agora, o TRT-12 voltou a retirá-la do contato com o público, mantendo-a no proferimento de sentenças e despachos. O tribunal, que é o representante do empregador de Kismara Brustolin, ou seja, da União, disse, em nota, que uma nova avaliação da condição de saúde pode ser realizada.
"A suspensão da realização de audiências deverá ser mantida até a conclusão do procedimento apuratório de irregularidade ou eventual verificação de incapacidade da magistrada, com o seu integral afastamento médico."
Hoje é possível que, ao invés de aposentadoria por invalidez, o magistrado com problemas de saúde mental continue trabalhando por tempo indeterminado em despachos ou sentenças, sem realizar audiências. O que é uma saída mais humana por garantir que a pessoa tenha sua dignidade assegurada e continue sendo útil para a sociedade, sem riscos de problemas no contato com o público.
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Quero receberCom tratamento, é possível exercer atividade produtiva
Mais do que o linchamento que ocupou as redes sociais, o caso é importante para refletir sobre a inserção de pessoas com transtornos mentais. Especialistas apontam que a antiga separação de alguém entre capaz e incapaz não é mais aplicável. A vida produtiva depende de muitos fatores, como a rede de suporte e acompanhamento médico.
Seria o equivalente a dizer que alguém com depressão ou ansiedade, mesmo medicado, não pode ter uma vida plena e produtiva.
"Transtornos mentais, mesmo os considerados mais graves, frequentemente contam com um conjunto de tratamentos que amenizam ou controlam os sintomas, da psicoterapia à medicação. Em muitos casos, isso é suficiente para a pessoa voltar a exercer suas atividades laborais e ter uma vida de independência."
A avaliação é de Christian Dunker, psicanalista e professor titular do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
Segundo ele, há reviravoltas na vida que fazem sintomas reaparecerem. E como o tratamento é longo, muitos se descuidam. Não raro abandonam os remédios, querendo fugir os efeitos colaterais, e têm recaídas. O processo não é muito diferente do que é encontrado em muitos outros transtornos.
À coluna o TRT-12 afirmou, através de sua assessoria, que conta com um setor de atendimento psicossocial para acolher magistrados, funcionários e terceirizados. Essa seção realiza um acompanhamento a profissionais durante licença ou períodos de restrição ao trabalho. Segundo o tribunal, no caso da magistrada, ela foi acompanhada por uma psicóloga durante a licença.