Rico também pega dengue - e isso pode lembrar que mudança climática existe
São Paulo, que confirmou 31 mortes por dengue em 2024 e analisa outras 122, decretou estado de emergência por causa da doença. Apesar da covid-19 registrar mais casos e óbitos (pessoal, vacine-se!), e ser bem mais letal, a dengue incapacita por um longo período. Quem já pegou, como eu, sabe como é sofrido.
O país já registrou mais de um milhão de casos apenas nos dois primeiros meses do ano, mais da metade do total de 2023. O aumento no número de infecções, que costumamos ver lá pelo mês de abril, ocorreu em janeiro.
Corrobora para o caos o fato de os sorotipos da doença que estão circulando hoje terem ficado um bom tempo sem dar as caras por aqui, pegando uma populacão despreparada, sem imunidade.
E os governos municipais, estaduais e federal também falharam na prevenção, tirando o pé do acelerador das campanhas de informação e, principalmente, em sua responsabilidade ação por combater criadouros de larvas. A pandemia do coronavírus mexeu com a estrutura de saúde preventiva, mas governantes precisam se lembrar que doenças não esperam outras para agir.
Mas o aquecimento do planeta têm um papel fundamental em esticar o ciclo do mosquito. O El Niño anabolizado pelas mudanças climáticas aumentou o período quente, fazendo a festa do cretino do Aedes aegypt, que está vivendo mais, trepando mais e picando mais.
A dengue é apenas uma, mas outras doenças também crescem ou surgem com as mudanças climáticas.
A maior parte do mundo brada em discursos que é necessário implementar uma economia de baixo carbono, mas, na prática, as ações nesse sentido são insignificantes diante do futuro cagado que nos espera. Quantos vão sofrer ou morrer por impactos indiretos do aquecimento global?
Mesmo o governo Lula, que tenta fomentar mudanças globalmente, por aqui não abre mão de explorar petróleo na costa marítima da Amazônia, mesmo que os estudos de impacto não tenham sido concluídos e as salvaguardar plenamente adotadas. E uma parte significativa do Congresso Nacional sonha com o dia em transformar a Amazônia em um shopping center.
O avanço sobre as florestas não apenas joga mais carbono na atmosfera e muda o clima do planeta, mas também libera patógenos que estavam na deles sem contato com seres humanos. Sim, a substituicão de cobertura vegetal originária por plantações, pastos, garimpos e áreas de mineração é uma fábrica de arbovírus e epidemias.
Como a farmacêutica japonesa Takeda, que produz a Qdenga, a vacina contra a dengue que está sendo distribuída pelo SUS, não tem capacidade de produção para cobrir a demanda brasileira (serão apenas 3,2 milhões de beneficiários neste momento) e como a vacina que está sendo desenvolvida há anos pelo Instituto Butantan é só para 2025, o jeito é se prevenir pela moda antiga.
Mas parte da prevenção está na mudança desse modelo tosco de desenvolvimento.
A dengue é mais democrática que deslizamentos de terra, inundações de casas, secas que causam fome e outras tragédias bombadas pelas mudanças climáticas porque o mosquito não vê diferença entre o Jardim Europa e o Leblon do extremo leste de São Paulo ou do extremo oeste do Rio. Claro que é mais fácil ser picado em locais que o poder público esqueceu e é óbvio que o atendimento em hospitais de ponta no centro é mais confortável que em postos de saúde lotados na periferia. Mas a febre é igual para todos.
Talvez entendendo na pele a relação de danos ao meio ambiente e a proliferação de doenças tropicais, alguns ricos, poderosos e formadores de opinião flexibilizem o seu negacionismo e passem a entender que um mundo na merda vai feder para todos.