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Com medo da violência, taxistas evitam o 'triângulo das bermudas' paulista

Camila Neumam

Do UOL, em São Paulo

30/11/2012 10h26

“Não é querer ser separatista, mas infelizmente a gente evita o 'triângulo das bermudas', que são os fundões da zona leste, sul e oeste, para não ser mais uma estatística”, diz Luiz Carlos Borges, 59, há 26 anos taxista em São Paulo.

Táxi é alvejado por dois tiros na zona sul de São Paulo

  • Arquivo pessoal

    Veja como foi o incidente e o que aconteceu depois

Borges se refere ao medo de ser mais uma vítima da onda de violência que atinge a capital paulista e cidades da Grande São Paulo como Santo André, São Bernardo, Diadema, Guarulhos e Osasco desde maio, com aumento progressivo dos ataques contra policiais e civis em outubro.

Segundo a SSP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo), de janeiro a outubro deste ano, o número de vítimas de homicídio doloso (com intenção de matar) na capital paulista já ultrapassa o total de mortes de 2011: 1.157 frente a 1.069 do ano anterior.

Na Grande São Paulo, de janeiro a outubro de 2012 já foram contabilizadas 1.016 vítimas de homicídio doloso, sem contar os casos da capital, ante 1.141 de 2011.

A grande maioria das chacinas ocorre nas regiões periféricas e de madrugada, horário em que o veterano taxista desistiu de trabalhar.

De onde vem o tiro

Borges, que trabalha em um ponto de táxi próximo à movimentada avenida Rebouças, na zona oeste de São Paulo, faz jornada diária “até as 22h” por considerar mais seguro. Diante do aumento da violência, preferiu mudar a rotina, tendo de ser mais seletivo com os clientes.

“Aumentou a preocupação com essa cascata de violência, porque a gente não sabe de onde vem o tiro. A gente evita esses pontos mais críticos com ou sem passageiro. E, se eu não for com a cara dele, não vou me arriscar”, disse.

Quem passou pelo terror que Borges tanto evita foi Ricardo Navas, 48, taxista há 21 anos. Seu carro de quatro portas foi alvejado com dois tiros enquanto ele seguia rumo ao bairro de Pedreira, na zona sul, quase na divisa com Diadema, para buscar um passageiro. Eram 3h20 de 27 de outubro, um sábado.

Sozinho em uma estrada quase deserta, ele viu uma moto com dois homens passar por ele, quando o criminoso que estava na garupa sacou a arma e atirou.

Diadema já computou 42 casos de homicídio doloso neste ano, frente aos 38 casos de 2011. Outubro foi o mês com o maior número de mortes (11) de 2012 até então, de acordo com a SSP.

Dou desculpa, mas não vou

Dário Gonçalves de Macedo, 57, já tem uma resposta na ponta da língua para evitar os passageiros que querem ir a alguma região "do triângulo".

“A gente dá uma desculpa, diz que está ocupado, esperando alguém de alguma empresa para não dizer diretamente”, afirmou.

Há 25 anos no trabalho de taxista, Macedo disse estar assustado com os atentados, embora já tivesse o costume de evitar regiões periféricas à noite.

“A gente já tinha essa restrição, mas agora aumentou por causa da violência”, disse Macedo.

Morador de Osasco, o taxista Luciano Félix, 30, prefere não pegar nem levar passageiros para a sua cidade para evitar riscos. Ele mora próximo ao bairro Rochdale, onde 11 pessoas foram mortas em uma chacina em outubro. Há cinco anos prefere trabalhar em um ponto na zona oeste de São Paulo.

Segundo a SSP, até outubro deste ano, 69 pessoas foram mortas em Osasco, número que deve ultrapassar os 77 mortos de 2011.

“Eu moro há 18 anos em Osasco, mas tenho de evitar a minha própria cidade porque estou com medo. Só espero que essa onde acabe e que a gente volte a ter uma vida normal”, disse.

Assim como os demais, Félix preferiu abdicar de viagens para o Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, e para a cidade de Taboão da Serra (Grande São Paulo).

“Dificilmente a gente sabe aonde o passageiro vai antes de ele entrar no carro, mas, se for uma corrida dessas, eu falo educadamente que não dá.”

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Sindicato de Guarulhos chama a polícia

Situação semelhante acontece com Diego Rodrigues de Lima, 30, morador de Guarulhos, que prefere taxiar na capital paulista.

“Eu moro em Guarulhos há 24 anos e lá está problemático também. Só vou para lá para ir para casa - e nem paro”, disse.

Lima prefere trabalhar na rua de dia e fazer somente corridas agendadas à noite. “Fui hoje para Barueri (Grande São Paulo) porque era dia. Se eu puder evitar, não vou à noite.”

Guarulhos é uma das cidades com o maior número de mortes nos últimos meses. Somente neste ano, foram 155 casos de homicídio doloso. Em 2011, foram 214.

A Operação Saturação da PM (Polícia Militar), feita para conter a onda de violência, realizou mais de 6.000 abordagens na cidade, de 7 de novembro até a última segunda-feira (26), em busca de criminosos, armas e drogas.

Como precaução, o Sindicato dos Taxistas Autônomos de Guarulhos enviou em setembro um ofício para a 15ª Delegacia de Polícia da cidade pedindo reforço do patrulhamento nas ruas, principalmente na periferia.

Segundo o presidente do sindicato, Robson de Jesus Xavier, 41, sempre houve uma preocupação da categoria na hora de trabalhar nos bairros mais violentos, e ela permanece agora, embora não tenha havido violência diretamente a taxistas na cidade.

“Lógico que temos uma preocupação, porque os taxistas trabalham à noite, mas não chegou nada a mim sobre atentado ou assalto porque a maioria trabalha no centro”, disse.

Fernando Assunção, 47, presidente da Guaru Ligue Táxi, empresa de radiotáxi que atua na cidade, observou mudanças na rotina desde o começo dos ataques. Uma delas chama a atenção pelo aspecto positivo: o número de chamadas aumentou muito na madrugada no último mês. Por outro lado, aumentaram também as reclamações dos clientes que dizem não conseguir pegar um táxi na rua porque os carros não param.

“Eu não tenho controle do táxi que está na rua, mas temos ouvido as reclamações de que os taxistas não estão parando na rua e que os pontos estão vazios. Acho que é por medo da onda de violência mesmo”, disse Assunção.

Adianta evitar?

Para Suely Soares de Souza, 57, diretora social do Sindicato dos Taxistas Autônomos de São Paulo, não adianta o profissional evitar alguns bairros porque não existem mais áreas de risco específicas em São Paulo.

“Infelizmente o taxista não tem como sair dessa. Fala que vai evitar a área, mas que área? Ele vai a uma que se sente seguro, mas pode pegar um passageiro que é um marginal. Como saber qual é a área de risco se um dia matam uns em um lugar e depois em outro?”

Segundo Souza, independentemente de qual seja situação, a recomendação é não reagir à violência. “A gente pede para não revidar, entregar tudo, em nome da vida”, disse Souza.

Alguns macetes, no entanto, podem ajudar o taxista a evitar possíveis perigos, ensina Ivan Fernandes, presidente da Abratáxi (Associação Brasileira de Táxi).

“Nós temos alguns cuidados, embora cada um tenha sua forma de se proteger. Tem alguns que preferem pegar passageiros mais velhos e evitar os mais jovens, principalmente se forem dois homens. A gente acaba criando um perfil, não pela vestimenta, porque a gente não quer discriminar, mas até o linguajar conta”, disse  Fernandes.