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"Motoristas estão mais agressivos", diz ciclista que sobreviveu a atropelamento em massa no RS

O ciclista Marcelo Guidoux Kalil, de Porto Alegre - Arquivo pessoal
O ciclista Marcelo Guidoux Kalil, de Porto Alegre Imagem: Arquivo pessoal

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

03/05/2013 06h00

Pouco mais de dois anos após o atropelamento de um grupo de ciclistas em Porto Alegre, em fevereiro de 2011, a discussão sobre o uso da bicicleta como meio de transporte nas grandes cidades brasileiras não foi convertida em ações práticas para o aumento da segurança de seus usuários e ainda viu Rio e São Paulo sofrerem com seguidos episódios que resultaram na morte de ciclistas.

“O debate e os comportamentos estão muito mais polarizados, mais acirrados. Vejo muita gente mais consciente em mais cuidadosa como ciclista e em relação ao ciclista, mas também muita gente mais agressiva --especialmente motoristas profissionais, como taxistas e de ônibus do transporte coletivo”.

A opinião é do cozinheiro Marcelo Guidoux Kalil, 33, que usa a bicicleta como meio de transporte há dez anos, apesar de possuir carro, e que estava na pedalada promovida pelo coletivo “Massa Crítica” quando 17 pessoas se feriram com o avanço do carro dirigido pelo funcionário público Ricardo Neis.

O motorista pode ir a júri popular este ano --a data está para ser marcada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ele responde por 11 tentativas de homicídio, já que, para o juiz relator do caso, parte do grupo se feriu atingida por bicicletas.

Kalil viu toda a cena do atropelamento, mas não ficou ferido –diferentemente da companheira, que teve o pé fraturado.

“Na hora fiquei atordoado vendo aquelas pessoas todas sendo atropeladas. Hoje, o que percebo é que quem usa um automóvel para agredir ou matar não é tratado da mesma forma com a qual é tratado quem usa um revólver ou outra arma –e deveria ser, porque um carro pode ser usado como uma arma”, avaliou.

Além de Porto Alegre, capitais como São Paulo e Rio também foram palco de acidentes graves entre veículos automotores e bicicletas recentemente –com quatro mortes em um período de aproximadamente quatro semanas.

Se mesmo assim, e depois do acidente de 2011, ele ainda usa a bicicleta? Kalil garantiu que sim.

“Mais do que nunca. Não posso deixar de fazer as coisas por medo , tenho que lutar por aquilo em que acredito. Quero uma cidade mais justa, com um trânsito menos violento, então deixo o carro em casa e vou trabalhar de bike ou a pé”, disse o cicloativista. “E motorista em Porto Alegre é cheio de tirar a ‘fina educativa’ do ciclista –infração que mostra o quanto o pessoal anda impaciente e intolerante”, relatou.

Mortes em SP e Rio

Além do atropelamento coletivo em Porto Alegre, acidentes graves envolvendo ciclistas também marcaram as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro desde então.

Só nas últimas quatro semanas, sozinhas, as duas capitais tiveram quatro mortes –duas em cada.

Ciclista morre após bater em ônibus em São Paulo

No Rio, as mortes foram registradas ambas na zona sul. A primeira, ocorrida no dia 1º de abril, foi da jornalista Gisela Matta, produtora do programa "Amor e sexo", da TV Globo. Ela morreu no hospital depois de ter sido atropelada no Leblon.

A outra vítima fatal no Rio foi o triatleta Pedro Nikolay, morto na madrugada do último dia 30 de abril ao ser atingido por um ônibus do transporte coletivo em Ipanema. No dia seguinte, outro triatleta foi atropelado na capital fluminense –mas na zona norte, e sem gravidade.

Em São Paulo, as duas mortes ocorreram em um intervalo de apenas seis dias. No dia 25 de abril, Gerson de Souza Pinto morreu atropelado por um caminhão por volta das 11h45 no Ipiranga, zona sul.

No dia 1º de maio, um ciclista ainda não identificado morreu após ser atropelado por um ônibus no Pari, região central da cidade.

Também na capital paulista, no dia 10 de março deste ano, o auxiliar de limpeza David Santos Sousa foi atropelado na avenida Paulista e teve o braço arrancado com o impacto da batida. O jovem que o atropelou, o estudante Alex Siwek, também de 21 anos, fugiu sem prestar socorro, se apresentou, ficou 12 dias preso, e obteve liberdade provisória.

Entidades reclamam da "falta de políticas públicas" em SP e Rio

Para o diretor geral da ONG paulistana Ciclocidade, Thiago Benicchio, o número de ciclistas mortos no trânsito da cidade desde 2005 vem caindo –à exceção de 2012, com 52 mortes, contra 49 no ano anterior.

“Muito dessa diminuição é reflexo da visibilidade do assunto na sociedade e da preocupação das pessoas, e não de políticas públicas consistentes”, destacou.

A ONG aguarda para ainda este mês, por parte da Prefeitura de São Paulo, o anúncio de uma campanha de comunicação pelo reforço dos direitos dos ciclistas e, ainda para este ano, participação de setores da sociedade em projetos do Grupo de Trabalho Pró-Ciclista –constituído basicamente por órgãos e empresas municipais, como subprefeituras, Secretaria de Obras e ECT (Companhia de Engenharia de Tráfego). Para o orçamento 2014, a expectativa é por mais verbas destinadas a ciclofaixas e ciclovias.

Câmera de segurança flagra atropelamento de triatleta no Rio

“Hoje o que temos são iniciativas isoladas, mas isso tudo não se amarra em uma política pública. E é preciso ter mais velocidade nisso, pois as mortes estão ocorrendo”, observou.

No Rio, o presidente da Federação Estadual de Ciclismo do Estado, Claudio Santos, também se queixou do que considerou falta de políticas públicas ao setor –ainda que a capital fluminense tenha atualmente a maior malha cicloviária do país, com 305 km, e a segunda da América Latina, atrás apenas de Bogotá.

“Alguns condutores não têm a menor responsabilidade de que a força de um carro sempre será desproporcional à de uma bicicleta. Mas, no caso dos atletas, a Prefeitura do Rio desmontou o velódromo onde eles treinavam, na Barra (zona oeste), e agora eles estão jogados nas ruas à mercê dos automóveis”, declarou.

Santos disse temer por novas mortes envolvendo atletas, como a do mês passado. “Se você não tem local para treinar e seu treino é seu trabalho, só restam duas opções: parar de trabalhar ou trabalhar. Se houver mais mortes, elas terão que ser anotadas na conta do prefeito Eduardo Paes”.

A reportagem fez contato com a assessoria de imprensa da Prefeitura do Rio, que transferiu o assunto à Empresa Olímpica Municipal.

Em nota, a empresa informou que a “desmontagem do Velódromo, localizado no terreno onde está sendo construído o Parque Olímpico Rio 2016 da Barra”, começou no último dia 6 de março.

Ainda conforme a nota, a concessionária Rio Mais faz o trabalho de desmontagem comprazo de conclusão de “aproximadamente 12 semanas”. “Após a retirada da instalação esportiva, que será reaproveitada em outra cidade do país a cargo do Ministério dos Esportes, o terreno será limpo e nivelado”.

“A decisão pela desmontagem foi tomada em conjunto com o Comitê Rio 2016 e o governo federal, após diversas análises. A União Ciclística Internacional (UCI), entidade responsável pela regulamentação das competições de ciclismo, julgou o antigo Velódromo inadequado para os Jogos Olímpicos de 2016, por não atender aos requisitos para as competições olímpicas. Essa avaliação foi feita em 2012 pelo setor técnico da UCI. O Comitê Olímpico Brasileiro (COB) se comprometeu a viabilizar alternativa para o treinamento dos atletas.”

Ainda segundo a empresa, um novo velódromo, “que atenda às especificações da UCI para competições olímpicas”, será construído para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016 com obras previstas para começar no próximo semestre.