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Desastre em Mariana foi maior acidente com resíduo de mineração em 30 anos

O rompimento da barragem de Buffalo Creek, em 1972, causou a morte de 118 pessoas nos Estados Unidos - Divulgação
O rompimento da barragem de Buffalo Creek, em 1972, causou a morte de 118 pessoas nos Estados Unidos Imagem: Divulgação

Flávio Ilha

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

27/11/2015 11h00

Os 11 corpos identificados, dois outros encontrados e a lista de oito desaparecidos, além de uma onda de lama e rejeitos que percorreu cerca de 500 km, tornam o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), o maior desastre com resíduos de mineração dos últimos 30 anos em todo o mundo. Em julho de 1985, a ruptura da barragem de Stava, na Itália, causou a morte de 268 pessoas.

Mais comuns do que se imagina, os acidentes com barragens em geral revelam deficiências no manejo dessas estruturas e descaso com a legislação -- quando ela existe. Na China, em 1975, o rompimento de duas grandes barragens, sucedido pela ruptura de outras 62 estruturas secundárias, causou a morte, direta ou indiretamente, de 230 mil pessoas.

Especialistas ouvidos pelo UOL estimaram entre 20 e 30 desses eventos a cada década, com maior ou menor impacto socioambiental. No Brasil, a política de segurança em barragens foi instituída apenas em 2012, mas a maioria dos órgãos de fiscalização do país ainda não regulamentou sua aplicação.

“O Brasil constrói excelentes barragens, não há dúvida. Temos tecnologia para isso. Mas será que estamos instrumentalizando bem nossas estruturas? Barragem com resíduo de minério tem que olhar todo dia, constantemente, porque o material nunca é o mesmo, está sempre mudando”, pondera o engenheiro de minas Milton Carriconde, que já atuou em grandes empreendimentos e foi consultor da CRM (Companhia Riograndense de Mineração).

O último grande acidente havia ocorrido no Canadá, quando a barragem da mineradora Imperial Metals rompeu em Mount Polley, na Columbia Britânica, e liberou 14,5 milhões de metros cúbicos de resíduos, dos quais 4,5 milhões de areia contaminada. Não houve registro de mortes. O rompimento do dique do Fundão liberou 62 milhões de metros cúbicos de lama.

Autor de uma dissertação de mestrado na Unicamp (Universidade de Campinas) sobre segurança em barragens, o engenheiro civil Daniel Prenda de Aguiar diz que não é possível determinar uma causa comum, ou determinante, nos vários acidentes relatados ao redor do mundo (veja os casos).

“São estruturas muito particulares. Embora existam métodos consagrados na engenharia de construção, cada empreendimento possui suas especificidades. O que é possível afirmar é que alguns tipos de barramentos, devido ao material de construção, são mais suscetíveis a determinadas falhas. Em barragens de terra, por exemplo, a ocorrência de processos erosivos é mais preocupante”, avalia.

A Política Nacional de Segurança em Barragens foi instituída pela lei 12.334, regulamentada em 2012, e por mais duas portarias e duas resoluções que criam, entre outras medidas, um cadastro de represas usadas para mineração, um plano de segurança e uma classificação por categoria de risco.

A ANA (Agência Nacional de Águas) é responsável pela elaboração de relatórios anuais sobre a eficácia do plano, mas quem fiscaliza a contenção de rejeitos minerais é o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral).

Apesar de representarem apenas 5% das quase 15 mil barragens cadastradas na ANA, as estruturas para contenção de rejeitos de mineração são as mais potencialmente perigosas. Segundo o relatório de segurança referente a 2014 (com dados coletados entre outubro de 2103 e setembro do ano passado, os mais recentes à disposição), todas as 663 barragens para contenção de rejeitos de mineração apresentam categoria de risco e dano potencial associado. Dessas, 128 têm risco médio ou alto.

Segundo Aguiar, o problema está em que grande parte das 19 entidades fiscalizadoras – estaduais ou federais – ainda não regulamentou a lei, deixando dúvidas aos empreendedores sobre o tipo de exigência que terão daqui para a frente. O engenheiro diz que o cenário brasileiro é de “incerteza”.

“Antes da Política Nacional de Segurança em Barragens existia uma grande deficiência com relação à atribuição de responsabilidades. Tudo isso foi suprido pela lei, mas é bom lembrar que estamos falando de dois, três anos atrás, enquanto as legislações de Portugal e Estados Unidos, por exemplo, são dos anos 1980. O fato de que menos de 15% das barragens foram classificadas de acordo com critérios de risco expõe uma incerteza quanto ao cenário brasileiro, mas não há dados suficientes para dizer se há risco”, avalia o especialista.

Aguiar classifica o desastre de Mariana como “fatalidade”. Segundo o engenheiro, empreendimentos desse porte possuem muita energia potencial armazenada que resulta, invariavelmente, em consequências desastrosas. “Por isso é tão importante o trabalho de fiscalização. Estamos no caminho certo, mas ainda há muito que fazer para cadastrar e, principalmente, classificar essas estruturas segundo o risco e o dano potencial”, diz.

O professor Marcelo Giulian Marques, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, também avalia que o risco é inerente à atividade, mas pode ser bastante minimizado. “Não há uma barragem ideal. Cada uma é diferente da outra em função dos aspectos topográficos, geológicos, hidrológicos, econômicos, dos equipamentos disponíveis para a construção, das características ambientais, de segurança, entre outras variáveis. Todos esses itens devem ser considerados no projeto, durante a construção, na operação e também nas inspeções como forma de minimizar os riscos”, diz.

Grandes acidentes com barragens industriais
 

Orós (Brasil)

O rompimento ocorreu quando a barragem, localizada no Ceará, estava sendo construída. Em formato semicircular, tinha 54 metros de altura e 620 metros de comprimento. Em 25 de março de 1960, uma onda de cheia galgou a estrutura depois de 24 horas de chuva ininterrupta. Oficialmente, a enchente que atingiu o vale do Jaguaribe, localizado 75 quilômetros a jusante do barramento, não causou vítimas. Mas alguns especialistas mencionam entre 50 e 100 mortes indiretas devido à catástrofe.

Mufulira (Zâmbia)

Em setembro de 1970 a barragem da mina de Mufulira, na Zâmbia, se rompeu e arrastou um milhão de toneladas de resíduos tóxicos sobre a equipe que trabalhava no turno da noite. Morreram no acidente 89 mineiros.

Buffalo Creek (EUA)

A mais mortífera inundação dos Estados Unidos ocorreu em 1972, matando 118 pessoas -- das quais sete corpos nunca foram encontrados -- e deixando 4 mil sem teto. A inundação foi causada pelo rompimento da barragem da mineradora Pittston Coal Company, na Virgínia – o acidente ocorreu quatro dias depois da inspetoria federal ter declarado a mina “satisfatória”.

Ban Qiao (China)

O acidente mais catastrófico da história foi o rompimento dos barramentos de Ban Qiao e Shimantan. Ambas foram construídas em 1950. Um evento natural com tempo de recorrência estimado de 2.000 anos provocou seu transbordo em 1975. As inundações provocadas pelo galgamento das duas grandes barragens e de 62 menores teriam matado 230 mil pessoas – número que levou em conta as vítimas indiretas de doenças e da fome.

Teton (EUA)

Concluída em 1975, seu enchimento continuou até o ano seguinte, quando se deu a ruptura, em junho de 1976. Era uma estrutura de terra com 93 metros de altura que se rompeu devido à erosão interna provocada pela percolação de água através do maciço. Não demorou mais de duas horas entre a detecção do problema e o rompimento, que causou uma cheia em que 11 pessoas morreram.

Stava (Itália)

Em julho de 1985 a bacia de decantação da mineradora Prestavel, na região do Trento, se rompeu e derramou 180 mil metros cúbicos de lama na pequena localidade Stava, provocando a morte de 268 pessoas. A enxurrada desceu a encosta a uma velocidade superior a 90 quilômetros por hora, arrasando a vila. Poucos moradores conseguiram escapar da tragédia.

Merriespruit (África do Sul)

Em fevereiro de 1994 a barragem da mineradora Harmony Gold se rompeu no subúrbio de Merriestruip, a na África do Sul, após 50 mm de chuva em pouco mais de 30 minutos. Mais de 600 mil metros cúbicos de resíduos foram lançados a jusante por uma distância de quatro quilômetros. Morreram 17 pessoas.

Ajka (Hungria)

Em 2010, um reservatório com resíduos tóxicos da metalúrgica MAL derramou um milhão de metros cúbicos de lama nas proximidades do povoado de Kolontár. Sete pessoas morreram e mais de 120 ficaram feridas. A lama vermelha inundou 40 mil quilômetros quadrados, mas não chegou ao rio Danúbio -- como temiam as autoridades ambientais.

Mount Polley (Canadá)

Em agosto de 2014 a barragem da mineradora Imperial Metals rompeu em Mount Polley, na Columbia Britânca, próximo a Vancouver, e liberou 14,5 milhões de metros cúbicos de resíduos, dos quais 4,5 milhões de areia contaminada. Não houve registro de mortes.