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'Dor que aperta': Petrópolis tem 4 desaparecidos e desabrigados após 1 mês

10.mar.2022 - Bombeiros seguem em busca por corpos no Rio Quitandinha, em Petrópolis (RJ) - Eduardo Anizelli/Folhapress
10.mar.2022 - Bombeiros seguem em busca por corpos no Rio Quitandinha, em Petrópolis (RJ)
Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapress

Lola Ferreira

Do UOL, no Rio

15/03/2022 04h00

"A gente vai tentando sobreviver." Um mês após o temporal que matou ao menos 223 pessoas, em 15 de fevereiro, Petrópolis (RJ) procura se reconstruir, assim como Marcelo Barbosa, 49.

Parte da encosta do Morro da Oficina —o local mais atingido da cidade serrana— engoliu a casa dele e matou sua esposa, Simone Raesk. O luto das mais de 200 pessoas se une à dor das famílias que ainda buscam quatro desaparecidos e dos 685 desabrigados e desalojados em abrigos municipais.

A busca dos Corpo de Bombeiros por quatro desaparecidos nos rios e no Morro da Oficina continua —apesar de uma das famílias relatar resgate e, posterior, desaparecimento do corpo.

Na economia, a cidade da região serrana amarga prejuízos.

Petrópolis perdeu R$ 665 milhões de seu PIB (Produto Interno Bruto), segundo estima a Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio) com base em pesquisa com 286 empresas da indústria e do comércio —65% delas dizem ter sido afetadas pelas chuvas.

Um mês depois, lojas da rua Teresa, principal polo têxtil da região, ainda não abriram as portas.

Família relata sumiço de corpo após resgate

Entre os quatro desaparecidos que o Corpo de Bombeiros procura, três estão na extensão do rio Quitandinha que corta a cidade e um, no Morro da Oficina, de acordo com a corporação.

No entanto, a família de Lucas Rufino, 21, diz ter tirado o corpo dele dos escombros no dia seguinte ao deslizamento. A Polícia Civil afirma contudo que o corpo era de outra pessoa, reconhecida por exame de digitais e já enterrado pela família.

Lucas Rufino, 21, desaparecido após as fortes chuvas que atingiram Petrópolis - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Lucas Rufino, 21, desaparecido após as fortes chuvas que atingiram Petrópolis
Imagem: Arquivo Pessoal

Ricardo Rufino, tio do rapaz, contesta a versão policial. Ele diz que Gilberto e Lucas tinham diferenças físicas notáveis, como a altura —Lucas tinha 1,92 m e Gilberto, 1,70 m— e tatuagens, que o sobrinho não possuía.

"Por mais que eu estivesse no calor da emoção, não teria ocorrido essa confusão. Tinham outras três pessoas comigo", afirma.

A Polícia Civil informou que não houve a confirmação da entrada do corpo de Lucas no IML de Petrópolis e que diligências são realizadas para esclarecer o caso.

Reconstrução após a tragédia

Entre os 685 desabrigados e desalojados em 21 abrigos da Prefeitura de Petrópolis, há quem guarde a esperança de voltar para casa.

De acordo com a administração municipal, a Defesa Civil tem feito um trabalho intenso para liberar as casas afetadas pelos deslizamentos, mas que tenham condições de moradia.

A prefeitura estima que 40 pontos foram atingidos pelo temporal. A Defesa Civil dispôs de 16 equipes para vistorias, mas ainda há 3.000 processos a serem concluídos de um total de 5.700.

São imóveis ou áreas que precisam de vistoria e laudo da Defesa Civil para atestar o risco. O órgão não informou quantos desses atendimentos resultaram em liberação ou interdição de imóveis.

Até agora, cerca de 170 famílias receberam o Aluguel Social —R$ 800 pagos pelo governo fluminense e R$ 200 pela prefeitura.

Vaquinha para tirar parentes de abrigo

Petrópolis acumula histórias de pessoas que não foram para abrigos, mas que dependem da ajuda de amigos e parentes.

Os primos Menezes, encontrados pela reportagem no dia seguinte ao deslizamento cavando a lama com as próprias mãos para encontrar dez familiares, terminaram suas buscas.

17.fev.2022 - Família Menezes buscam por familiares em Petrópolis após deslizamento - Lucas Landau/UOL - Lucas Landau/UOL
17.fev.2022 - Família Menezes buscam por familiares em Petrópolis após deslizamento
Imagem: Lucas Landau/UOL

Leandro Menezes, 36, lembra com dor dos dias em que esteve na lama, sob sol forte, em busca de respostas. Hoje lida com a falta dos primos e tios, e busca formas de auxiliar os sobreviventes.

Sua prima Andressa é mãe de dois filhos, sendo que o mais novo, de 12 anos, necessita de cuidados especiais. Ela perdeu a casa e todos os pertences e agora depende do cuidado da família para pagar o aluguel da nova moradia e arcar com os custos da criação das crianças.

"Até sair o apoio do governo, ela precisa de um teto", diz Leandro. Para isso, ele disponibilizou o próprio celular como chave PIX para arrecadar fundos.

"Somente no dia a dia para digerir tudo o que aconteceu. Minha esposa e meus filhos são minha fonte de energia, então o carinho e o amor deles me ajuda muito nesse processo."

Luto e afastamento do trabalho

Às 18h16 do dia 15 de fevereiro, Marcelo Barbosa ouviu um áudio no WhatsApp enviado por Simone —sua companheira havia 28 anos. Ela temia a forte chuva, e Marcelo tentou acalmá-la, mas já não obteve resposta. Aflito no trabalho, demorou a chegar em casa e viu um cenário de destruição.

Nos dias em que buscava por Simone, Marcelo se alimentou mal, dormiu pouco e mal olhou para si.

No primeiro dia de buscas, tentou encontrá-la com as próprias mãos —só nos dias seguintes, os bombeiros chegaram ao alto do Morro da Oficina. Com a ajuda de cães farejadores, encontraram o corpo da mulher no quarto dia de buscas.

Marcelo Barbosa tinha esperança de encontrar a esposa, Simone Raesk, viva - Lucas Landau/UOL - Lucas Landau/UOL
Marcelo Barbosa tinha esperança de encontrar a esposa, Simone Raesk, viva
Imagem: Lucas Landau/UOL

O marido viu o corpo de Simone, mas, poucas horas depois, no IML (Instituto Médico-Legal), já não se lembrava de detalhes tamanho o choque. Com o passar dos dias, ele disse que foi "piorando".

Depois de alguns "surtos", como define, a família decidiu levá-lo a um hospital. Ontem, véspera da marca do primeiro mês da tragédia, um psiquiatra decidiu afastá-lo do trabalho por mais 60 dias e iniciar uma medicação controlada.

A avaliação é de que a perda da esposa o afeta de tal forma que não permite que ele volte ao trabalho. "Agora é ver o que acontece. O médico disse que o remédio só faz efeito depois de 15 dias, vamos ver [o que acontece] porque a cada dia que passa a dor aperta mais."