Nem brasileiros, nem americanos, estudantes tentam mudar lei de imigração nos EUA
O mais perto do Brasil que Lucas e Renata estiveram nos últimos anos foi nos bate-papos em português com os familiares em casa. Ou, no máximo, quando zapeavam a TV e passavam pela Globo Internacional.
Brasileiro 'deportado' passou dois anos em depressão por causa do choque cultural
Após sete anos vivendo nos EUA, Tiago Ramos teve de reaprender a ser brasileiro aos 16 anos de idade
Lucas Codognolla, 22, saiu de Poços de Caldas, no sul de Minas Gerais, aos 9 anos e foi morar com a família em Stamford, no Estado americano de Connecticut. De lá para cá, não voltou mais ao Brasil. Sua vida se tornou tão “americana” quanto a de qualquer um que tenha nascido nos EUA.
Renata Borges Teodoro, 26, deixou Criciúma, no interior catarinense, ainda mais jovem, aos 6 anos. Em Boston, Massachusetts, se alfabetizou em inglês, fez amigos e passou a viver o “American way of life”.
O que difere Lucas e Renata dos americanos é apenas um documento. Eles se sentem americanos, mas carregam passaporte brasileiro. Pior, além de não serem cidadãos americanos, ambos não têm nem visto de permanência.
Eles conseguem estudar e trabalhar nos Estados Unidos graças a uma ordem executiva assinada pelo presidente Barack Obama chamada de Deferred Action for Childhood Arrivals (DACA ou Ação Diferida para os Chegados na Infância, em português).
A DACA determina que quem chegou aos EUA com menos de 16 anos, vive no país há mais de cinco anos consecutivos, estuda ou se formou nos EUA e não tem antecedentes criminais pode permanecer no país. E só.
Agência de notícias para de usar expressão "imigrante ilegal"
A agência de notícias americana Associated Press aboliu a expressão "imigrante ilegal" de seu manual de redação e estilo, documento que orienta como os jornalistas da empresa redigem os textos e que também é usado por outras redações e escolas do país. Com a mudança, o termo "ilegal" deve ser usado "apenas para uma ação, como morar ou migrar para um país ilegalmente" e não mais para definir pessoas
Ter direito à ordem executiva não significa ter visto permanente ou ter direito a conseguir a cidadania americana. Lucas e Renata podem continuar nos EUA, mas ainda são "indocumentados" e, salvo exceções muito específicas, não podem nem visitar o Brasil.
Os dois brasileiros --como muitos outros jovens imigrantes que vivem nos EUA-- são chamados de "dreamers" (ou sonhadores, em português). Isso porque eles aguardam que o Congresso americano vote um projeto chamado "Dream Act" (ou Lei dos Sonhos, em português).
O sugestivo nome vem da sigla em inglês para Desenvolvimento, Ajuda e Educação para Menores Imigrantes. Pelo projeto de lei, os mesmo jovens imigrantes que têm, hoje, direito à DACA teriam a situação legalizada nos EUA.
O projeto tramita no Congresso desde 2001 e, como parte da reforma migratória proposta por Obama, sofre forte lobby democrata para ser votado ainda neste ano.
Lucas e Renata não estão de braços cruzados esperando a votação. Os dois são militantes da causa dos imigrantes, especialmente dos "dreamers".
Renata faz parte de um grupo em Massachussetts chamado “Student Immigrant Movement” (ou movimento do estudante imigrante, em português). Em junho deste ano, em um das ações mais polêmicas e contundentes da ONG, a jovem chegou a estampar a capa do jornal “The New York Times”.
Na foto, Renata abraça a mãe através de uma cerca instalada na fronteira entre México e Estados Unidos.
Em 2007, a família se separou. O irmão de Renata foi detido pela polícia e deportado ao Brasil. Os documentos dela, da irmã e da mãe foram confiscados, e a imigração americana deu menos de um ano de prazo para que todos voltassem ao Brasil, do contrário toda a família seria deportada.
Assustadas, a mãe e a irmã mais nova de Renata decidiram regressar. O pai já estava no Brasil. A jovem bateu o pé e ficou nos Estados Unidos.
“Até hoje eu não sei muito bem porque eu resolvi ficar. Fiquei com raiva que entraram na minha casa. Eu pensei 'se eu for embora, eles [a imigração] vão ganhar'. E também sempre acreditei que um dia eu poderia pegar minha cidadania”, contou, tropeçando um pouco nas palavras em português, algo normal para alguém que praticamente faz tudo em inglês.
Desde então, só reencontrou a mãe por meio da cerca. E por pouquíssimas horas. Como a mãe não consegue mais obter visto para entrar nos Estados Unidos, ela viajou até o México. Renata que, do contrário, não pode deixar o país, foi até a fronteira, no Estado do Arizona. E a foto foi feita.
“Tivemos dois encontros. E no primeiro encontro, depois de 20 minutos minha mãe começou a passar mal”, disse.
Além de conversar com a mãe e chorar muito, no encontro, Renata ganhou uma camiseta de futebol e uma carta da irmã mais nova. Além disso, Renata conseguiu mostrar à mãe o documento que a permite continuar nos EUA por meio da DACA, seu primeiro documento oficial de imigração.
Renata conta que, quando decidiu permanecer nos Estados Unidos, chegou a brigar com a família. Ninguém compreendia sua decisão. Hoje, cursando Direito e trabalhando pela reforma imigratória, já tem o apoio da família.
No entanto, apesar do sonho simples de poder viver nos Estados Unidos e visitar a família no Brasil quando bem entender, Renata procura não pensar no futuro.
“Eu não gosto muito de pensar no que pode acontecer. Eu espero me formar, ter um emprego bom. É só isso”, disse.
No Estado de Connecticut, Lucas Codognolla coordena a ONG “Students For a Dream (estudantes por um sonho)”. Por sorte, o jovem pode contar com o apoio dos familiares. Mas sua situação legal é igual a de Renata.
Em sua casa, na cidade de Stamford, vivem ele, seus pais, uma irmã de 20 anos, um irmão de 10 e uma irmã de 9. Lucas é o único a se apoiar na DACA. Seus dois irmãos pequenos nasceram nos EUA e, por isso, são cidadãos americanos. Sua irmã mais velha e seus pais estão em processo de legalização e devem, em breve, conseguir o visto permanente.
Como tem mais de 20 anos, Lucas não terá sua situação legalizada junto com seus pais e espera, ansioso, que o Dream Act seja aprovado. Enquanto isso, o jovem estuda Ciências Políticas e trabalha como assistente de um advogado de imigração.
Até completar 16 anos, Lucas nunca se deu conta que vivia nos Estados Unidos como um indocumentado. A situação mudou quando tentou tirar a habilitação de motorista e não conseguiu.
“Foi aí que meus pais me explicaram como era difícil para tirar o visto permanente. Me disseram que várias portas iriam fechar na minha cara”, contou. “Meus amigos não sabiam que eu era indocumentado. Fiquei em depressão.”
Lucas até pensou em voltar para o Brasil. Mas, após tantos anos nos EUA, ele já não tinha muita ligação com o país. O choque cultural seria imenso. Além disso, teria de abrir mão da família e dos amigos.
“Se eu voltasse ao Brasil, eu nunca mais retornaria aos EUA. Eu perderia todos os meus amigos daqui e teria de reacostumar. Decidi entrar em uma faculdade comunitária e comecei a pesquisar sobre os direitos dos imigrantes”, disse.
“É interessante. Especialmente quando descobri que era indocumentado, percebi que tinha um problema de identidade. Não me sinto totalmente brasileiro, mas a sociedade americana me diz que sou”, contou. “Então, me considero brasileiro e americano ao mesmo tempo. Ambos completamente. Meus estudos me deram uma visão de como ser um cidadão global.”
Hoje, como coordenador de uma ONG que luta pelos direitos dos “dreamers”, Lucas dá palestras e ajuda os indocumentados.
“Eu explico, por exemplo, que mesmo sem documentos, eles podem ingressar em uma universidade e estudar aqui. Muitos acabam deportados por total desconhecimento dos direitos”, explicou.
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