Militar chileno acusado de torturar e assassinar cantor há 42 anos será julgado

Silvia Ayuso

Em Washington (EUA)

  • Victor Jara Foundation/Reuters

    O cantor e compositor chileno Victor Jara, morto no início da ditadura militar de Pinochet

    O cantor e compositor chileno Victor Jara, morto no início da ditadura militar de Pinochet

O militar acusado do assassinato do cantor e compositor chileno em 1973 terá de responder a denúncias de tortura e execução extrajudicial diante de um juiz nos EUA

Os que acompanharam Víctor Jara em suas últimas horas de vida no Estádio Chile, um dos símbolos mais sinistros da ditadura de Augusto Pinochet, contam que os torturadores não conseguiram apagar totalmente o sorriso do trovador do governo de Salvador Allende, nem quando o espancaram brutal e repetidamente antes de crivá-lo de balas.

Em seu corpo foram encontrados mais de 40 disparos. Mas o tiro que acabou com sua vida foi o que recebeu na nuca, quase à queima-roupa, depois que seus torturadores se divertiram jogando com ele uma mortal roleta russa. Foi em 16 de setembro de 1973, cinco dias depois do golpe de Estado contra Allende e da posterior detenção de Jara junto com centenas de companheiros na Universidade Técnica do Estado (UTE). O Estádio Chile, hoje estádio Víctor Jara, seria ainda testemunha muda de muitos outros horrores no início da longa ditadura de Pinochet (1973-1990).

Quatro décadas depois, a família de Víctor Jara, que nunca deixou de buscar justiça, pode começar a sorrir outra vez. Um juiz da Flórida ordenou esta semana que o homem identificado como seu assassino, Pedro Pablo Barrientos, responda diante da Justiça por acusações de tortura e execução extrajudicial.

Há anos que Barrientos, um ex-oficial do exército chileno, foi identificado como o torturador de Jara que apertou o gatilho do tiro de misericórdia. Um de seus subordinados, o soldado José Adolfo Paredes, o identificou formalmente em um depoimento entregue à Justiça chilena em 2009. O juiz que conduz o caso no Chile, Miguel Vázquez, não teve dúvidas de sua culpa e, em dezembro de 2012, o processou como autor de homicídio qualificado. Pouco antes, um programa de televisão havia descoberto que Barrientos levava uma vida tranquila e discreta em Deltona, Flórida, onde desde os anos 1990 se dedicava à compra e venda de carros.

Então entrou em ação o Centro de Justiça e Responsabilidade (CJA), organização internacional que procura levar aos tribunais os responsáveis por violações dos direitos humanos em todo o mundo. Entre seus casos mais famosos estão, além do de Víctor Jara, o de monsenhor Óscar Romero, de El Salvador, ou a chacina dos jesuítas, cinco deles espanhóis, no mesmo país centro-americano em 1989.

Junto com o escritório de advogados Chadbourne & Parke LLP, o CJA apresentou em setembro de 2013 uma demanda em nome da viúva de Jara, Joan, e de sua filha Amanda, acusando Barrientos de crimes de tortura, assassinato extrajudicial e de lesa-humanidade. Depois de conhecer a decisão da última terça-feira (14) do juiz Roy Dalton, de Orlando (Flórida), a advogada do CJA Almudena Bernabéu comemorou que finalmente se abra a possibilidade de que um dos principais responsáveis pela morte do cantor e compositor chileno responda à Justiça.

Entretanto, Bernabéu considerou "decepcionante" que o magistrado tenha desconsiderado as denúncias de crimes de lesa-humanidade, porque "o assassinato de Víctor Jara e os milhares de crimes cometidos durante o regime Pinochet deveriam ser chamados pelo que são: um crime contra a humanidade".

Com as mãos destruídas pela agressões, Jara ainda conseguiu escrever os últimos versos a lápis em uma caderneta que entregou a um de seus companheiros e que hoje é conservada na Fundação Jara: "¡Canto, qué mal me sales / cuando tengo que cantar espanto! / Espanto como el que vivo / como el que muero, espanto" ['Canto, como sai feio, quando tenho que cantar o espanto! Espanto como o que vivo, como o que morro, espanto' - tradução livre]. As feridas de Víctor Jara e de sua família começam a ser curadas com 40 anos de atraso.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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