Símbolo do continente e alvo de caça, leão africano vive em frágil equilíbrio

José Naranjo

Em Dacar (Senegal)

  • Paula French/AP

    Leão Cecil, simbolo do Zimbábue, morto por um dentista norte-americano

    Leão Cecil, simbolo do Zimbábue, morto por um dentista norte-americano

O felino é ao mesmo tempo um símbolo, um inimigo dos pastores e um filão que atrai turistas e caçadores

Na África, o leão representa a força, a nobreza, a autoridade. Não é só o símbolo da fauna selvagem do continente, mas diversos personagens públicos e entidades o usaram como emblema, desde a seleção de futebol do Senegal, os Leões de Teranga, até o presidente do Níger, Mahamadou Issoufou, que é conhecido como o Velho Leão. Em muitos países também representa uma importante fonte de renda, que vem tanto do turismo como da caça. É respeitado, admirado... e seu potencial, explorado.

Entretanto, para os que vivem perto do leão também é fonte de problemas. A pressão humana foi reduzindo seu território, e são cada vez mais frequentes os ataques de felinos ao gado, o que faz que caçadores locais se dediquem a abatê-los inclusive de maneira preventiva.

"Não podemos imaginar a África sem leões", afirma Xavier Surinyach, membro da ONG Serengueti Watch, "mas assistimos a uma perda incessante de seu hábitat com a ocupação progressiva do território por parte do homem, o que provoca constantes conflitos nos quais o animal sempre acaba perdendo". Se há um século o continente abrigava cerca de 200 mil exemplares distribuídos em um amplo território, atualmente estima-se que restem cerca de 30 mil, e sua presença só é significativa em sete países: Botsuana, Tanzânia, Quênia, África do Sul, Etiópia, Moçambique e Zimbábue.

Neste último país, o leão Cecil havia se transformado em um símbolo. Com 13 anos, era o maior exemplar da reserva de Hwange, líder de uma manada composta por três fêmeas e sete filhotes, além de fazer parte de um programa de pesquisa. Sua morte pelas mãos do caçador americano Walter Palmer gerou uma onda de repulsa e a abertura de um processo judicial no Zimbábue, mas grande parte do ruído vem do Ocidente. Para muitos países africanos, a caça representa enormes benefícios. O difícil é que essa atividade seja sustentável com a sobrevivência da espécie.

Na África é habitual caçar leões. Existem reservas para essa atividade e cotas anuais para a espécie. Por exemplo, na Tanzânia, o país que tem maior número de leões, é proibido abater fêmeas e machos com menos de 6 anos. As autoridades entendem a importância da espécie como estrela dos safáris turísticos, enquanto a caça gera US$ 25 milhões anuais que, segundo o Ministério de Recursos Naturais e de Turismo, são chaves para manter as numerosas reservas naturais do país.

O problema é que "muitas companhias de safári de caça e as que administram as reservas não respeitam essas cotas, deixando os clientes matarem tantos animais quanto puderem", acrescenta Surinyach, para quem o caso de Cecil é "100% caça furtiva" porque a reserva onde o animal emblemático se movimentava "tinha cota zero para leões". Além disso, há o problema de que esses limites de caça às vezes não respeitam critérios científicos, e se concedem mais autorizações do que as permitidas para proteger a espécie.

Apesar da progressiva redução de seu hábitat, o leão continua povoando as lendas e a tradição oral de diversos grupos étnicos africanos. Hoje já não restam na zona, mas em Guetala, um povoado situado no oeste do Mali, o caçador é uma das pessoas mais respeitadas porque há muitos anos conseguiu matar um leão, uma história que continua contando a seus filhos e netos. E um velho refrão bantu diz que "enquanto os leões não tiverem historiadores, as histórias de caça continuarão glorificando o caçador".

Pelo menos até o surgimento da Internet e das redes sociais, porque Cecil ganhou milhões de cronistas e não parece que Walter Palmer esteja vivendo exatamente um momento de glória.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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