Sobrevivente do Boko Haram: "Nigéria não nos protege da violência"

Marie Maurisse

Em Genebra (Suíça)

No dia 14 de abril de 2014, 270 alunas da escola de Chibok, na Nigéria, foram sequestradas pela seita jihadista Boko Haram. Embora o drama tenha sido acompanhado de uma mobilização internacional com o midiático slogan "Bring Back Our Girls" ("Traga nossas garotas de volta"), a maioria das alunas ainda se encontra nas mãos dos terroristas.

"Saa" está entre as poucas pessoas que conseguiram escapar. Essa jovem de 18 anos esteve na Cúpula de Genebra para Direitos Humanos e Democracia para dar seu depoimento, na terça-feira (24). Temendo represálias contra sua família, ela optou por usar um par de óculos escuros e um pseudônimo.

Le Monde: Que lembranças você tem daquela noite de 14 de abril de 2014?

Saa: Era quase meia-noite. Eu estava com minhas colegas no hotel onde morávamos. Um monte de homens chegou gritando, eles estavam armados e alguns deles usavam fardas militares. Não sabíamos que eles eram do Boko Haram, mas quando eles nos perguntaram onde estavam os meninos, entendemos que eram eles. Não sabíamos o que eles iam fazer conosco. Liguei para meu pai pelo celular, e ele me disse para ficar calma e rezar.

Le Monde: Você é cristã?

Saa: Sim, é por isso que eu esperava que Deus fosse nos salvar.

Le Monde: O que aconteceu depois?

Saa: Tivemos que sair sem nem mesmo tempo de pegar nossas coisas. Havia carros e um grande caminhão, e eles nos mandaram subir nesse caminhão e disseram que matariam quem não obedecesse. Estávamos sozinhas com eles, todos os funcionários da escola tinham fugido.

Le Monde: Como você escapou?

Saa: O caminhão deu a partida e rodamos por um tempo. Era noite e eu não fazia ideia de aonde estávamos indo. Pensei que eu preferia morrer a ir para qualquer lugar com o Boko Haram. Então pulei. Uma amiga pulou ao mesmo tempo que eu, mas machucou a perna quando caiu no chão. E o caminhão seguiu em frente.

Le Monde: Que horas eram?

Saa: Não faço ideia, ainda era noite. Minha amiga não conseguia andar, estávamos no meio de uma floresta muito escura. Então nos sentamos embaixo de uma árvore e esperamos assim, sem dormir. Pela manhã, saí para buscar ajuda. Encontrei um pastor; no começo, ele não queria nos ajudar porque ele era muçulmano. Mas ele acabou levando minha amiga em sua mobilete, enquanto eu seguia atrás, a pé. Depois encontramos um outro homem, que nos levou até Chibok, onde ficava nossa escola. De lá, uma outra mobilete ainda nos levou até nossas famílias...

Le Monde: Você já conhecia o Boko Haram antes desse episódio?

Saa: Claro, a região toda tem medo deles! Em 2012, eles já haviam atacado uma escola onde eu estudava. Foi para fugir deles que troquei de escola e que fui para Chibok.

Le Monde: Depois que você fugiu, o que aconteceu?

Saa: O pessoal do Boko Haram ameaçou matar as meninas que tivessem escapado, assim como suas famílias. Eu não estava mais segura. O advogado Emmanuel Ogebe apareceu e permitiu que eu, junto com outras meninas na mesma situação, me refugiasse nos Estados Unidos, onde voltei para a escola.

Le Monde: Entre outros lugares, você deu seu depoimento perante a ONU, em Genebra. O que você pede?

Saa: O governo da Nigéria não está protegendo as pessoas contra a violência do Boko Haram. Nenhuma ação séria foi tomada para libertar as 230 meninas que ainda estão sequestradas. A comunidade internacional precisa intervir para devolvê-las às suas famílias!

Le Monde: Como você vê seu futuro?

Saa: As ameaças ainda me impedem de voltar para a Nigéria. Mas, depois de quase um ano sem notícias, finalmente pude falar pelo telefone com meus pais e meus cinco irmãos. Eles tiveram que deixar nossa casa porque o Boko Haram atacou o vilarejo onde eles viviam. Se eu puder, vou continuar meus estudos nos Estados Unidos. Depois, quero ser médica.

Tradução: UOL

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