Após iniciativa fracassada, França retira pneus submersos no Mediterrâneo
Martine Valo
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Jean-Cristophe Magnenet/AFP
Objetivo era formar recifes artificiais, mas plano não funcionou
O objetivo foi atingido: os últimos pneus recolhidos foram içados sem dificuldades a bordo de um navio-cisterna, na terça-feira (12), totalizando 2.500 pneus retirados do Mediterrâneo. No entanto, ainda resta um número dez vezes maior deles a cerca de trinta metros de profundidade, ao largo de Vallauris Golfe-Juan, no departamento de Alpes-Maritimes.
Esses montes de 3.480 metros cúbicos não se encontravam no fundo do mar por acaso. Praticamente gratuitos, resistentes, abundantes, os pneus usados por um tempo surgiram como um meio ideal de fornecer abrigo para os peixes. Então na França, nos anos 1980, submergiram centenas de milhares deles, arrumados em montinhos ou em longas barreiras.
A ideia que vinha dos Estados Unidos – os próprios americanos enviaram 2 milhões deles para o fundo do mar ao largo de Fort Lauderlade (Flórida) em 1972 – era permitir que os peixes ali se fixassem e se regenerassem em torno desses "recifes artificiais".
Os pescadores haviam sido consultados para determinar onde instalar essas casas de peixes que supostamente poderiam repovoar o setor. Além disso, havia sido decidido que a zona de 50 hectares, uma área protegida da rede Natura 2000, na baía de Antibes, seria proibida para mergulho submarino e para pesca para dar mais chances de o ecossistema se recuperar.
No total, contam-se hoje 90 mil metros cúbicos desses recifes artificiais na metrópole, sendo 32 mil metros cúbicos ao largo de Languedoc-Roussillon e 54 mil metros cúbicos da região Provence-Alpes-Côte d'Azur. Portugal, Espanha e Itália instalaram mais ou menos o mesmo tanto, enquanto o Japão figura como campeão mundial, com 20 milhões de metros cúbicos no mar.
Impacto sobre as algas e os corais
A iniciativa foi um fracasso, uma vez que esse habitat reciclado praticamente não foi colonizado. Além disso, pelo efeito das ondas e das correntes, os pneus se dispersaram completamente. Hoje, não só eles enfeiam as paisagens submarinas, como também têm um impacto mecânico (de esmagamento) sobre as algas e os corais.
Quanto a uma possível contaminação química, há controvérsia. Segundo Jacky Bonnemain, porta-voz da associação ambientalista Robin des Bois, o pouco sucesso dos pneus junto à fauna marinha se deve à sua liberação progressiva de hidrocarbonetos no meio ambiente. A universidade de Nice deve efetuar um acompanhamento dos locais e estudar nos próximos meses um possível impacto químico. De qualquer forma, a ideia de que está na hora de removê-los da água vem ganhando força.
"As coisas não se passaram como haviam imaginado na época", reconhece, enigmática, Elodie Garidou, da Agência de Áreas Marítimas Protegidas (AMP). Foi esse órgão público que tomou a iniciativa de tirar os pneus ao largo de Vallauris Golfe-Juan em parceria com o departamento de Alpes-Maritimes, a prefeitura e a jurisdição de pescadores de Antibes-Juan-les-Pins, com a ajuda de financiamentos europeus. A operação é inédita e servirá como teste.
"O projeto começou a tomar corpo em 2010, mas levou tempo até obtermos as autorizações e o dinheiro para lançar licitações", conta Elodie Garidou. "Tínhamos uma janela bem estreita para conduzir essa operação porque precisávamos terminar sem falta antes do Festival de Cannes".
O trabalho foi executado com rapidez e eficiência. Um navio de 40 metros de comprimento com duas gruas e duas caçambas herméticas, ladeado de dois pequenos barcos encarregados de garantir a segurança, permaneceu atracado durante oito dias. Seis mergulhadores subaquáticos formavam "colares" de 10 a 30 pneus atravessados por uma corda, que depois eram içados.
Canal de reaproveitamento
Toda a questão agora é conseguir criar um canal para reaproveitar esses pneus que não estão realmente desintegrados e que foram colonizados por algumas esponjas de um gênero resistente. Embora exista na França reciclagem para a produção de solos sintéticos e de combustível, os pneus passaram mais de 30 anos no mar e será preciso limpá-los antes. Contudo, se o teste foi conclusivo, os 90% dos pneus restantes poderão ser removidos a partir de 2016.
A restauração do ecossistema da baía "se insere plenamente na diretiva-quadro europeia 'Estratégia para o meio marinho'", ressalta a AMP. O problema está na dimensão do trabalho. Na França, além dos pneus, a ideia dos recifes artificiais foi explorada com grandes despejos de postes de luz velhos, tijolos de concreto, escadas de concreto, destroços de navios etc., e isso até além da área francesa.
Na costa de Vallauris Golfe-Juan, nos anos 1980 e 1990, também foram submersos módulos de concreto de tamanhos variados. Esses pequenos conjuntos habitacionais atraíram 40% a mais de peixes do que os amontoados de pneus. No entanto, eles se revelaram menos ricos que a zona rochosa natural ali próxima que teve um efeito de reserva favorável à biomassa graças à proibição de pesca. Tanto trabalho para nada.
Tradutor: UOL
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