Em ação inesperada, Arábia Saudita reduz poderes de sua polícia religiosa
Benjamin Barthe
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Hasan Jamali/AP
Mulheres batem fotos e circulam por parque em Riad, na Arábia Saudita
Reforma é vista como prova de liberalização por parte do vice-príncipe herdeiro, Mohammed Bin Salman
O vice-príncipe herdeiro saudita, Mohammed Bin Salman, considerado como o homem forte do reino, tem procurado cuidar de sua imagem de reformista. Enquanto os observadores esperam pela apresentação, nos próximos dias, de um plano de reforma do sistema econômico, destinado a livrar o país de sua dependência do petróleo, uma medida de ordem social, inesperada e extraordinária, vem sendo o tema das conversas na última semana: a restrição dos poderes da polícia religiosa.
Encarregado de zelar pelo respeito à moral do wahabismo, corrente do islamismo ultrafundamentalista que rege a sociedade saudita, esse órgão foi despido pelas autoridades de suas principais prerrogativas.
Em virtude de uma decisão do conselho de ministros publicada na semana passada, seus membros, execrados pelos meios liberais sauditas, agora não poderão mais interpelar, deter, nem perseguir as pessoas cujo comportamento eles considerem ofensivo, procedimentos controversos que resultaram em diversos abusos e acidentes nos últimos anos, sobretudo contra mulheres e expatriados estrangeiros.
Os agentes do Comitê pela Promoção da Virtude e da Prevenção do Vício, apelidado de Mutawa, continuarão a patrulhar os espaços públicos. A missão deles consiste, entre outras coisas, em verificar que as lojas fechem de fato durante as orações, que a segregação dos sexos seja respeitada nos restaurantes e que as sauditas usem o véu, além da abaya, o longo vestido preto obrigatório.
Mas o papel deles se limitará a assinalar os "suspeitos" à polícia civil. O comunicado do governo explica que eles deverão cumprir sua missão de maneira "cortês e humana" e usar um distintivo que mencione seu nome, horário de trabalho e jurisdição, de maneira a evitar excessos.
"Vigiar as estradas"
"Estou muito feliz, é um passo na direção certa", exclama Fawzia al-Bakr, uma socióloga de Riad bastante engajada na luta pelos direitos das mulheres.
"Ninguém tem direito de impor sua interpretação do islamismo aos outros. Em vez de tentar nos obrigar a usar a burca, o véu integral das afegãs, a Mutawa deveria vigiar as estradas. Temos um dos mais elevados índices de acidentes do mundo."
A lógica institucional mandaria que essa reforma, aplaudida pela imprensa saudita, fosse apresentada pelo ministro do Interior, Mohammed Bin Nayef, de 56 anos, também na linha de sucessão do rei Salman.
Talvez ele não quisesse renegar tão abertamente o legado de seu pai, o temido Nayef Bin Abdelaziz, titular da mesma pasta durante décadas e considerado o protetor da polícia religiosa. O falecimento deste em 2011 havia iniciado o declínio da instituição, e dois anos mais tarde o rei Abdullah retirou de seus membros o direito de abrir processos judiciais.
Mas a obliteração de Mohammed Bin Nayef também pode ser sinal de seu declínio dentro do aparelho do governo.
O príncipe herdeiro foi ofuscado pelo número três, Mohammed Bin Salman, de somente 30 anos de idade, que está se aproveitando de seu status de filho favorito de Salman para se apoderar de questões estratégicas, como a guerra no Iêmen e o programa de reformas econômicas que deverá incluir privatizações, como a de parte da Aramco, a gigante petroleira saudita.
Polêmica no Twitter
Ainda que ele não a reivindique, provavelmente por medo de perder o apoio dos religiosos, a restrição da Mutawa é atribuída a ele pela opinião pública.
"É um conservador, mas ele é jovem, entendeu que seu projeto de abertura econômica não pode seguir sem uma forma de abertura social", explica Fawzia al-Bakr. "Para atrair os investidores, ele precisa melhorar a imagem do país. Não seria possível continuar assim. A Mutawa cometeu erros demais."
No mês de fevereiro, um vídeo mostrando dois de seus membros estuprando uma jovem acusada de não usar o véu em um shopping center de Riad causou comoção. Em 2013, outros guardiões dos bons costumes wahabitas foram presos após perseguirem um jovem motorista, causando a morte deste.
Resta saber se a Mutawa, bastião do puritanismo saudita, aceitará se submeter a isso. A polêmica é grande no Twitter, entre partidários e opositores da reforma. A hashtag dos opositores, "o povo recusa a anulação das prerrogativas da polícia religiosa", foi usada mais de 50 mil vezes desde o dia 11 de abril.
Os próximos meses serão um teste da capacidade do rei Salman e de seu filho em livrar o reino de seus arcaísmos mais extremos, tanto no plano econômico quanto em questões sociais.
Tradutor: UOL
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