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Irmãos suspeitos de ataque nos EUA eram considerados "bons alunos e atletas esforçados"

Erica Goode*

19/04/2013 20h08

Um era boxeador e gostava de vídeos de rap russo; certa vez disse: "Não tenho um único amigo americano". O outro, um lutador campeão no colégio, citou o "islã" como sua visão de mundo em uma página de mídia social russa e foi descrito por um vizinho como um "rapaz muito fotogênico", que tinha "um coração de ouro".

Enquanto começava a surgir uma imagem dos irmãos Tamerlan Tsarnaev, 26, e Dzhokhar Tsarnaev, 19, suspeitos de cometer os atentados a bomba na Maratona de Boston, era difícil distingui-los de milhões de outros jovens que vieram para os EUA para forjar um futuro. As autoridades trabalham para determinar como eles podem ter-se tornado terroristas que colocariam bombas poderosas entre uma multidão inocente.

Acredita-se que os Tsarnaev sejam originários da Tchetchênia e tenham emigrado com sua família do Quirguistão ou outro país da região para os EUA em 2002, depois de viver durante algum tempo em Makhachkala, capital do Daguestão, na Rússia.

Saiba mais sobre os russos suspeitos dos ataques em Boston

  • Divulgação/FBI

    Os dois suspeitos apontados pelo FBI como responsáveis pelas explosões da Maratona de Boston foram identificados como sendo os irmãos Dzhokhar A. Tsarnaev, 19, e Tamerlan Tsarnaev, 26. Os dois são russos, provenientes de uma região próxima à Tchetchênia, e residentes legais nos Estados Unidos há no mínimo um ano.

Dzhokhar Tsarnaev, o mais moço, se formou na Cambridge Rindge and Latin School em 2011, onde aparece na lista dos lutadores da Liga de Inverno da Grande Boston. Naquele ano ele ganhou uma bolsa de estudos de US$ 2.500 concedida a cerca de 40 estudantes promissores pela Cidade de Cambridge. Ele pode ser um aluno da Universidade de Massachusetts em Dartmouth. Em seu site na web, a universidade disse que "uma pessoa que está sendo procurada em conexão com os atentados na Maratona de Boston" havia sido identificada como um aluno registrado. A universidade estava fechada na sexta-feira (19).

Mahmoud Abu-Rubieh, 17, um aluno do colégio, disse que conhecia Dzhokhar Tsarnaev há quase três anos como um amigo e um companheiro da equipe de luta greco-romana. Ele disse que Tsarnaev se vestia "como qualquer outro aluno da escola", geralmente calças jeans ou cáqui, blusões e camisetas.

"Nunca o ouvi falar sobre política", disse Abu-Rubieh. "Ele realmente não mencionou qualquer coisa desse tipo." Ele disse que a última vez em que viu Dzhokhar Tsarnaev foi há cerca de três meses, quando este visitou o treino de luta.

"Nós nos cumprimentamos", disse Abu-Rubieh. "Ele disse que era bom ver que eu continuava lutando. Se eu quisesse transmitir alguma mensagem, seria que ele era um estudante gentil, que muitas pessoas o respeitavam, tinha muitos amigos e era atuante em nossa escola."

Ashraful Rahman, 17, aluno do último ano na Cambridge Rindge and Latin, disse que ele e outros dois amigos reconheceram a foto de Tsarnaev na televisão na noite de quinta-feira (18), e um deles telefonou para a linha de denúncias do FBI.

Mas disse que não podia acreditar que Dzhokhar, que ele conheceu há dois anos, pudesse estar envolvido no atentado. "Ele jamais pareceria alguém que faria uma coisa desse tipo", disse Rahman.

Ele e Dzhokhar têm muito em comum, disse. Ambos eram lutadores, gostavam de boxe e eram muçulmanos. Às vezes se encontravam na mesquita em Cambridge, a poucas quadras da escola, disse ele.

Os amigos mais próximos de Dzhokhar eram um grupo conhecido entre os colegas como "stoners", segundo Rahman. Ele descreveu Dzhokhar como "descontraído" e disse que pensava que o amigo tivesse nascido nos EUA, porque não tinha sotaque.

Rahman disse que viu Dzhokhar pela última vez em agosto, perto do final do Ramadã, durante orações na mesquita.

"Não importa se você o conhecesse bem como eu, como alguém que lutou com ele, saiu e brincou com ele, ou se você fosse alguém que o cruzasse no corredor, ele era sempre igual - um cara geralmente simpático", disse Rahman, acrescentando que era um estudante empenhado e um lutador cada vez mais esforçado.

“Quando não estava lutando,  Dzhokhar não era um cara cheio de testosterona ou coisa parecida. Era apenas um sujeito tranquilo”, disse.

Tamerlan Tsarnaev, que morreu depois de um tiroteio com policiais na manhã de sexta-feira (19), aparentemente estudava engenharia no Bunker Hill Community College quando o fotógrafo Johannes Hirn escolheu o jovem boxeador como tema de um ensaio para um curso de fotojornalismo na Universidade de Boston, quatro ou cinco anos atrás.

No ensaio, o sujeito, que se acredita seja Tamerlan Tsarnaev, é citado como dizendo que havia se tornado devotamente religioso e abandonara o cigarro e a bebida. Ele parecia distante da Rússia, dizendo que não gostaria de lutar na equipe russa, a menos que a Tchetchênia conseguisse a independência. O ensaio foi publicado mais tarde em uma revista da universidade, "The Comment", segundo Peter Southwick, diretor do programa de fotojornalismo, que dava o curso.

"Não há mais valores", ele teria dito a Hirn, segundo este. "As pessoas não conseguem se controlar."

Tamerlan confessou no ensaio que adorava o filme "Borat", e exibia seus sapatos de ponta - "Eu me visto no estilo europeu", cita Hirn.

Na legenda de uma foto, exibindo o torso musculoso, ele diz que geralmente não tirava a camisa na frente de mulheres. "Sou muito religioso", diz.

Larry Aaronson, um professor aposentado de estudos sociais no colégio, morava a algumas casas da família Tsarnaev na Norfolk Street, no limite entre Cambridge e Sommerville.

Ele ficou amigo de Dzhokhar, que disse ter visto muitas vezes circulando pelo bairro, mas não recentemente. Ele acreditava que Dzhokhar tivesse ido para a faculdade, disse Aaronson.

"Ele era gracioso", disse sobre o Tsarnaev mais moço. "Ele me disse que era da Tchetchênia e eu lhe perguntei como era, e ele nunca manifestou qualquer amargura em relação à Rússia ou a sua situação." "Isto é um choque completo", acrescentou.  

Os dois jovens tinham uma presença substancial na mídia social. No site VKontakte, a plataforma de mídia social mais popular da Rússia, o mais jovem deles, Dzhokhar, descreve sua visão de mundo como o "islã" e, perguntado sobre "a coisa mais importante na vida", responde "profissão e dinheiro". Ele enumera uma série de grupos de afinidade relacionados à Tchetchênia, onde duas guerras de independência contra a Rússia foram combatidas depois do colapso da União Soviética, e cita um verso do Corão: "Faça o bem, porque Alá ama os que fazem o bem".

O tio dos rapazes, Ruslan Tsarni, disse em uma entrevista coletiva em sua casa perto de Washington  que seus sobrinhos tinham dificuldade para se adaptar aos EUA e que ele achava que seus atos provinham de "não conseguirem se adaptar e odiarem todo mundo que se adaptou".

Mas ele disse que não via seus sobrinhos desde dezembro de 2005 e sugeriu que havia algum desentendimento entre as duas famílias.
"Minha família não tem nada a ver com aquela família", disse. "Eu apenas quero que minha família fique longe deles."

Tsarni disse que os dois irmãos podem ter se radicalizado, mas nesse caso não era responsabilidade do pai deles. Disse que o pai havia recentemente voltado para a Rússia, mas que trabalhou "consertando carros" nos EUA.

"Eu não imagino que os filhos do meu irmão estariam associados a isso", disse. E acrescentou: "Eu digo, Dzhokhar, se você estiver vivo, entregue-se e peça perdão".
A família faz parte de uma diáspora chechena que data de 1943, quando Stalin deportou a maior parte da população da Tchetchênia por temer que os chechenos estivessem colaborando com o exército invasor da Alemanha nazista. A maioria voltou para a Tchetchênia nos anos 1950, após a morte de Stalin e a suspensão da ordem de deportação, mas alguns ficaram. A diáspora  do Quirguistão se concentra em uma região da estepe na fronteira do Cazaquistão, perto da cidade de Talas.

A deportação foi uma experiência dura e, em alguns casos, radicalizadora. Entre a primeira diáspora do Quirguistão estava o primeiro presidente rebelde da Tchetchênia no período pós-soviético, Dzhokhar Dudayev, originário das aldeias quirguizes, disse Edil Baisalov, um ex-chefe de gabinete presidencial no Quirguistão.

Irina V. Bandurina, secretária do diretor da Escola Nº 1 em Makhachkala, Rússia, disse que a família Tsarnaev deixou o Daguestão rumo aos EUA em 2002, depois de viver lá por cerca de um ano. Ela disse que a família - pais, dois meninos e duas meninas - tinham vivido no Quirguistão anteriormente.

Disse que Dzhokhar, o mais jovem, frequentou a Escola Nº 1 na primeira série, e Tamerlan estudou em Makhachkala até a oitava série. Ela disse que não os conheceu pessoalmente.
Embora se considere que a família Tsarnaev veio para os EUA em 2002, estava na Turquia em 9 de julho de 2003, segundo Muammer Guler, o ministro do Interior turco, e deixou o país dez dias depois, partindo da capital, Ancara. Não há informações sobre o destino da família depois da Turquia, disse o ministro.

Adnan Z. Dzarbrailov, diretor de um grupo da diáspora chechena no Quirguistão, disse em entrevista por telefone que a família Tsarnaev vivia perto de uma fábrica de açúcar na pequena cidade de Tokmok, a cerca de 70 quilômetros de Bishkek, a capital do Quirguistão. O último membro da família partiu anos atrás, ele disse. Ele os descreveu como "intelligentsia" e disse que uma tia dos acusados no bombardeio era advogada.

Sultan Tsarnaev, avô dos rapazes, morreu em um acidente em Tokmok nos anos 1980, quando um tanque de propano que ele carregava explodiu, segundo Dzarbrailov e Uzbek Aliyev, um checheno que vive em Tokmok.

Seu tio, Anwar Tsarnaev, estudou em uma universidade em Biushkek com Aliyev. "Eles eram bons alunos, boas pessoas", ele disse sobre o tio e a tia dos acusados no atentado. Os dois irmãos mais tarde emigraram do Quirguistão, disse.
 

* Colaboraram Ellen Barry, de Moscou; Serge F. Kovaleski e Katharine Q. Seelye, de Boston; John Eligon, Adam B. Ellick, Richard A. Oppel Jr. e Dina Kraft, de Cambridge, Massachusetts; Julia Preston de New Have, Connecticut; e Emily S. Rueb, de Nova York.

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