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Como funciona a "reciclagem de água"?

Membrana remove impurezas durante a reciclagem de água, incluindo vírus, compostos farmacêuticos e minerais dissolvidos - Stuart Palley/The New York Times
Membrana remove impurezas durante a reciclagem de água, incluindo vírus, compostos farmacêuticos e minerais dissolvidos Imagem: Stuart Palley/The New York Times

John Schwartz

18/05/2015 15h57

A água caía da torneira, muito transparente, para um copo de plástico. Apenas 45 minutos antes, era fruto de descarga, vinda da estação de tratamento de esgoto de Orange County, ali ao lado. Em uma usina especializada, o líquido passou por vários estágios de purificação que o deixaram mais limpo do que qualquer coisa que sai da torneira de uma casa ou vem em uma garrafa com rótulo.

“Fica apenas o H, o dois e o O”, afirma Mike Markus, gerente geral do departamento de águas local. Ele não está exagerando. Sem os minerais que dão à água da cidade seu sabor, esse líquido não tem gosto de nada.

À medida que a Califórnia luta por meios para lidar com sua seca paralisante e com as restrições ao uso da água impostas no mês passado pelo governador Jerry Brown, uma série de ideias que há tempos foram deixadas de lado por serem muito controversas, caras ou desagradáveis estão sendo revisitadas. Uma é para conservar mais água; outra para transformar fontes de água próximas e abundantes, como o Oceano Pacífico, em água para beber por meio da dessalinização.

Outra ideia é reciclar a água que os californianos já usaram. E aí mora um desafio de marketing que pode ser maior do que o tecnológico.

A reciclagem de água é comum para usos como irrigação; canos roxos em várias cidades californianas entregam água para campos de golfe, zoológicos e fazendas. O Departamento Municipal de Água de West Basin, que serve 17 cidades no sudoeste de Los Angeles, produz cinco tipos de água “de designer” para usos como irrigação e resfriamento de torres e aquecedores. Em um nível mais básico, os ativistas encorajam os californianos a salvar “água cinza” da pia dos banheiros, chuveiros, banheiras e máquinas de lavar para molhar suas plantas e lavar o jardim.

Atrair as pessoas para beber água reciclada, no entanto, requer ultrapassar o que os especialistas chamam de fator “nojo”. Nos anos 1990, esforços para desenvolver o reuso da água em San Diego e Los Angeles foram desbancados por ativistas que denunciaram o que chamavam, devastadoramente, de “da privada para a pia”. Em 1990, a cidade de Los Angeles construiu uma usina de purificação de 55 milhões de dólares que nunca foi usada para produzir água potável; tudo vai para a irrigação.

Mas com a usina especial de purificação, que está em operação desde 2008, Orange County fez com que as pessoas olhassem a ideia de beber água reciclada com mais interesse. O distrito não leva a água purificada diretamente para as usinas de tratamento de água potável; ao invés disso manda o líquido para o subsolo, para recompor os aquíferos da área e para ser diluído pelo suprimento natural de água. Esse jeitinho ambiental parece ter diminuído o problema emocional dos consumidores também.

A usina de US$481 milhões abriu durante uma seca anterior. “Nos fez parecer gênios”, afirma Markus. O momento é perfeito novamente. Em meio à seca atual, o distrito completou uma expansão de US$142 milhões que vai aumentar a capacidade em mais de 40 por cento, para 378 milhões de litros por dia, a uma fração do preço de importar água ou dessalinizar a água do mar. (Uma nova expansão para 492 milhões de litros por dia já foi planejada.)

Agora, várias lugares pelo país estão tentando reusar a água, incluindo cidades secas do Texas, que jogam a água tratada diretamente em seus reservatórios. Aqui na Califórnia, “existem agências considerando isso por todo o Estado”, conta Jennifer West, gerente geral da associação comercial WateReuse California.

Em novembro, o Conselho da Cidade de San Diego votou por um programa de 2,9 bilhões, chamado Pure Water, que irá fornecer um terço das necessidades diárias da cidade em 2035. O Departamento de Águas de Santa Clara Valley espera chegar a pelo menos 10 por cento de sua demanda em 2022 com esse projeto.

E Los Angeles está pronta para tentar de novo, com planos de fornecer um quarto das necessidades diárias até 2024 com água reciclada e pluvial encaminhada para os aquíferos.

A diferença entre isso e o ano 2000 é que agora todo mundo quer que aconteça”, explica Marty Adams, chefe do sistema de águas do Departamento de Águas e Energia de Los Angeles.

O inevitável choramingar a respeito do fato de água vir do esgoto ignora um fato fundamental, afirma George Tchobanoglous, especialista em reuso de água e professor emérito da Universidade da Califórnia, em Davis: “No final das contas, água é água. Todo mundo que mora na beira de um rio está bebendo água reciclada”.

Os processos em Orange County e na maioria das outras usinas que limpam água incluem a microfiltragem, método que segura qualquer coisa maior do que 0,2 mícrons, removendo quase todos os sólidos suspensos, bactérias e protozoários.

Depois disso, vem uma osmose reversa, ou seja, forçar a água através de uma membrana, que remove outras impurezas, incluindo vírus, compostos farmacêuticos e minerais dissolvidos. Um facho de luz ultravioleta poderoso e um pouco de peróxido de hidrogênio desinfetam ainda mais e neutralizam outros pequenos compostos químicos.

Mas depois de tudo isso, 13 por cento dos americanos adultos dizem que se recusariam totalmente até mesmo a experimentar a água reciclada, de acordo com um estudo recente do jornal Judgement and Decision Making. “Uma minoria fica muito ofendida com isso, e pode atrasar ou até parar o processo por causa de forças legais e políticas”, explica Paul Rozin, professor de Psicologia da Universidade da Pensilvânia que estuda repulsa e é coautor do estudo.

Os oponentes do uso da água sempre tiveram a última palavra, afirma Paul Slovic, professor de Psicologia da Universidade do Oregon, por causa de um “problema de marca”.

As pessoas tendem a julgar o risco de maneira emocional, diz ele, e uma frase como “da privada para a pia” pode minar explicações honestas. “A indústria da água não está sendo feliz no marketing do reuso”, avisa. Mas pesquisas mostram que enfatizar os benefícios – e a necessidade – da água reciclada pode mudar as emoções, conseguir uma reação mais positiva e diminuir o senso de risco.

“Durante uma crise, as pessoas aceitam coisas que não aceitariam de outra maneira”, afirma Rozin.

As cidades que agora estão pensando em usar água reciclada para consumo humano têm observado o sucesso de Orange County com atenção. San Diego e o Departamento de Águas de Santa Clara Valley abriram usinas de demonstração e conduzem visitas e palestras.

Em novembro, quando o Conselho da Cidade de San Diego votou para continuar com as usinas de purificação, contava com o apoio dos comerciantes e de vários grupos ambientalistas. “Não somos tão inocentes a ponto de acreditar que não existem clientes preocupados, mas, até agora, não vimos nenhuma oposição organizada”, diz Brent Eidson, porta-voz do Departamento de Serviços Públicos de San Diego.

Wichita Falls e Big Spring, no Texas, já jogam a água purificada diretamente no reservatório de água potável sem problemas. Wichita Falls vem fazendo isso desde julho de 2014.

Russel Schreiber, diretor de trabalho públicos da cidade, conta que algumas pessoas disseram a ele, “Eu não vou beber isso”. Sua resposta? “Ótimo. Vamos gastar menos água!” A cidade produz 34 milhões de litros por dia, e ele afirma que as pessoas o param na rua agora para dizer, “A água está com um gosto melhor”.

O melhor lugar para se procurar água reciclada é a Estação Internacional do Espaço. Na estação, um equipamento captura os líquidos dos banheiros e mesmo os vapores da respiração e do suor.

O coronel Douglas H. Wheelock, que serviu como comandante da estação em 2010, conta: “Eu bebi essa água por seis meses, e na verdade ela tem um gosto bem bom”. Isso não impediu seus colegas de fazerem brincadeiras sobre o assunto.

“Temos uma piada constante na estação: o café de ontem é o café de amanhã.”