Promessas a respeito do clima serão inúteis sem ação e financiamento
As negociações internacionais do clima, que entram em sua segunda e última semana, abrangem uma série vasta e complicada de questões políticas, econômicas e legais. Mas no fundo, se resumem a duas questões: confiança e dinheiro.
Neste fórum global, ninguém questiona a ciência estabelecida de que os gases do efeito estufa, provenientes da queima de combustíveis fósseis, estão aquecendo o planeta –ou que as economias desenvolvidas e em desenvolvimento devem reduzir suas emissões dos gases para impedir um futuro que possa levar ao caos a segurança e estabilidade econômica do mundo.
Em um grande avanço, 184 governos já apresentaram planos detalhando como reduzirão suas emissões domésticas até 2020.
Essas promessas deverão compor a base do novo acordo, que pode ser assinado no próximo fim de semana. O acordo também deverá exigir que os países retornem à mesa pelo menos uma vez a cada 10 anos, com promessas ainda mais rígidas de redução de emissões.
Mas será que é possível confiar que os governos farão o que dizem que farão?
Essa é a questão crucial que determinará se o acordo de Paris terá força, ou se é pouco mais que uma expressão de boa vontade.
Os Estados Unidos estão pressionando por artigos agressivos, legalmente vinculantes, que exigiriam que os governos monitorem, verifiquem e informem suas redução de emissões a um órgão internacional. Mas muitos países em desenvolvimento rejeitam esses artigos, os chamando de intrusivos e uma violação potencial de soberania.
A questão despontou como um ponto de tensão entre os Estados Unidos e a China, depois que os dois países celebraram no ano passado um avanço na política climática, anunciando um plano conjunto para redução de suas futuras emissões.
Mas no mês passado, foi descoberto que a China estava queimando 17% mais carvão do que foi previamente relatado. Esse episódio acentuou a necessidade de verificação por um órgão externo das reduções de emissões, disseram muitos observadores.
"Transparência é uma parte enormemente importante disso", disse Todd Stern, o negociador americano para mudança climática. "184 países apresentaram metas. O regime de transparência é o que permitirá que todos tenham confiança de que os outros países agirão. Está no âmago deste acordo."
Ao ser perguntado sobre a questão em uma coletiva de imprensa, o negociador chinês, Su Wei, disse simplesmente: "A transparência seria muito importante para o desenvolvimento de uma confiança mútua", acrescentando que, "essa é uma das questões cruciais que precisam ser resolvidas".
Stern disse que os Estados Unidos gostariam de ver a criação de um órgão internacional de especialistas, que monitorariam e avaliariam como os países estão cumprindo suas promessas de redução de emissões. Essa ideia foi comparada a uma versão para mudança climática da Agência Internacional de Energia Atômica, a entidade que monitora as armas nucleares.
Outro método para verificar as mudanças nas emissões globais poderia ser o uso de satélites para monitoramento da cobertura de árvores em países como Brasil e Indonésia, que prometeram reduzir o desmatamento, uma grande fonte de poluição de gases do efeito estufa.
"Estamos defendendo mecanismos de transparência desde que sejam não intrusivos, que o trabalho seja feito de forma cooperativa, e que o apoio necessário aos países para realização do trabalho esteja presente", disse Antonio Marcondes, o emissário brasileiro para mudança climática. "Mas intrusão não é bem-vinda."
Uma dificuldade para muitos países é não contarem com recursos básicos de auditoria do governo para rastrear e monitorar sua poluição industrial de carbono.
"Nós concordamos em princípio" com a ideia de um forte regime de verificação, disse o negociador chefe da Indonésia, Rachmat Witoelar. "Mas há alguns pré-requisitos para isso. Alguns dos países precisam de assistência técnica e assistência à capacidade para fazer o que lhes é pedido."
Stern também apoia propostas nas quais os países desenvolvidos com fortes agências de monitoramento e análise de dados forneçam perícia para ajudar os países pobres a criarem novas instituições para medição e rastreamento de suas emissões. Não está claro se esse apoio incluiria uma nova alocação de dólares dos contribuintes americanos.
Essa seria uma proposta altamente controversa, vindo no contexto de uma briga já explosiva em torno do dinheiro.
No coração da luta financeira está uma promessa feita em 2009 pela então secretária de Estado americana, Hillary Clinton, de que os países desenvolvidos mobilizariam US$ 100 bilhões por ano em ajuda aos países pobres para a transformação de seus sistemas, de um dependente de combustíveis fósseis para um dependente de fontes limpas de energia, e para se adaptarem aos estragos causados pela mudança climática.
Mas países ricos como os Estados Unidos insistem que grande parte desse dinheiro deve vir de investimentos privados, em vez de dólares dos contribuintes.
A promessa inicial do presidente Barack Obama de US$ 3 bilhões em financiamento para questões climáticas ao longo de três anos já está enfrentando fortes objeções no Congresso.
Entretanto, a Índia exige que o texto final inclua termos legalmente vinculantes nos quais os países desenvolvidos se comprometam a alocar o dinheiro de fundos públicos.
"Nós pressionaremos por um aumento nos gastos públicos", disse Ajay Mathur, um negociador da mudança climática indiano. "Queremos que os países desenvolvidos forneçam recursos que possam ajudar a mobilizar capital. Os valores que foram prometidos não bastam."
Ele acrescentou: "O financiamento é a coisa mais fácil. Basta preencher um cheque".
Apesar dos impasses, muitos negociadores e observadores presentes aqui dizem estar confiantes que um acordo esteja em vista.
Segundo eles, isso se deve em parte ao clima otimista e colegial criado pelo fato de, com a apresentação das promessas individuais em relação ao clima, as negociações estarem mais avançadas do que jamais estiveram no processo malsucedido de duas décadas para se chegar a um pacto climático.
Também há um senso de boa vontade em relação aos anfitriões franceses da cúpula, após os ataques terroristas que mataram 130 pessoas em Paris no mês passado. Importantes autoridades francesas demonstraram uma intensa dedicação emocional para que um acordo seja fechado.
Em um discurso na noite de sábado na sessão plenária, o ministro das Relações Exteriores francês, Laurent Fabius, claramente emocionado, falou da necessidade urgente de se chegar a um acordo.
"Estamos falando sobre a própria vida", ele disse.
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