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Bill Gates enfrenta a mudança climática com seus poderosos contatos

4.dez.2-15 - O fundador da Microsoft e copresidente da Fundação Bill & Melinda Gates, Bill Gates (centro) durante visita a Nova Déli, na Índia -  EFE/Str
4.dez.2-15 - O fundador da Microsoft e copresidente da Fundação Bill & Melinda Gates, Bill Gates (centro) durante visita a Nova Déli, na Índia Imagem: EFE/Str

Coral Davenport e Nick Wingfield

Em Le Bougert (França)

10/12/2015 06h00

Quando Bill Gates chegou ao Palácio do Eliseu para um encontro com o presidente da França, François Hollande, e outras autoridades em junho, ele trouxe uma mensagem.

Gates disse a Hollande que a inovação em energia precisava ser um dos itens no topo da agenda da Conferência do Clima, que está transcorrendo neste subúrbio fora de Paris. Por anos, Gates instigou os governos a aumentarem os gastos em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias limpas. Ele gastou US$ 1 bilhão de sua própria fortuna em novas empresas que trabalham em novos tipos de baterias e reatores nucleares.


"Honestamente, fico um tanto surpreso pelas negociações do clima historicamente não contarem com qualquer forma de pesquisa e desenvolvimento em sua agenda", disse Gates, 60 anos, em uma entrevista na semana passada nos bastidores da conferência do clima, que será concluída na sexta-feira.

O encontro em junho ajudou a acelerar uma sequência de eventos que levou a uma das maiores parcerias público-privadas para tratar da mudança climática, apresentada na conferência na semana passada. Gates, que ganhou bilhões com a Microsoft antes de se dedicar à filantropia, foi importante nesse esforço, atuando como um emissário entre os mundos dos negócios e da política.

Seu papel no acerto do acordo oferece um vislumbre de como os círculos internos dos governos e da indústria se cruzam. Também ressalta como um punhado das pessoas mais ricas do mundo pode tratar com chefes de Estados de questões sociais, econômicas e de políticas em um palco global. Para Gates, o homem mais rico do mundo e copresidente da maior fundação privada, é outro sinal de como sua vasta operação de ajuda internacional e seu status como um ícone da tecnologia o transformaram em um diplomata global singularmente influente.

Gates foi atraído para o esforço após a reunião em junho com Hollande e discussões separadas com funcionários da Casa Branca em meados deste ano. Hollande e o presidente Barack Obama viam o magnata de tecnologia como um catalisador potencial para se atingir amplas metas políticas e diplomáticas na conferência do clima. Em particular, o renome de Gates na Índia como fundador de tecnologia e filantropo deu aos governos francês e americano um emissário crucial para fazer o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, apoiar as metas climáticas.

Hollande e Obama concordaram em trabalhar com Gates na formação de uma coalizão de governos para dobrar seus gastos em pesquisa e desenvolvimento em energia. Para adicionar peso, Gates foi voluntário para organizar um grupo de bilionários para financiamento de novas empresas de tecnologia limpa. Ele fez uso de sua extensa rede de contatos, que inclui Jeff Bezos, da Amazon, Jack Ma, do Alibaba, e Mark Zuckerberg, do Facebook, que concordaram em participar.

Na semana passada, na abertura da conferência de Paris, Gates se juntou a Obama e Hollande na apresentação da coalizão. De acordo com ela, 20 governos dobrarão suas verbas para pesquisa de energia renovável para um total de US$ 20 bilhões ao longo dos próximos cinco anos.

Além disso, Gates e um grupo de outros empresários ricos concordaram em investir pelo menos US$ 2 bilhões em novas empresas de energia limpa –com metade do dinheiro vindo do próprio Gates. O grupo planeja financiar empresas que transformem conceitos promissores de energia limpa, alguns originados em laboratórios do governo, em produtos viáveis. Algumas das empresas fracassarão, alertou Gates.

"Bill Gates é o arquiteto intelectual disto", disse Brian Deese, um alto conselheiro de Obama para políticas de energia e mudança climática, referindo-se ao grupo de investidores privados.

A parceria já provoca críticas. Com o novo fundo de energia limpa, os detratores dizem que Gates e outros membros da coalizão estão focados demais em projetos altamente ambiciosos de energia que exigirão décadas para darem frutos –se é que darão.

"Eu também acredito que os países não invistam o suficiente em pesquisa e desenvolvimento, mas isso não muda o fato dos prazos envolvidos", disse Joe Romm, um ex-funcionário do Departamento de Energia dos Estados Unidos e um membro sênior do Centro para o Progresso Americano, um centro de estudos liberal.

A nova coalizão também não chegará perto de fornecer o que é necessário para fazer a transição global de energia necessária para deter a mudança climática. O Banco Mundial estimou o custo desse esforço em sendo de até US$ 100 bilhões por ano.

Gates disse que a coalizão se concentra em investimentos de estágio inicial, mas que quaisquer novas empresas que conseguirem avanços podem levantar mais capital para financiar o desenvolvimento de suas tecnologias. "Os mais de US$ 2 bilhões que investimos agora é apenas um começo", ele disse. "À medida que surgirem negócios e os fundos públicos aumentarem, esse número crescerá."

A mudança climática também é uma preocupação para Gates, que disse que a inovação em energia precisa da cooperação entre governo e indústria. Apesar dos governos estarem capacitados a realizar a pesquisa básica que produziu as fundações técnicas para a Internet e outros setores, ele disse, é necessário que empresas levem esses avanços básicos de pesquisa ao mercado.

Em junho, Gates se encontrou com Hollande para expor suas ideias. Em meados deste ano, Gates também discutiu a questão com os principais assessores de Obama.

Tanto Obama quanto Hollande consideraram Gates como de ajuda para persuadir Modi a assinar o acordo do clima em Paris. Gates e Modi se encontraram na Índia no ano passado, onde discutiram toaletes. Modi prometeu acabar com a defecação ao ar livre na Índia, que contribui para doenças; a fundação de Gates patrocina esforços para melhorar os toaletes.

Em setembro, Hollande convidou Gates e Modi para um encontro nos bastidores da Assembleia Geral  da ONU, em Nova York. O bilionário queria o apoio de Modi em maiores gastos em tecnologia limpa, disse uma pessoa familiarizada com o pensamento de Gates.

Gates disse que sabe que precisa de investidores pacientes, porque as tecnologias de energia geralmente levam décadas para serem aperfeiçoadas e implantadas. Assim, ele procurou seus contatos em todo o mundo, incluindo o príncipe saudita Alwaleed bin Talal e o industrial indiano Ratan Tata. Em meados de setembro, ele contatou Bezos, o dono da Amazon, por e-mail, que concordou imediatamente em participar.

Gates também entrou em contato por e-mail com Neil Shen, um empreendedor e capitalista de risco na China. "Ele conhece muitas partes da economia global", Shen disse sobre Gates. "Acho que esse tipo de liderança atende muito bem a uma mobilização de investidores desse tipo em uma coalizão."

Para Gates, a parceria é apenas um pequeno passo à frente. "Dada a escala do desafio, precisamos explorar muitos caminhos diferentes", ele escreveu na semana passada. "Eu espero que muito mais governos e investidores se juntem a nós."

Reportagem de Coral Davenport em Le Bourget (França), e Nick Wingfield, em Seattle (EUA).