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Para fugir do calor do PI, Justiça autoriza transferência de urso para SP

10.dez.2015 - Imagem de arquivo mostra urso pardo no Parque Zoobotânico de Teresina - Dilvulgação/OAB Piauí
10.dez.2015 - Imagem de arquivo mostra urso pardo no Parque Zoobotânico de Teresina Imagem: Dilvulgação/OAB Piauí

Aliny Gama

Colaboração para o UOL, em Maceió

08/11/2017 17h01

A ursa parda Marsha, que vive no zoobotânico de Teresina (PI) desde o ano de 2011, vai ganhar um novo lar nos próximos dias. O juiz federal Frederico Botelho de Barros Viana, da 4ª Vara Cível da Sessão Judiciária do Distrito Federal, autorizou a transferência da ursa para o santuário de animais Associação Mata Ciliar, em Jundiaí (SP), nesta terça-feira (7).

A ordem judicial atendeu ao pedido, em caráter de liminar, de uma ação popular ingressada pela presidente da Confederação Brasileira de Proteção Animal, Carolina Mourão Albuquerque. Na ação, Albuquerque justifica que a ursa está debilitada, sem se alimentar corretamente, e ainda se submetendo a alta temperatura, pois no período do verão Teresina chega a marcar mais de 40 graus nos termômetros. A ativista destaca que o local ideal que o animal viva é numa região com o clima ameno. Marsha tem 26 anos e pesa 210kg. O animal foi explorado por um circo por 20 anos quando foi resgatado em 2011.

O magistrado destacou que a decisão é baseada em documentos técnicos que comprovam a "situação de crueldade a qual a ursa parda Marsha é submetida". "Se nós cidadãos fecharmos os olhos para estes fatos, não sei se somos mais evoluídos do que os animais que subjugamos", afirma o juiz, citando que conhece o Estado do Piauí e que o clima é "extremamente quente".

Um recinto na Associação Mata Ciliar está sendo reformado para receber a ursa. O espaço, segundo Albuquerque, tem piscinas para a ursa se refrescar do calor, área de cambiamento, e é adaptado com troncos de árvores para se aproximar do ambiente natural. A ativista disse que o próximo passo é entrar em contato com algum país com clima frio para saber se existe interesse em receber Marsha. Albuquerque afirmou que ela e outros dois ativistas vão custear a reforma do local.

Segundo Albuquerque, a ursa Marsha chegou ao Brasil por São Paulo ainda filhote junto com as ursas Ira e Kátia e o macho Misha. Os ursos são de origem de regiões da terra onde existe constante neve, umidade alta e baixas temperaturas, como a Rússia.

Marsha vivia confinada mais três ursos -- Ira, Mischa e Kátia -- dentro de um baú de um caminhão de um circo, que estava no município de Quatipuru (PA). Os animais foram resgatados pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e Marsha, Ira e Mischa foram levados para o zoobotânico de Teresina. Já a ursa Kátia foi para o Zoológico Santuário de Canindé (CE) para fazer companhia ao urso Dimas, também resgatado de outro circo.

Os ursos Mischa e Ira morreram, em 2015 e 2016, respectivamente. O secretário de Meio Ambiente do Piauí, Ziza Carvalho, negou que maus tratos ou a alta temperatura tenham influenciado nas mortes dos dois ursos. Segundo Carvalho, os ursos eram velhos, debilitados por terem passado a vida dentro de um caminhão baú e morreram pela idade avançada, de "causa natural".

Em 2015, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no Piauí pediu a Justiça a interdição imediata do Parque Zoobotânico de Teresina por suspeita de irregularidades no funcionamento do local. Segundo a OAB, animais estariam sem receber tratamento de saúde adequado, com uso de medicamentos vencidos e alguns vieram a óbito. Na época da inspeção no zoo, a OAB constatou que um dos três ursos estava com uma ferida na cabeça e não estava recebendo tratamento veterinário.

Desde setembro, ativistas vinham lutando pela transferência de Marsha para outro local com clima mais ameno.  Segundo Albuquerque, após ela ver vídeos da ursa fazendo movimentos repetitivos dentro do recinto e um buraco escavado no local que o animal fica, foi tomada a decisão de pedir a Justiça que ela fosse para um santuário. Uma petição online pedindo a transferência de Marsha já tem mais de 215 mil assinaturas.

"Mantida em cativeiro na capital piauiense, Teresina, Marsha experimenta temperaturas que beiram os 40 graus em setembro, situação totalmente inadequada para o bem‐estar de sua espécie. Seus movimentos repetitivos cada vez mais graves demonstram sua enorme aflição, cavando no vai‐e‐volta de sua neurose um fosso", destaca o texto da petição, afirmando que não é somente o calor que aflige a ursa, mas a alimentação inadequada.

"A ração de cachorro é a única alimentação disponibilizada pelo gestor do zoológico que se recusou no início de 2017 a doar o animal para um santuário, alegando ter um ambiente sadio, com alternativa de baixas temperaturas e alimentação saudável, o que não é verdade", completa o texto.

O diretor do zoobotânico de Teresina, José Renato Uchôa, afirma que a ursa é bem tratada e que desde que chegou ao local está num recinto construído especialmente para ela e os dois ursos que morreram. O recinto tem piscina e cascata com gotejamento de água para que os animais se refresquem quando o clima estiver quente. O espaço tem uma área total de 400m²,  além de uma maternidade de 200 m².

"Desde que a ursa chegou aqui fomos introduzindo na dieta dela e dos outros ursos frutas, verduras, carne, peixe e pão com mel para diminuir a ração de cachorro que era o único alimento dela quando estava no circo", diz Uchôa.

Ele justifica que o movimento constante que Marsha fez registrado em vídeo é quando ela sabe que o tratador está dentro do recinto preparando sua alimentação e "ela fica ansiosa para se alimentar". "O calor aqui não podemos negar, mas a gente diminui a temperatura dentro do recinto com as piscinas, o gotejamento e oferendo sorvete e picolé de frutas", afirma o diretor do zoobotânico.

Uma caixa de transporte está sendo confeccionada para fazer a transferência da ursa de Teresina para Jundiaí. O translado ocorrerá via aérea para preservar a saúde de Marsha. Carolina Albuquerque informou que companhias aéreas já estão em contato para oferecer o transporte do animal.

"Essa decisão judicial tem uma importância maior, além da libertação da Marsha, porque ela se tornou referência e jurisprudência para que possamos realizar outros resgates de animais  que passem por situações insalubres em cativeiros e em zoológicos", afirma a ativista.

O zoobotânico de Teresina foi criado em 1973 e é de responsabilidade da Secretaria de Meio Ambiente do Piauí. Atualmente, o zoo tem um plantel 380 animais e 350 para ser reintroduzidos na natureza, com aves, cutias, jaguatiricas, jabutis e macacos pregos.