Réus do PP lavaram dinheiro do "valerioduto", diz relator do mensalão
Após afirmar que houve compra de deputados com o dinheiro do mensalão, o ministro-relator Joaquim Barbosa disse nesta segunda-feira (17), no STF (Supremo Tribunal Federal), que os réus ligados ao Partido Progressista (PP) participaram da lavagem de dinheiro do "valerioduto" --esquema de arrecadação e distribuição ilegal de recursos comandando pelo publicitário Marcos Valério.
"Os réus Pedro Corrêa, Pedro Henry e José Janene --este já falecido--, principais dirigentes do PP à época dos fatos, por meio de mecanismos de lavagem, operacionalizados com o auxílio direto do réu João Cláudio Genú, dissimularam a natureza, a origem, a localização, a disposição e a movimentação de valores milionários, bem como ocultaram os reais proprietários e beneficiários destas quantias", afirmou.
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Crimes cometidos | O julgamento |
Segundo a denúncia da Procuradoria Geral da República, as empresas de Valério repassaram R$ 4,1 milhões para os parlamentares do PP Pedro Henry, Pedro Corrêa e José Janene (morto em 2010), a mando do PT. Desse total, o valor de R$ 2,9 milhões foi entregue aos parlamentares em malas ou sacolas e o valor de R$ 1,2 milhão foi transferido pela sistemática de lavagem de dinheiro operacionalizada pela empresa Bônus-Banval. Em seu voto, o relator concordou com a tese da procuradoria.
Barbosa afirmou que os pepistas receberam o dinheiro de três maneiras: por meio de Simone Vasconcellos, ex-diretora da agência SMP&B, de Valério; em saques feitos nas agências de Banco Rural, tendo como beneficiária a própria SMP&B; e através da corretora Bônus-Banval, dos réus Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg, sem que houvesse qualquer tipo de registro formal da transação.
Na maioria dos casos, o dinheiro foi entregue a Genú, ex-assessor parlamentar do PP. "Os réus do PP receberam os recursos pagos a título de vantagem indevida pelo PT, utilizando-se do acusado João Cláudio Genu", afirmou Barbosa.
A SMP&B, disse ainda o relator, aparecia como a beneficiária dos saques para ocultar os verdadeiros beneficiários dos recursos em espécie.
O relator citou laudos de exame contábil que apontam que Pedro Corrêa, Pedro Henry e José Janene fizeram lavagem de dinheiro, com o auxílio de João Cláudio Genú, com o objetivo de ocultar os repasses que sabiam ser oriundas de crime.
"Apesar de saber quem eram os verdadeiros sacadores, beneficiários dos valores, o Banco Rural também registrava nos sistemas do banco que os saques eram efetuados pela SMP&B e se destinavam ao pagamento de fornecedores", afirmou o ministro.
Barbosa disse ainda que "estas informações falsas" eram que as alimentavam o banco de dados do Banco Central e do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
O ministro detalhou como, em certa ocasião, foi feito o pagamento de R$ 650 mil conduzidos em um carro-forte. O dinheiro foi transportado até Brasília em carro-forte e entregue pessoalmente por Simone Vasconcellos ao ex-assessor do PP.
Barbosa apresentou detalhes dos encontros em que Marcos Valério teve com os parlamentares e citou diversas idas de Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, no gabinete dos deputados do PP. Nestes encontros, os parlamentares eram informados que os recursos seriam pagos em espécie, e não via transferência bancária.
"Mesmo quando os recursos foram recebidos em agência bancária, inexistia qualquer formalidade no saque", diz Barbosa. Segundo o relator, "os milhares de reais recebidos pelos parlamentares do PP podiam ser utilizados para a satisfação de seus interesses privados, já que não prestaram conta sobre o dinheiro".
Análise: parlamentares não precisam falar a verdade sobre mensalão
Sessão de hoje
O relator retomou hoje (17) o julgamento do mensalão com o item seis da denúncia, a quarta fatia do processo, que trata do suposto pagamento de propina para que deputados da base aliada de Luiz Inácio Lula da Silva apoiassem o governo.
Em seu voto, Barbosa sustentou que o mensalão existiu, já que, para ele, o dinheiro do esquema foi empregado pelo PT para comprar parlamentares em troca de votos em projetos governistas no Congresso.
Esse trecho do julgamento inclui o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino, todos então integrantes da cúpula petista.
Esta fatia deve ser a mais extensa e a mais complexa do julgamento. São 23 réus denunciados por quatro crimes diferentes --alguns dos réus são acusados de cometerem o mesmo crime mais de uma vez.
Núcleo petista e núcleo publicitário
Além de Dirceu, Delúbio e Genoino, inicialmente também foi incluído na denúncia o ex-secretário do PT, Sílvio Pereira, mas ele fez acordo com a PGR e já cumpriu pena alternativa.
Segundo a Procuradoria, “toda a estrutura montada por José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino e Silvio Pereira tinha entre seus objetivos angariar ilicitamente o apoio de outros partidos políticos para formar a base de sustentação do governo federal”.
Esse apoio, segundo a PGR, viria em troca do pagamento de “vultosas quantias” aos parlamentares e usaria os serviços do publicitário Marcos Valério e suas empresas para concretizar as transações. As corretoras de valores Bônus-Banval e Natimar também seriam intermediárias no esquema.
O núcleo publicitário do mensalão --formado pelo publicitário Marcos Valério, pelos seus ex-sócios Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, pelo advogado Rogério Tolentino e pelas funcionárias da SMP&B, Simone Vasconcelos e Geiza Dias--, que já foi, em parte, condenado em fases anteriores do julgamento, também é novamente denunciado neste item.
Partidos da base aliada
Na fatia do julgamento que começa a ser analisada hoje, serão analisados os crimes imputados a deputados e assessores ligados ao PP (Partido Progressista), PL (Partido Liberal, atual PR), PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro).
Do PP, integram a lista de réus os o atual deputado Pedro Henry (MT), o ex-deputado Pedro Corrêa (PE), além do ex-assessor da sigla na Câmara, João Cláudio Genú. Também são réus Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg, ex-sócios da corretora Bônus-Banval, que teriam lavado dinheiro para o PP; e Carlos Alberto Guaglia, ex-dono da corretora Natimar, que também teria lavado dinheiro para o partido. Guaglia não é mais julgado pelo STF, pois os ministros entenderam que houve cerceamento de defesa do acusado, que ficou sem advogado durante a maior parte do processo.
Em relação ao PL (atual PR), a denúncia inclui o deputado Valdemar da Costa Neto (SP), o ex-deputado Bispo Rodrigues e os assessores Jacinto e Antonio Lamas. Juntos, Valdemar e os irmãos Lamas teriam recebido, entre 2003 e 2004, R$ 10,8 milhões a título de propina.
Antônio Lamas era assessor da liderança do PL na Câmara e seu irmão, Jacinto Lamas, ex-tesoureiro da mesma legenda -- Antônio foi absolvido do processo pela Procuradoria por falta de provas, mas ainda pode ser condenado pelo STF.
OUÇA TRECHO DA ENTREVISTA À FOLHA DE S.PAULO EM QUE ROBERTO JEFFERSON MENCIONOU A EXISTÊNCIA DO MENSALÃO PELA PRIMEIRA VEZ
Entre os réus do PTB, estão o ex-deputado e atual presidente do partido, Roberto Jefferson (RJ), o ex-deputado Romeu Queiroz (MG) e Emerson Eloy Palmieri, ex-tesoureiro da sigla. A denúncia cita ainda o ex-deputado e ex-presidente da legenda José Carlos Martinez (PR), que morreu em 2003 e nem chegou a ser incluído no texto da Procuradoria, concluído em 2007.
Segundo a PGR, em 2004 ficou acertado o repasse de R$ 20 milhões do PT ao PTB em troca de apoio político. O esquema foi delatado por Roberto Jefferson em entrevista ao jornal “Folha de S.Paulo” em 2005.
Na parte da denúncia que trata do PTB, aparece também citação ao ex-deputado pelo PL (atual PR) e ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto, que teria feito “acordo criminoso” com Romeu Queiroz e Jefferson.
Relembre as fatias já julgadas do mensalão
- 1ª fatia: Item 3, que trata dos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção ativa, passiva e peculato envolvendo as empresas de Valério com o Banco do Brasil e com a Câmara dos Deputados
- 2ª fatia: Item 5, que trata do crime de gestão fraudulenta no Banco Rural
- 3ª fatia: Item 4, que trata dos crimes de lavagem de dinheiro nas operações entre as empresas do publicitário Marcos Valério e o Banco Rural
O quarto partido denunciado é o PMDB do ex-deputado José Borba, que era líder da bancada do PMDB na Câmara na época do mensalão. Ele teria sido beneficiado pelo esquema entre o Banco Rural e a agência SMP&B e recebido R$ 200 mil para votar a favor de matérias do interesse do governo.
Fatias anteriores
O primeiro item analisado pelo Supremo foi o de número 3, que tratava dos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva e peculato (uso de cargo público para desvios de recursos) em contratos das empresas de Valério com o Banco do Brasil e com a Câmara dos Deputados. Foram condenados o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), o ex-diretor do BB Henrique Pizzolato, Marcos Valério e seus ex-sócios, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach.
A segunda fatia do julgamento abordou o crime de gestão fraudulenta no Banco Rural. Por maioria de votos, foram condenados Vinícius Samarane, Kátia Rabello e José Roberto Salgado. A quarta acusada, Ayanna Tenório, foi absolvida por falta de provas.
Na última quinta-feira, concluiu-se o item 4, sobre a lavagem de dinheiro, com oito réus condenados.
Após o item 6, que começa a ser julgado hoje, serão analisados o item 7 (lavagem de dinheiro por parte do PT), 8 (evasão de divisas) e 2 (formação de quadrilha).
*Colaboraram Fernanda Calgaro, em Brasília, e Guilherme Balza, em São Paulo
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